Espiral do Silêncio: como silenciar multidões | Tecla SAP #5

Escolha conscientemente quando vale a pena ser o chato da turma

Imagine a seguinte cena:

Você é um cara que odeia futebol. Mas na sua rodinha de amigos o assunto surge e os caras começam a listar motivos pelos quais eles adoram esse esporte. Um fala sobre a complexidade do jogo, as questões táticas, os melhores jogadores. O outro sobre as cifras que o futebol movimenta e a geração de empregos diretos e indiretos. Um terceiro concorda com tudo e acrescenta como foi boa sua experiência na última vez que foi ao estádio. Na empolgação surge o convite para vocês irem ao bar na semana que vem acompanhar uma partida enquanto tomam chopp grátis a cada gol do time.

Você olha pro lado vê a empolgação dos seus amigos e sem querer ser o chato da vez, aceita sem reclamar. Você, afinal, já está acostumado a isso. Seu pai e seu avô eram torcedores fanáticos, a tradição da família era assistir aos jogos de domingo reunidos e a primeira foto que você conhece de você mesmo era com a camiseta do clube.

Na prática

No trabalho, os colegas percebem a sua ressaca em plena quinta-feira (resultado da goleada na noite anterior) e começam a puxar assunto sobre o jogo. Em pouco tempo, sua mesa vira o ponto de encontro da rodinha de conversa. Até seu chefe passa a ter mais boa vontade com você ao descobrir que vocês 'torcem pro mesmo time'.

De repente, você percebe que todos ao seu redor parecem adorar esse tal esporte e começa a duvidar dos fatores que te levaram a odiá-lo inicialmente. Afinal, é muito pouco provável que tudo que você vê em casa, no trabalho, no bar, nos jornais e nas propagandas esteja errado e só você certo.

Seu chefe te deu uma dessas canecas e você ficou sem graça de tirá-la de cima da mesa.

No fim das contas, para todos os efeitos, pouco importa de você passou a gostar mesmo de futebol ou não. O simples fato de você ter se calado lá no começo mudou a percepção das pessoas ao seu redor e outras pessoas se sentem constrangidas em falar mal do tal esporte perto de você. Em larga escala, a opinião majoritária sobre determinado assunto em determinado ambiente tende a se tornar cada vez maior, calando vozes discordantes progressivamente.

Eis a Espiral do Silêncio.

Na teoria

O conceito começou a ser formulado na década de 1960 pela socióloga e cientista alemã Elisabeth Noelle-Neumann, mas só foi citado pela primeira vez em 1972 durante um congresso internacional de psicologia em Tóquio e publicado pela autora na forma de livro apenas em 1984.

Intrigada com o movimento do eleitorado social-democrata e democrata cristão na reta final das campanhas para as eleições alemãs de 1965 e 1972, Elisabeth se propôs a estudar os efeitos de tal mudança súbita de opinião. Algum tempo depois, suas pesquisas revelaram que tal movimento se devia a uma tentativa dos eleitores de se aproximar das opiniões que julgavam dominantes. Os resultados apontaram algo próximo do que hoje chamamos de efeito manada a partir da divulgação das pesquisas de intenção de voto.

A Espiral do Silêncio surgiu como uma teoria de ciência política, mas passou a ser mais empregada no campo da comunicação de massa conforme Noelle-Neumann se dedicou a mensurar o impacto que a opinião pública tem sobre a opinião dos indivíduos. Segundo a teoria, os indivíduos enquanto agentes sociais omitem sua opinião quando conflitantes com a opinião dominante devido ao medo do isolamento. Esses agentes analisam o ambiente ao seu redor e ao perceber que pertencem à minoria (e por não estarem tão certos disso) resguardam-se para evitar impasses.

Dessa forma, tal comportamento gera uma tendência progressiva ao silêncio denominado espiral dado que ao não expôr tal discordância, o indivíduo automaticamente compactua com a maioria fazendo com que outras pessoas que compartilham da opinião divergente também não a verbalizem. Em regra geral, quanto menor o grupo que discorda abertamente da opinião majoritária maior o ônus social em expressá-la.

Para chegar a tais conclusões, Noelle-Neumann formulou também o conceito que chamou de Clima de Opinião, algo que dava conta justamente da tendência das pessoas de falar em público ou manter-se caladas quando discordam da maioria. Para mensurar tal fator ela propôs um questionário simples onde os eleitores indicavam em quem votariam e quem eles achavam que iam ganhar.

Segundo a pesquisadora, ficou evidente que um dos fatores mais determinantes na tomada de decisão sobretudo dos indecisos, é a sensação de que seu candidato vai ganhar. Assim, ela passou a destacar o poder de influência da mídia sobre a transmissão dessa sensação de vitória com base em três fatores:

  1. Acumulação: excesso de exposição do tema na mídia.
  2. Consonância: forma semelhante como as notícias são produzidas e veiculadas.
  3. Ubiqüidade: presença da mídia em todos os lugares.

Se determinada opinião sobre algum assunto atingisse esses três níveis, então a probabilidade de sucesso dessa corrente se tornava muito maior.

Exceções e ressalvas

O mais interessante de observar a Espiral do Silêncio nesse momento é traçar um paralelo com a nossa realidade. Como foi dito no artigo sobre a eleição de Donald Trump, nunca o poder de persuasão da mídia esteve tão questionado. Ainda que as teorias da comunicação nesse sentido sirvam para reforçar a necessidade e a importância da ética dos profissionais da área, talvez, como sugere o próprio Burgos, elas estejam carecendo de uma atualização.

Poder da mídia a parte, a aplicação dessa teoria na nossa vida pessoal não muda em nada. Aqui entre nós, todo mundo já se deixou levar pela opinião da maioria do grupo só pra não ser chato: desde a escolha da viagem de formatura até o local onde o pessoal do trabalho vai almoçar junto na sexta.

Por último, mas não menos importante, Noelle-Neumann faz uma última ressalva em sua teoria. Trata-se do indivíduo que ela chama de 'duro de espírito'. A este, não se aplica a Espiral do Silêncio já que ele não se deixa impactar pelo Clima de Opinião. Neste indivíduo nota-se uma disfunção psicológica que afasta o medo de se tornar socialmente excluído ou, em casos mais graves, faz da "não-concordância" um objetivo pessoal.

Neste caso, o indivíduo 'duro de espírito' ao mesmo tempo que cumpre uma função social importante de manter vozes discordantes ativas pode comumente se tornar um rebelde sem causa. Pelo sim ou pelo não, é melhor conhecer a regra para escolher melhor a vez que nós seremos o chato da turma que não gosta de futebol.

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Tecla SAP é uma série de autoria de Breno França publicada quinzenalmente às quintas-feiras que se propõem a explicar ou traduzir conceitos complexos que estão presentes nas nossas vidas, mas não sabemos ou reconhecemos.


publicado em 18 de Novembro de 2016, 17:09
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Breno França

Editor do PapodeHomem, é formado em jornalismo pela ECA-USP onde administrou a Jornalismo Júnior, organizou campeonatos da ECAtlética e presidiu o JUCA. Siga ele no Facebook e comente Brenão.


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