Fahrenheit 451 (Ray Bradbury*) | Livros pra macho #8

pra início de conversa, é preciso esclarecer uma expressão utilizada para definir um estilo de livro bastante conhecido: romance distópico.

O que seria então uma distopia?

Ao contrário da utopia, que se refere a uma civilização ideal e imaginária, um “lugar que não existe”, a distopia é ligada à dor e à dificuldade. Seria, portanto, a antítese da utopia e é, geralmente, associada a uma filosofia totalitarista e autoritária, cujas tecnologias são usadas como forma de controle.

Inserida em romances, ela, normalmente, utiliza-se de cenários exagerados para conseguir retratar de maneira mais clara suas mensagens. Vejamos então como funciona essa estrutura no clássico Fahrenheit 451.

O livro de Ray Bradbury foi escrito logo após a Segunda Guerra Mundial, em 1953, e apresenta aos leitores uma sociedade em que os livros são proibidos. Porém, os livros são apenas representantes de algo muito mais denso e complexo, que é o pensamento crítico do

indivíduo. Sem os livros, as pessoas passam a receber de apenas uma fonte as informações que compõem suas personalidades e, assim, não questionam e aceitam quaisquer imposições sem reclamar.

Para enriquecer esse contexto, o autor norte-americano traz a figura dos bombeiros, cujo papel não é mais o de apagar incêndios, já que as técnicas de segurança alcançaram patamares nunca antes imaginados, mas sim o de queimar livros. E o próprio nome da obra é uma referência ao fogo, pois o grau 451 da escala Fahrenheit é a temperatura necessária para pôr fogo nos livros.

Ao queimar livros, os bombeiros também queimam opiniões e individualidades, reduzindo as personalidades humanas a meras reprodutibilidades. Entretanto, como já era de se esperar, o ser humano não é tão simples assim, e, de vez em quando, um deles se revolta e resiste.

É contra os que resistem e insistem em guardar livros, que a chama do totalitarismo queima.

Dentro de Montag, o personagem principal, a semente começa a ser germinada quando ele conhece uma simpática moça enquanto volta para casa. Espitiruosa, ela, despretensiosamente, vai incentivando nele o espírito do questionamento com várias perguntas, incluindo a que o deixa mais incomodado:

“Por que você queima livros?”

Com essa pergunta, uma cena muito forte do livro vai se armando. E ela pode, para mim e para Montag, ser considerada a primeira reviravolta da história.

Ao chegarem em mais uma residência suspeita de armazenar livros, os bombeiros se deparam com uma mulher que não aceita se separar de sua tão querida biblioteca. Os bombeiros argumentam e pedem para que ela não resista, mas ela não arreda o pé. Prefere

morrer a deixar que seus livros – ou individualidades – sejam destruídos e decide, assim, ser queimada também.

Como lhes falei, a primeira reviravolta da história ocorre, uma vez que Montag sente uma pontada de desconforto depois que vê a mulher morrendo queimada com os livros.

Mesmo sendo um bombeiro exemplar, digno de vários prêmios e medalhas, ele começa a refletir sobre o seu trabalho e o desejo de ler das pessoas. Então, sem que ninguém perceba, ele leva um livro para casa.

A partir daí, a trama vai ficando cada vez mais interessante. Escondendo segredos até mesmo de sua mulher, Montag tenta manter o emprego e as aparências, mas descobre que isso pode ser bem mais difícil do que parece, pois, dentro de uma sociedade em que todos

pensam igual, qualquer opinião divergente, mesmo que mínima, é rapidamente detectada. E o inevitável ocorre: aos poucos, ele vai sendo descoberto.

E agora, Montag? O que fazer?

Não é de minha índole falar sobre os finais de livros e filmes, mas, como lhes falei, esse é um cenário distópico e, para que o meu texto seja completo, preciso lhes dizer o que acontece depois que Montag decide fugir.

Spoiler

Ele corre. Tenta se distanciar o máximo que pode de toda a opressão que antes ele mesmo representava. E depois de muito correr, encontra um lugar para descansar. Um lugar onde pessoas o recebem e ele descobre que pode se sentir seguro.

Esse local abriga algumas pessoas que, como ele, não querem mais aceitar as imposições de uma sociedade autoritária e desejam ainda viver o que a literatura pode transmitir. Porém, para que nunca mais percam as informações que os livros possuem, essas pessoas decidem absorver todas as palavras contida nas obras, cada um se tornando um livro.

Com Fahrenheit 451, Ray Bradbury deixa claro que os livros têm grande importância na formação do homem, emprestando-lhe ensinamentos de outras épocas e civilizações.

Dessa forma, o indivíduo consegue entender como foram resolvidos questões inerentemente humanas na história e entra em contato com pessoas que, de outro modo, nunca poderia ter conhecido.

Os livros são elementos essenciais para que a consciência crítica do homem se destaque em meio à toda a carga de padronizações que o mundo nos oferece. Por mais que ele disponha de instrumentos que pareçam reservar individualidades – cito os objetos exclusivos

e caros que nos cercam –, apenas o conhecimento é eterno e consegue distinguir o homem de uma simples máquina que reproduz tecnicamente o que lhe é ordenado.

* Ray Bradbury (1920-2012) foi um escritor norte-americano de ficção científica, horror e fantasia. Com os livros Crônicas Marcianas e Fahrenheit 451 entrou no panteão dos maiores escritores do século XX.


publicado em 30 de Março de 2013, 06:48
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Filipe Larêdo

Filipe Larêdo é um amante dos livros e aprendeu a editá-los. Atualmente trabalha na Editora Empíreo, um caminho que decidiu seguir na busca de publicar livros apaixonantes. É formado em Direito e em Produção Editorial.


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