Quem já fez terapia sabe muito bem que ir ao consultório é, numa boa parte das vezes, dar de frente com um tanto de informações desconfortáveis. Crescer e melhorar psicologicamente não é um processo fácil, tem que se ter coragem e disposição para mudar. Antes de se encontrar com as nossas melhores potencialidades, temos que colocar um tanto de lixo para fora, lidar com vários fracassos.
Isso não quer dizer que o terapeuta se porte como uma "metralhadora de verdades", jogando para cima do sujeito uma sequência de cobranças ou correções. Ninguém é mãe ou pai de ninguém dentro do consultório para ficar puxando a orelha de analisado. Esse tipo de coisa não funciona lá fora e não funcionará dentro de uma análise.
Quando comecei no consultório [lá atrás, quando animais falavam] tive que aprender dosar a mão nas sessões. Conquistar um ponto de equilíbrio que não caia em condescendência ou grosseria é algo difícil. Em certos momentos temos que ser enérgicos, mesmo que o sujeito esteja com aquela carinha de cachorro sem dono. Em outros, temos que ter tato para perceber se a pessoa daria conta de entrar em contato com um tema muito indigesto, mesmo que ela tenha um belo sorriso no rosto.
Dada a dificuldade, acabei, com a prática, elaborando uma espécie de formação e treinamento pessoal para tentar me fazer mais sensível às leves nuances desse tipo de situação. Nada muito elaborado ou cheio de teorias. Quando falamos de experiência, nada pode superar a prática.
A primeira vez que experimentei, já senti um tranco pesado. Faço o alerta para que, se alguém quiser testar, as primeiras vezes tendem a ser as mais difíceis. Depois melhora.
Todo mundo passa por algum momento de levar um puxão de orelha. Nem todo mundo se abre a possibilidade de ouvir com humildade e deixar que a crítica tome espaço dentro do seu corpo e mente. É natural querermos defender nosso ponto de vista e é, até mesmo, saudável…mas também é saudável o desafio de aceitar que não somos perfeitos, e que alguém do lado de lá pode ter percebido algum defeito real que nos acompanha, mesmo que tenhamos trabalhado tanto para escondê-lo.
Lembro-me de uma tradição em algumas tribos africanas em que o futuro líder, antes de assumir o cargo, deve passar por uma sessão de humilhações e críticas feitas pelos seus futuros súditos. Ele deve aguentar todo o processo humildemente e, quando assumir o poder, não poderá se vingar de todo o sofrimento que lhe foi infligido.
Para que uma pessoa com muito poder não se perverta, ela tem que entender o que sentem as pessoas que moram no ponto mais baixo de sua sociedade. Quem pretende alçar grandes voos, tem que ter coragem de descer nos recônditos mais profundos. Foi nesse sentido que decidi aguentar uma boa parte das críticas que me fossem feitas com peito aberto.
Há quem confunda isso com ser passivo ou até mesmo um otário, mas ouvir o que nos dizem, de forma atenta e aberta, não é o mesmo que se sujeitar a qualquer comentário sem um mínimo de pensamento crítico. O ponto aqui é outro. É não se defender sem antes mesmo entender o que a pessoa tem a te dizer. Sem escutar qual é o argumento apresentado.
Psicólogos não são bons ou maus, não são mais justos que a média… não são, nem mesmo, mais centrados ou normais que seus clientes. O que diferencia um psicólogo de outras pessoas é uma educação e treinamento que nos capacita a ler determinados comportamentos ou identificar padrões psicológicos. Isso pode ser usado tanto para o bem quanto para o mal e fica muito claro o estrago que é, uma pessoa bem treinada em reconhecer pontos fracos emocionais, sair enfiando dedos em feridas abertas alheias só para defender a própria ferida, o próprio defeito.
O poder, para ser saudável, deve sempre estar em contato com a humildade. Como deixei claro anteriormente, humildade não é sinal de passividade, mas uma atitude que pede força e clareza sobre quem se é e o poder que se tem.
Quando alguém assume a possibilidade de sentir em si mesmo o peso de uma crítica e sente a dor de ser repreendido, melhora enquanto indivíduo. É um movimento duplo. Por um lado, aprende sobre as próprias limitações, percebe que não é perfeito e passa a ser mais sensível com o outro que, como ele mesmo, também falha. Pelo outro lado, cresce ao aprender onde pode melhorar.
Paradoxalmente, só se ganha mais poder ao abrir mão desse mesmo poder.
Manter a boca fechada e a mente aberta. Ouvir palavra por palavra e entender o que é dito, sem procurar uma boa réplica ou desculpa. Entender tudo que lhe foi apresentado e aceitar como forma válida o entendimento do outro sobre suas atitudes… só depois começar uma argumentação. Esse é o desafio.
E aí, você aguentaria 5 minutos de crítica com o peito aberto?
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