Eu esqueço de ir no banheiro

Papo rápido sobre como decidimos se o dia rendeu ou não

Tudo é para ontem. É a era do "asap", quanto antes melhor. Nunca tivemos tantas ferramentas a nossa disposição. Plugins para o navegador, aplicativos para o smartphone, tablets, moleskines. 

Há algumas semanas o Mark Zuckerberg contou que tem muitas camisetas iguais, para não precisar gastar energia escolhendo a roupa pela manhã. No PapodeHomem, o Alberto Brandão escreve duas vezes por mês sobre produtividade e lifehacking. O assunto está na capa de todas as revistas. Todo mundo fica curioso para saber quais conselhos o Obama daria para quem quer "ser uma pessoa eficaz e bem sucedida". Já perdi a conta de quantos posts do tipo  "O que as pessoas de sucesso fazem pela manhã?" eu já vi por ai. Eu finjo que acho besta, mas eu clico.

Vez ou outra me ocorre um lapso de lucidez e eu reafirmo, para mim mesmo, que mais importante que encher a to-do list de "x", é estar mais presente em cada tarefa. Tento me convencer de que eu não preciso de 16 reuniões de negócio por semana, mas que eu preciso muito conseguir escutar o outro sem sentir uma urgência extrema e lancinante de responder, de cortar, de me defender, de mostrar que eu sei. Que batalha. 

No fim do dia, talvez por hábito, um pouco da sensação de dever cumprido vem de olhar aquela caudalosa lista de tarefas que foram finalizadas com bravura de guerreiro furioso. Enquanto isso, absorto, percebo que eu estava tão longe, tão desconectado - que ironia -, que eu esqueci de ir no banheiro. 

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Fomos convidados pela Microsoft para conhecer o projeto Vida Digital, Trabalho Digital, protagonizado pelo artista plástico Vitor Rolim. 


O Vitor passou 24 horas dentro de uma casa ultra-moderna, equipada com os produtos da empresa, com a intenção de viver um dia normal. Comer, descansar, trabalhar. A ideia é que ele retratasse suas impressões sobre a polêmica intercessão entre tecnologia, arte e uma vida conectada através da pintura.

Vitor Rolim, artista plástico

Visitei a casa alguns dias antes do lançamento do novo site, e, no ápice da correria e do cansaço desse 2014 sem fim, confesso que fui descrente, esperando encontrar o que, na verdade, eu não queria: mais dicas de produtividade, mais dispositivos, mais nuvem, mais usabilidade, para que pudesse responder ainda mais e-mails, me manter ainda mais conectado, acompanhando mais sites, mais feeds, mais blogs. 

Foi um alento dar de cara com o discurso da Claudia Ferris, vice presidente de novos canais para consumidores, sobre a redefinição do conceito de produtividade que estava por trás da campanha. Os dados e a capacidade dos dispositivos não têm limite, ao contrário do nosso tempo e da nossa capacidade de atenção - e esse limite é mais curto do que a gente gostaria. Levando em consideração essa nossa limitação, será que a evolução tecnológica (que, por si, é incrível), vai nos manter com essa sensação de insaciedade desconfortável? Vamos conseguir lidar com o fato de estarmos conectados e acessíveis, o tempo todo? Ou vamos andar com o celular no bolso rezando para que o maldito barulhinho de "Você tem um novo e-mail!" não apareça? 

Me vi nos exemplos levantados. Eu quero a comodidade de trabalhar de qualquer lugar, mas não quero ficar com peso na consciência por deixar o celular no modo voo no final de semana. 

O evento foi finalizado com uma fala do próprio Vitor. Para mim, que sou um ignorante que não sabe desenhar uma bola, o artista era sempre aquele ser bucólico, que tem um pequeno estúdio feito de sapê. Foi uma surpresa encontrar um entusiasta da vida urbana, que se define como caótico, e que parece não ter lá muito interesse em utilizar a tecnologia só para organizar os e-mails e a agenda, mas que vê total sentido em explorar a produtividade para passar mais tempo fazendo o que realmente ama: arte.

Rascunho utilizando o projetor


Vitor e a obra, já finalizada

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Deixo o convite para o papo seguir nos comentários. De que maneira os dispositivos te beneficiam, além dos aspectos profissionais? 

Dá pra vigiar o tempo, se preocupar em aproveitar bem, sem se tornar uma pessoa ainda mais ansiosa e obsessiva? 

Como você tem lidado com isso por ai?


publicado em 19 de Dezembro de 2014, 14:35
Eduardoamuri

Eduardo Amuri

Autor do livro Dinheiro Sem Medo. Se interessa por nossa relação com o dinheiro e busca entender como a inteligência financeira pode ser utilizada para transformar nossas vidas. Além dos projetos relacionados à finanças, cuida também da gestão dO lugar.


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