Eu queria ter estilo

Fecho um livro de Nelson Rodrigues. Na contra-capa encontro uma figura ímpar. Um senhor com cabelo puxado para trás com algum tipo de gel, apenas um ou outro fio solto. Um cigarro meio caído no canto da boca e uma gravata discretamente torta e frouxa. Nem solta, nem presa. Frouxa.

Não tenho dúvidas. “Eu eu queria ter estilo”.

Não que me ache feio, não que me ache estranho. Simplesmente, o adjetivo estiloso não se aplica a mim.

Olhando para aquela figura, não tinha como deduzir outra coisa, estava ali um estereotipadíssimo jornalista. Um ser cansado do seu ofício, entregue aos prazeres da vida e com aquele olhar de que vai tirar da vida muito mais informações que ela propositalmente dá.

E assim me sinto diante de outros estilos e estilosos. Há roupas e acessórios que só cabem em pessoas com aquele ou este estilo. Não em mim.

Nunca encontrei um estereótipo para mim. Quem me olhava dizia: este cara gosta de música baiana. Fato, as bermudas coloridas não mentiriam. Mesmo que o rock, na verdade, corresse em minhas veias.

Nos festivais underground, olhares se voltavam para a camisa da seleção (ou qualquer outro time de futebol) que adentrava o recinto. Sem qualquer combinação com o preto predominante.


"Nem mesmo meu digníssimo bigode sou autorizado a ostentar"

O cabelo comprido fazia os novos amigos afirmarem: maconheiro! Por mais que sequer um cigarro na boca faça meu estilo.

Assim, sem querer esquivei de todo e qualquer rótulo. E toda vez que os estilos passam perto de mim, não perco tempo: ah, como eu queria ter estilo para poder usar isso.

Seja um terno bem cortado de executivo. Uma calça de pano xadrez dos intelectuais ou seus óculos de aro grosso.

Queria eu poder usar um boné com a aba reta e um quilo de correntes para ficar parecido com a galera do hip hop sem provocar risadas.

Nem mesmo meu digníssimo bigode sou autorizado a ostentar.

Invejo os amigos que podem colocar um chapéu, abaixar a cabeça, com um trumpete em uma das mãos e um cigarro queimando sozinho na outra. Perfeita visão clichê do músico cool. Mas nem um instrumento eu consegui tocar.

Para o espelho, queria poder afirmar: em você tudo cai bem. Mas não adianta boné, charuto, chapéu, guitarra, calça boca de sino, cabelo black power ou careca, óculos, jóias, All Star e sapato social, gravata ou camisa do Che.

Procure um cafajeste ou um intelectual. Malandro ou até nerd. Olhe para os esportistas e para os beberrões. Entre os galãs ou os feios arrumadinhos. Pode olhar, procurar, que em nenhuma tribo você vai me enquadrar.

Nao sei dançar, não toco nenhum intrumento e não tenho a escolha de fazer o estilo riquinho.

Restam a mim as palavras. E talvez com elas crie um estilo. Só meu. Com camisas de time de futebol e um monte de coisas que não combinam comigo.


publicado em 31 de Agosto de 2008, 11:41
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Rodrigo Ferreira

Rodrigo Ferreira (@rferreira_) é jornalista ou publicitário, depende da ocasião. Criador e editor do OsGeraldinos.com.br. Adora escrever sobre esportes e não foge de um bom papo com cerveja gelada na mesa.


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