Eu quero um Porsche

Não quero um Porsche qualquer, mas um muito especial. Quero um Porsche 993, símbolo de uma era gloriosa em que as coisas eram feitas com paixão para apaixonados.

Sei que nem todos vão entender absolutamente nada do que escrevo, mas tenho certeza que os que entendem vão sorrir um pouco. O 993 é um Nelson Mandela entregando a taça da Copa do Mundo na África libertada do Apartheid, um Michael Schumacher cruzando a pitlane pela última vez após 7 títulos mundiais, um aluno que observa nostálgico a nova geração que passa pelos portões de sua antiga escola.

O 993 é o nome que a Porsche deu para seu famoso 911 produzido entre 1993 e 1998. O 993 é o último Porsche da história com motor refrigerado a ar, exatamente como os motores boxer do Fusca de Herr Ferdinand Porsche ou de seu primeiro esportivo, o Spyder 550, que viria a matar o ícone James Dean.

Porsche 550, semelhante ao "Little Bastard" que matou o astro James Dean

Esse modelo carrega em seu nome uma carga de simbolismo, paixão por engenharia, por velocidade, por automobilismo e um respeito inigualável a homens que não se contentam com o comum. Quando o 993 aposentou a mecânica refrigerada a ar, a Porsche já possuía tecnologia e conhecimento para produzir um 911 muito superior àquele em termos de performance e comportamento dinâmico. Não o fez em respeito à visão de todos aqueles engenheiros que trabalharam obstinadamente pra transformar o 911 Turbo em um dos maiores mitos automobilísticos da segunda metade do século 20.

Nem o 993 nem o 911 são perfeitos. Longe disso. Ambos possuem motor e tração traseira, o que compromete a ideal distribuição de peso que seria 50% atrás e 50% na frente. O resultado do sobrecarga de peso na traseira do esportivo é o comportamento demasiadamente sobre-esterçante – isto é, a traseira do carro escorrega o tempo todo. Ao contrário do esportivo perfeito, os Porsches exigem atenção do piloto e cobram um preço alto dos incautos que não sabem contra-esterçar e corrigir uma saída de traseira.

Mas, afinal, por que alguém iria querer conduzir um carro que insiste em ficar andando por aí de lado?

Se você não sabe responder, não adianta tentar explicar. Mas eu tento mesmo assim:

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Em um 993 também não cabem muitas malas, não se transporta muitos passageiros, não se passa por algumas lombadas e rampas de estacionamento. Um carro como esse não é econômico, seus pedais e câmbio possuem acionamento pesado, algumas versões não possuem som, direção hidráulica e muito menos ar-condicionado. Eu não me sentiria confortável em dirigir um 993 ao longo de um engarrafamento interminável, tampouco estacioná-lo na rua em uma metrópole muito movimentada.

O problema é que, no final das contas, o 993 (e qualquer outro superesportivo) é apenas um carro. Um carro tem como objetivo final nos levar de A até B. Qualquer carro popular moderno desempenha essa missão com desenvoltura gastando menos, exigindo menos e trazendo menos preocupações. É o que tenho ouvido diariamente de familiares, colegas e amigos.

Não possuo meu 993 ainda, mas também tenho um esportivo com o motor aircooled do Professor Porsche. É um carro cujo vão entre a carroceria e o asfalto é de apenas 4 centímetros. Há ruas em que não posso dirigir, lombadas que tenho de evitar, estacionamentos que não passo do portão. Aliás, o estacionamento onde ela fica não é sequer perto de casa pois tive dificuldade de encontrar algum cuja rampa de acesso possuísse inclinação mínima evitando que o assoalho do carro raspasse no chão todo o dia.

Quando ia para o trabalho com o carro, pagava uma pequena fortuna diária pelas vagas cobertas disponíveis apenas no estacionamento VIP, já que não admitia submeter o carro às intempéries do tempo. Não posso estacionar em absolutamente nenhum lugar na rua pois, afinal de contas, estamos no Brasil. Por se tratar de um conversível, não me surpreenderia em ter a capota rasgada por um ladrão de rádios ou por um vândalo sem respeito pelo que vê.

Trabalho mais que todos no escritório pois sempre chego uma hora mais cedo e saio uma hora mais tarde para fugir do trânsito cotidiano na hora do rush. E não o faço apenas para proteger o carro de eventuais engavetamentos; faço porque gosto de estrada limpa para acelerar sem preocupação e curtir um pouco o brinquedo.

Link YouTube | Também aguardei 20 anos para dirigir o carro com que costumava sonhar quando criança

Recentemente, fui convencido que precisava de outro carro. Dessa vez, deveria ir atrás de um popular, um carro comum, com baixa manutenção, baixo consumo, baixo seguro, baixo apelo, baixo tudo. A tarefa de fazer uma opção racional não me agradou em nada. Muitos de nós passamos grande parte de nossos dias dentro de um carro. Não é justo que aquele seja um interminável momento em que tudo que pensamos seja sair logo daquele sufocante confinamento.

Creio que podemos, sim, buscar prazer em absolutamente todos os pequenos momentos e pequenas coisas que fazemos ao longo de nossas vidas. Na busca do prático, do racional, acabamos abrindo mão de tudo o que gostamos e que nos traz alegria. Quantos de vocês não cruzam na rua com aquele carro tão legal que para colocá-lo na garagem alguns sacrifícios seriam necessários? E se...

Não é um carro qualquer, é o carro no qual meu pai me ensinou a regular carburador.

Resultado: comprei outro esportivo! Mais novo, menos baixo, mais racional, mas ainda muito divertido! O escapamento livre impede que subidas de giro passem despercebidas dentro do habitáculo. Ou você opta por alta rotação ou por som estéreo. A traseira arisca teima em permanecer no asfalto quando beliscamos com mais vigor o pedal do acelerador. Não vejo problema, porém, em andar de lado eventualmente. Como é bom transformar a hora de entrar no carro em um dos mais aguardados momentos do dia!

Claro, nem tudo são flores. Certo dia, para alegria dos que sempre aconselham em buscar a decisão racional, encontrei um empecilho no meio do caminho. Devido à altura reduzida do carro, um típico buraco brasileiro fez com que o assoalho inteiro se chocasse contra o chão. Imediatamente busquei por avarias e percebi que parte da estrutura aerodinâmica do carro se desprendeu e sumiu na rua.

Fiquei bastante chateado e parti em uma saga em busca da peça. Devido à baixíssima quantidade de modelos fabricados naquela série especial, a peça não existia mais em depósito algum. Depois resolvi o problema e tudo acabou bem. E então muitos dos que sempre criticaram minha paixão por carros nada práticos e nada racionais se municiaram de argumentos contrários.

Pensando no assunto, cogitei vir aqui e tentar colocar em palavras uma eventual explicação para a comum obstinação masculina por máquinas construídas única e exclusivamente para superar limites e nos entreter.

Não consegui. Não achei nada para escrever. Não sei a razão e não sei se há explicação. Tudo o que sei é que somente aqueles que vivem de emoção podem compreender o que engenharia, velocidade, automobilismo e algo como Porsche significam.

Sorte a minha que a Porsche conseguiu achar algumas palavras para descrever a experiência de qualquer aficionado pelos pequenos prazeres ao volante:

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"Como o mundo seria se tudo tivesse de ser prático? Haveria espaço para doces de algodão ou parques de diversões? Como seria o mundo se fosse dito a compositores para serem mais eficientes e a poetas para se aterem aos fatos?
Nesse mundo, onde nós viveríamos? Como viveríamos? O que nos traria alegria? E os carros? Os carros nos trariam alegria? Ou eles seriam apenas construídos para satisfazer uma necessidade?
Como o mundo seria se tudo tivesse de ser prático? O que aconteceria com homens cheios de sonhos? Sonhos malucos, impossíveis e inacreditavelmente impraticáveis de construir algo que ninguém disse que precisa?
Como o mundo seria se tudo tivesse de ser racional? Haveria espaço para um sonhador? Haveria espaço para uma empresa de sonhadores? Um lugar onde inspiração vem não só uma vez, mas de novo e de novo... E onde tudo que eles constroem é uma combinação de tudo o que eles sabem e tudo o que eles são.
Então, talvez seja hora de mais uma vez olhar ao redor e agradecer por vivermos no mundo em que vivemos e por existirem empresas como a Porsche, que constrói carros como esses que permitem pequenos meninos e o resto do mundo a sonhar – por mais inepto, irracional e desnecessário que isso seja."

publicado em 19 de Julho de 2010, 11:03
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Rodrigo Almeida

Engenheiro, apaixonado pela vida e por qualquer coisa com um motor potente, nostálgico entusiasta de muitas daquelas boas coisas que já não mais se fazem como antigamente.


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