Me lembro, como se fosse hoje, quando li o que o John Lennon contou sobre a primeira vez que ele viu e, consequentemente, conheceu a Yoko Ono. Acho que foi em alguma entrevista para a revista Rolling Stone, já na década de 70 (se alguém souber a entrevista exata e tiver o link, pode me mandar e eu atualizo aqui).
Ele ainda era casado e ainda era um Beatle. Alguns amigos o levaram para a exposição da então artista avant-garde e, lá, tinha uma peça que chamou a atenção do Lennon. Era uma escada branca com uma luneta (ou uma fechadura, perdoem a minha falta de memória nos detalhes, mas continue que vai dar certo) e, ao olhar com um olho só, havia do outro lado um papel escrito “Yes”.
Isso era 1966.
Até para quem não entende bulhufas de inglês entenderá que o dizer era o afável “sim”. Isso deixou o jovem John em êxtase. Ele disse, reproduzindo em minhas palavras, que havia ficado muito feliz em vez aquela obra. Isso porque seria fácil demais escrever um “não” bem sisudo, daqueles que estamos tão acostumados. Ele ficou contente porque poderia ser mais uma obra que frustrasse alguém, mais um dos bilhares de milhares de pequenos insucessos com os quais topamos todos os dias.
Mas não. Era um recortezinho edificante. Você tinha certo trabalho para subir, haveria de se mexer e “trabalhar” para cerrar um dos olhos, ver através da lente etc. E, ao final, mesmo que por mais singelo, ganhava um prêmio.
Isso deixou o nosso pequeno John muito feliz.
Eu acho que também ficaria.
Corta dois anos a frente.
Em abril de 1968, era lançado nos cinemas (dia 02 nos EUA e 29 aqui no Brasil) a considerada obra-prima do diretor Stanley Kubrick, o filme 2001 – Uma Odisseia no Espaço. Tudo já foi dito sobre o filme, uma baita viagem de um dos diretores mais competentes de todos os tempos. Um dos detalhes do filme que vira sempre pauta de discussão em meda de boteco (pelo menos nas mesas dos meio intelectuais, meio de esquerda) é sobre a atuação dos atores que aparecem já pra depois do meio do filme, justamente aqueles que mantém contato com o HAL, computador que todos se lembram ou já viram em alguma foto do filme.
Dizem as más línguas que o Kubrick tinha um leve grau de autismo (só caçar nos Googles da vida), o que fazia com que ele se importasse mais com a forma do que com a atuação (o que pode ser uma baita balela, já que ele tem filmes com atuações fodas e até exageradas, como as de Laranja Mecânica e O Iluminado). Em 2001…, as atuações são bem apáticas, robóticas, o que pode ser muito bem associadas ao zeitgeist futurista do filme, em que as máquinas deixariam as pessoas mais indiferentes, sonolentas, alheias.
Será que, tomado de lucidez ou bem de forma inconsciente, o Kubrick teria acertado na mosca?
Outro corte, provavelmente o último. Hoje.
Já publiquei, em meu último artigo, o pedido de uma maior crença, usando como base o lance todo envolvendo o comercial do grande Jean Claude Van-Damme.
Pode — tudo isso — parecer um tremendo papo de hippie tardio que ainda vê nos anos 60 toda a formosidade desse planeta, mas o buraco é mais embaixo.
Como eu disse no mesmo texto que acabei de citar, devemos sim ser alertas, buscar fontes, sermos críticos, buscarmos a assertividade. Mas que isso não precisa ser motivo de reações mais gélidas, comportamentos mais bruscos, cotidianos mais intolerantes.
Podemos — e devemos, sempre que possível — deixar um belo “yes” como presente, um pouco mais de doçura. Não estou pedindo flores em armas, mas um sorriso de quando em quando, um pouquinho mais de elogios, de fuga do peso da realidade. Não é alusão ao LSD não, é aquele gracejo que podemos dar, aquela tranquilidade na fala, na atenção em meio à histeria cibernética.
Não entendam como um pedido para ser bobo, alegre em demasia (uma das coisas mais irritantes, certamente), positivista à toa, guru de felicidade. O intuito desse texto não é amolecer pessoas, transformá-las em propagadoras de abraços moles e despropositados.
Chega a ser engraçado como parece simples. Mas o caso é que, hoje, muito mais do que naquela época, somos inundados por um mar de informação e ruído. Somos muito mais acelerados e estamos sempre muito mais atrasados. O humor e a leveza parecem ser artigos de luxo e nos acostumamos com isso. E não é para ser desse jeito.
Os anos 10 já passaram. A nova era já é passado e, se em 2001 (o ano, não o filme) tínhamos todas as maravilhas da tecnologia, hoje temos o conhecimento e a experiência para lidar com tudo o que é novo, com tudo o que não entendemos de cara.
É tempo de parar um pouco. Melhor ainda: é tempo de parar muito.
Saber dar o devido tempo, ser respeitoso, abrir espaço, se colocar no lugar do outro, ter mais crenças, elogiar mais.
É só dar um pouco mais de “sim” do que “não”.
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