Corsaletti escreveu um poema para Mari. Dizia: “preciso cortar minha cabeça com uma espada //e chorar pelo resto da vida”. Todas essas letras postas assim em ordem, mas sem hierarquia, sem maiúsculas, me remetem àqueles quadros pregados nas paredes de consultórios de dentistas: no momento dos rabiscos, das tintas, dos pincéis, tudo aquilo fez sentido para o artista. O sentido está na tela.

Para quem está prestes a ter um canal aberto ou uma profilaxia administrada, é só um monte de traços, tintas, pincéis, cores. A vantagem de Corsaletti é pintar com letras, esses signos aparentemente mais próximos. Assim, ficamos o tempo todo na cadeira do dentista tentando decifrar por que cortar a cabeça, por que chorar pelo resto da vida, por que esse poema é para Mari, quem é Mari, o que Mari achou do poema, se Mari existe e tantas milhares de outras perguntas que circundam esta tela em branco pincelada por um punhado de palavras.

Poucas palavras. Corsaletti não precisa de muitas para marcar, para fazer sofrer e sorrir e torcer. “- escrevo//como que constrói//um túnel transparente//para o vento//como quem modela o vento//como quem deseja//ajudar//o vento//a passar”.

Mas foi em “Poesia e Sociedade”, poema que se desenrola pelas páginas 41 e 42 deste Esquimó, lançado ano passado pela Companhia das Letras e que não foi indicado ao Jabuti, que Fabrício Corsaletti, poeta de 30 anos nascido no interior de São Paulo e autor de quatro outros livros [Zoo Zuereta (2010), Golpe de Ar (2009), Estudos para seu Corpo (2007) e King Kong e Cervejas (2008)] me marcou profundamente.

Displicente, involuntário, pleasure delayer ou guardando o melhor para o final, ele vai construindo ideias de isolamento e presença, de desencontro e retorno, de acolhimento, até descambar na penúltima estrofe com uma verdade inegável. “- devo estar preparado para acolher meu pai”. Quem está pronto para tanta certeza? Quem está pronto para essa certeza?

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Nas orelhas do livro e no site da Companhia das Letras, fica estampada a importância literária e poética de Fabrício, vem a explicação para os poemas tão curtos, das variações tão singelas, porém não há a explicação para tantas referências a porcos, ainda que conste as pistas que facilitarão a tradução dos traços linotipados das páginas impressas em ofsete…

Para nós, leitores mortais ainda interessados em poesia, é no imagético de Esquimó, é na ausência de turbilhão, é na proximidade dos sofreres e dos quereres que vem a exaltação. Esquimó e Corsaletti falam de tudo, de desapego, de culpa, do fim da culpa e outros temas… E falam, também, de amor. E sobre amor, Corsaletti tem algo a dizer para nós todos. Atentai:

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Acredita que o caos alimenta a vida e que ter baixas expectativas é a melhor maneira de se surpreender todos os dias, com as menores coisas.