Esse texto aqui é para te falar para NÃO comprar

Se tudo no mundo é incerto e passageiro, nessa época do ano surgem ao menos duas verdades inescapáveis: a árvore de Natal do Ibirapuera e o recorde de faturamento dos varejistas.

Sempre que o Natal se aproxima, começam a pulular promoções, anúncios, festa da firma, amigo secreto da turma do sexto ano, da faculdade, da família. Tudo diz: compre, compre, compre.

Eu tenho a plena certeza de que minha tia vai trocar aquele perfume assim que tiver a chance. Mas tenho que dar algum presente, né? Sei que 80% da minha família odeia frutas cristalizadas e abacaxi no chester. Mas vá lá, é tradição.

Mas me diz por que é que a gente mantém esses rituais sem sentido?

Minha tese é que o consumo virou um lubrificante social. Situações de confraternização e criação de laços são quase sempre mediadas pelo consumo. Basta notar: uma ida ao shopping center ou à 25 de março virou o tradicional programa em família aos fins de semana (ao menos para uma boa parte dos paulistanos).

A realidade é que um sistema econômico em crescimento constante necessita disso. Para a economia crescer, crescer e crescer, todos os laços precisam ser monetizados, tudo precisa virar serviço. Novos gaps de mercado precisam ser encontrados, novos desejos precisam ser atendidos. A preparação de refeições, o cuidado com as crianças, a música na praça, tudo que antes era gratuito, um ritual de conexão entre as pessoas, de geração de comunidades, foi transferido para o reino dos serviços.

Não me entenda mal, eu também usufruo de muitos desses serviços com um sorriso no rosto. Mas, se por um lado comer em restaurantes agiliza e facilita meu dia-a-dia, não posso deixar de notar que esse ato está intrinsecamente ligado a um estilo de vida adequado a uma economia em perpétua expansão. Eu preciso fazê-lo porque trabalho longe de casa, não tenho tempo, tenho que ganhar mais dinheiro para contratar mais serviços que tornarão a minha vida mais prática para que eu tenha mais tempo livre para trabalhar mais e, aos fins de semana, - ufa! - ir ao shopping.

É fato: como humanidade, nunca tivemos tanta riqueza material. Então qual o problema disso tudo?

O primeiro e mais óbvio é que essas conquistas materiais vieram às custas da degradação das bases da nossa própria existência. Poderia expandir muito a discussão sobre a nossa voracidade no uso de recursos naturais, mas por hora basta fazermos uma conta simples: não há recursos físicos infinitos, portanto é impossível conceber uma economia em eterna expansão.

É nesse ponto que surge o argumento de que o progresso e o bem-estar humano são mais importante do que preservação de recursos ambientais. De que devemos priorizar as gerações atuais às gerações futuras. Devemos pensar no hoje. Afinal, não se sabe que tecnologia milagrosa pode surgir logo ali, ao dobrarmos a esquina.

Acontece que existe um segundo problema: não estamos nem um pouco felizes! “Live fast, die young” nem é uma opção. E é aqui que eu ligo os pontos da minha tese inicial: quando tudo vira serviço, o que nos resta é consumir juntos. Mas consumir junto não cria laços profundos, não atende a nossa necessidade mais básica de conexão, de criação, de construção coletiva de sentido.

Para onde vamos, então?

Eu acredito que estamos vivendo um momento de transição. No horizonte vem surgindo um movimento que tem a ver com muita coisa antiga - troca, comunidade, compartilhamento, uso coletivo -reinventada pelas tecnologias de comunicação.

Isso aí é o tal do Consumo Colaborativo (ou economia colaborativa, ou economia do compartilhamento). Um assunto que me instigou tanto que resolvi fazer dele tema do meu mestrado.

A ideia principal por trás do Consumo Colaborativo é a de que todos temos ativos subutilizados, que podem ser desde bens físicos e espaço até intangíveis, como tempo e conhecimento e que, através da web, novos mercados estão sendo criados para trocar ou comercializar essa “capacidade sobressalente”. Durante este processo, estreitam-se laços entre indivíduos e suas comunidades.

Além do uso eficiente de recursos, esse movimento parece prometer uma reconexão das pessoas, entre si e com o território. Como em um passe de mágica, os dois problemas se resolvem simultaneamente.

Não existem respostas prontas, mas enxergo no movimento um caminho bem inteteressante. Espero que inspire vocês a pensarem em novas formas de comemorar o Natal.


publicado em 20 de Dezembro de 2013, 21:59
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Camila Haddad

Administradora, mestre em desenvolvimento sustentável e, precisou de duas graduações e uma pós para entender que a gente aprende mesmo é com os outros, as experiências, a ação. Atualmente, se diz em processo de desescolarização. Apaixonada por educação e entusiasta de movimentos colaborativos, juntou os dois no Cinese.


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