Em algum dia do próximo ano, perdido em alguma data próxima ao Dia Nacional da Logosofia e ao Dia do Numismata, talvez tenhamos Dia do Orgulho Hétero.

Nada contra celebrar, muito pelo contrário. Por mim celebraríamos mais. Qual o sentido de correr atrás de algo e não comemorar a chegada? Seria interessante, porém, saber o que está por trás da comemoração ou do movimento. Em tempos em que a notícia chega compactada em meros 140 caracteres, corremos o risco de fazer um juízo precipitado. São conceitos complexos e históricos sendo cuspidos para todos os lados.

Devo ter lido ou ouvido a frase abaixo pelo menos dez vezes, em situações diversas, de papo de bar a fórum de internet, passando por aulas de Ética do colegial e faculdade:

Usar uma camiseta com a estampa “100% negro”  é válido e está na moda. Usar uma camiseta com a estampa “100% branco” é racista e preconceituoso. Cadê a igualdade?

Sou obrigado a concordar que, ao primeiro olhar, a afirmação acima faz sentido, certo? Considerando que as raças são iguais, e considerando que temos um dia para celebrar o negro, nada mais natural do que termos um dia para celebrar o branco. Se temos um dia para celebrar o orgulho homo, seria justo termos uma data de comemoração hétero. E por aí vai. Seria correto e plausível, se desconsiderarmos a origem disso tudo.

Se Deus (ou Buda, ou a ciência, ou outra entidade de sua preferência) tivesse coçado a barba, espirrado e dito “que seja feito o branco, o negro, o homossexual e o heterossexual, e que vivam fraternalmente para todo o sempre!”, e, o mais importante, se isso realmente tivesse acontecido, eu concordaria. Mas não foi.

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Vamos deixar tudo preto no branco

Igualar a situação atual desprezando o baú histórico que embasa esses movimentos todos é maluquice. Mania nossa de ficarmos com a análise superficial da coisa toda, derivando conclusões apoiadas num alicerce de areia, numa primeira análise, superficial e estritamente lógica.

Camisetas “100% negro” não são exaltações à melanina. São protestos, que carregam consigo todas as injustiças e barbáries praticadas contra a classe ou a minoria social em questão. Manipular este fato ao ponto de defender o lado opressor simplesmente porque “agora somos todos iguais” é racionalizar tomando como base uns poucos argumentos atuais, desprezando todo o resto. Parece racional açoitar alguém? E usar a ferramentinha abaixo?

Foto tirado no Museu da Tortura, em Praga. O quadro à direita ilustra a utilização

O cenário atual não é fruto dos novos movimentos assistencialistas, nem do lulismo recente que deu voz a algumas minorias. É um processo maior, mais complexo, repleto de desigualdade, nobreza e podridão. O arrependimento geralmente vem, mas não repara tudo o que já foi derramado. As fotos abaixo foram tiradas no campo de concentração em Dachau, Alemanha.

Um mar de mortos
A valeta servia para escoar o sangue dos que eram metralhados no paredão. Praticidade
“Nunca de novo”

Se eu fosse negro e me deparasse com alguém argumentando em favor das campanhas pró-maioria (“100% branco”, por exemplo), provavelmente eu diria que concordo. Com a condição de que os avós desse alguém fossem amarrados a um tronco e espancados, bem como foram os meus.

Agora sim. Igualdade.

Eduardo Amuri

Autor do livro <a>Dinheiro Sem Medo</a>. Se interessa por nossa relação com o dinheiro e busca entender como a inteligência financeira pode ser utilizada para transformar nossas vidas. Além dos projetos relacionados à finanças