Encontrei a mindfulness como prática de cura depois de superar a dependência ao Adderall, no meu primeiro ano na faculdade. Cheguei nesse ponto porque pensei que usá-lo para me ajudar a me focar não fosse grande problema – atitude essa compartilhada por 81% dos estudantes nos EUA.
O Adderall parecia simplesmente um atalho inócuo para concluir tarefas – e fazê-lo eficientemente e sem esforço. Ainda lembro a sensação de minha primeira noite sob o efeito do remédio: consegui ler todas as páginas de Faulkner requisitadas (nada fácil), comecei e terminei um artigo semanas antes da data de entrega, passei a vassoura em meu quarto (duas vezes) e respondi todos os e-mails pendentes.
Também preciso apontar que me esqueci de comer a noite toda, e me descobri acordada 4h da manhã, com o queixo travado e a barriga borbulhando. E sem sono algum.
O que inicialmente tomei como um atalho para o foco e aumento de produtividade, no fim das contas se mostrou um desvio tortuoso no sentido da autodestruição. Em vez de reconhecer o foco como subproduto de meu poder e capacidade, procurei algo externo, acreditando que uma pílula resolveria meus problemas.
O resumo da história é que num determinado ponto encarei o problema, me livrei da droga, e encontrei um antídoto para minha a minha tremenda falta de autoconfiança: meditação – em particular, meditação mindfulness (ou meditação vipassana).
Então, para mim soa meio irônico que a mindfulness agora esteja tão saliente na mídia, com a comprovação científica de seus benefícios sobre foco e produtividade.
E isso é irônico porque eu mesma encontrei a mindfulness como uma forma de cura quanto à ressaca da enorme pressão que eu colocava sobre mim mesma para ser produtiva.
Embora a mindfulness não seja uma pequena pílula azul, ela começa a ser encarada como um tipo de atalho para o foco e para a produtividade, não muito diferente do café matinal.
Uma tradição de sabedoria associada com crescimento pessoal e discernimento acabou absorvida por nossa cultura como uma ferramenta para aumentar a eficiência e avançar na carreira.
Porém, será que a mindfulness deve mesmo ter um objetivo particular, ainda mais um tão concreto? É correto encarar uma prática que diz respeito a apenas “ser” como uma nova ferramenta para “fazer”?
As empresas parecem pensar que sim. Com o presente burburinho com relação à mindfulness, não é surpresa que programas corporativos ligado a ela estejam se proliferando. O próprio Google oferece aulas de “Busque dentro de si mesmo”, que ensinam esse tipo de meditação no trabalho. Corporações como Goldman Sachs, HBO, Deutsche Bank, Target, e o Bank of America alardeiam a seus empregados os benefícios da meditação ligados à produtividade – e esses desenvolvimentos todos são celebrados no recente livro Mindful Work, de David Gelles.
O mundo dos atletas profissionais também atraiu atenção para alicerces ligados a conquistas do movimento mindfulness mainstream – especialmente, mais recentemente, a NFL.
Numa tentativa de entender o sucesso do Seattle Seahawks no Super Bowl de 2014, The Wall Street Journal explicou que a “arma secreta” do time foi sua disposição em trabalhar com psicólogos do esporte que ensinam mindfulness. O treinador assistente dos Seahawks, Tom Cable, chegou a descrever o time para o WSJ como sendo “fantasticamente presente no momento (mindful).”
Este artigo foi escrito em janeiro de 2015, um mês antes dos Seahawks perderem o Super Bowl de 2015. Não sou particularmente cínica (e acredite, não dou a minima para esportes), mas algo interessante aconteceu com essa derrota dos Seahawks: ouvi várias conversas de conhecidos e pessoas da minha família (todos fãs de esporte, que não meditam mas estão cientes da meditação) expressando ceticismo no poder da prática para a obtenção de foco e sucesso.
Ou seja, como podemos tomar a mindfulness como uma ferramenta de sucesso se um time quer ficou famoso por meditar perdeu o Super Bowl?
Ainda podemos pensar dessa forma, sim, acho eu. E para mim tudo bem parar aqui para admitir que a comoditização da mindfulness como ferramenta de produtividade me deixa com um gosto esquisito na boca.
Acima de tudo, sou resistente à atitude teleológica quanto à meditação – que é uma “ferramenta” necessariamente desenhada para uma finalidade particular, contingente perante “resultados”.
E, ainda assim, reafirmar esse cetismo me lembra duma conversa que tive com meu primo vegano alguns anos atrás. Ele é aluno de doutorado em antropologia biológica, ativista dos direitos dos animais, e há 15 anos se alimenta deste modo. Quando perguntei se ele ficava chateado quando as celebridades se tornavam veganas para perder peso, ele sacudiu a cabeça vigorosamente. “Prefiro que as pessoas façam a coisa certa pelo motivo errado, do que não façam a coisa certa”, ele explicou.
Esta filosofia parece se aplicar também à loucura da mindfulness, conhecida como McMindfulness.
Fico feliz que cada vez mais pessoas obtenham os múltiplos benefícios da meditação. Fico feliz que a já não sejamos considerados hippies fedendo a patchouli apenas por praticá-la. Se os programas de mindfulness significam que os cuidados com o trabalhadores estão sendo mais valorizados no trabalho, então ótimo.
Mas também acho que há espaço para considerar formas alternativas de falar sobre meditação, especialmente no que diz respeito a como nos relacionamos com o trabalho.
Encarar a prática como uma ferramenta para conseguir fazer o que precisamos nos aprisiona numa perspectiva mental orientada para o futuro, e não nos encoraja a dilatar o momento presente. Claro, isso não invalida a neurociência; mindfulness nos permite fazer mais coisas. Mas que tal deixá-la ser o que é? Ter os efeitos que vai ter, sem atrelar um slogan de marketing a essa prática ancestral?
A psicóloga Kristin Neff ficou famosa por cunhar o termo “autocompaixão“. Em particular, Neff afirma que o primeiro componente da autocompaixão é a bondade, a capacidade de se dar aos ombros naqueles momentos em que “nos decepcionamos com nós mesmos”, quando não conseguimos realizar tudo que está em nossas listas. Os outros dois componentes são autoconsciência e, enfim, mindfulness.
A finalidade não é fazer mais, mas compreender que já somos bons o bastante, e que nosso valor não depende do que realizamos. (Embora, bastante curiosamente, estudos tenham demonstrado que o autoperdão nos ajuda a procrastinar menos.)
Não sou uma idealista. Não estou dizendo que todo mundo deva começar a recitar “Om” e se devotar a apenas à autocompaixão, esquecendo suas listas de afazeres. Mas estou falando que compaixão, e autocompaixão, devem ser priorizadas quando falamos sobre mindfulness – mesmo nos seus programas corporativos.
Não há vergonha em querer ser produtivo no trabalho. Mas também não há vergonha em se abrir um espaço para conceder mais amor a si mesmo durante aqueles momentos no trabalho em que as coisas não parecem estar indo tão bem.
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Nota: esse texto foi originalmente publicado por Charlotte Liebarman e publicado sob autorização.
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