Estamos constantemente trombando com outras pessoas, falando, sorrindo, apertando mãos, abraçando, beijando, trepando, ouvindo música, cantando, olhando nos olhos, nos apaixonando, ficando felizes e tristes por muitas e muitas razões diferentes.

No entanto, sensação minha, é como se muitas vezes não estivéssemos verdadeiramente nos comunicando quando fazemos essas coisas – apenas fazendo parte de teatros e joguinhos. Tudo para evitar ficarmos realmente expostos.

Johnny Barnes, 88 anos, dando “Bom dia”

Estamos constantemente trombando com outras pessoas, falando, sorrindo, apertando mãos, abraçando, beijando, trepando, ouvindo música, cantando, olhando nos olhos, nos apaixonando, ficando felizes e tristes por muitas e muitas razões diferentes.

No entanto, sensação minha, é como se muitas vezes não estivéssemos verdadeiramente nos comunicando quando fazemos essas coisas – apenas fazendo parte de teatros e joguinhos. Tudo para evitar ficarmos realmente expostos.Nossos teatros e defesas são inúteis

Nossos teatros e defesas são inúteis

Estava no bar com uns amigos e apareceu uma garota, namorada de um deles. Ela passou praticamente todo o tempo contando histórias, exagerando os próprios gestos, nitidamente tentando chamar atenção e causar uma determinada impressão. Sem sucesso.

Essa cena toda estava se transformando numa barreira, distanciando as pessoas e estragando a noite. Todos estavam entediados, olhando para os lados, tentando encontrar qualquer coisa para fazer que não fosse interagir com aquilo. No final da conversa, acabei perguntando o motivo de ela estar agindo daquela forma. Ela ficou ofendida e foi embora.

Eu pensei que tinha dado uma imensa bola fora, mas três dias depois a reencontrei por acaso na rua e ela me agradeceu, pois até então não tinha percebido que fazia isso. Então, ela perguntou o porquê de eu ter dito aquilo. Apenas respondi: “Cara, todo mundo está vendo tudo”. Por algum motivo, naquele momento, isso passou a fazer sentido para mim.

Não há por que tentarmos nos esconder, emular, contar histórias e viver personagens, como habitualmente fazemos. Não precisamos inventar um de nós para o trabalho, outro para a faculdade, outro para namorar e outro para escrever. Na verdade, nós não estamos escondendo nada, não estamos enganando ninguém.

Estamos cobertos de camadas desnecessárias

Podemos não perceber, mas todo mundo está vendo tudo. Todos sabem que estamos fingindo quando estamos fingindo. Todos conseguem ver nossos teatros, nossos joguinhos, nosso orgulho inferiorizando alguns e exaltando outros. Todo o circo da raiva, da inveja, do ciúme, do apego. Tudo está na nossa cara o tempo inteiro.

Por não vermos os outros como tão ou mais capazes do que nós mesmos, acreditamos que conseguimos enganar alguém, esconder nossas dúvidas, o medo, a insegurança e todos os outros obstáculos. Estas artimanhas e defesas são desnecessárias. São elas que dificultam tudo e nos impedem de criar conexão. Se nos apresentamos aos outros cheios de pés atrás, como podemos esperar encontrar abertura e sinceridade?

Esta é uma das razões pelas quais não existe um comportamento que agrade às mulheres, por exemplo. Você pode criar o melhor roteiro do mundo, tentando descobrir que piadas pode ou não dizer, quando deve sorrir, para onde tem de olhar, mas as chances são grandes de que se mantenha no ar um desconforto silencioso, um alarme interno soando de ambas as partes. O que gera a conexão não é o protocolo, é uma outra coisa.

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Nós queremos a mesma coisa

“Não estamos tristes porque nos insultaram ou porque nos consideramos pobres. Não. Essa experiência de tristeza é incondicional. Ela se manifesta porque nosso coração está absolutamente exposto. Nenhuma pele ou tecido o recobre – é pura carne viva. Mesmo que nele pousasse apenas um mosquito, nós nos sentiríamos terrivelmente tocados. Nossa experiência é crua; nossa experiência é terna e absolutamente pessoal.
O autêntico coração da tristeza provém da sensação de que o nosso inexistente coração está repleto. Estaríamos prontos para derramar o sangue desse coração, prontos para oferecê-lo aos outros. Para um guerreiro, é a experiência do coração triste e terno que dá origem ao destemor, à coragem. Convencionalmente ‘ser destemido’ significa não ter medo, significa revidar um murro, dar o troco. Aqui, entretanto, não estamos falando do destemor das brigas de rua. O verdadeiro destemor é produto da ternura e sobrevém quando deixamos o mundo roçar nosso coração, nosso belo e despido coração. Estamos dispostos a nos abrir, sem resistência ou timidez, e a encarar o mundo. Estamos dispostos a compartilhar nosso coração.”
Chögyam Trungpa | Shambala: a trilha sagrada do guerreiro

Seria bom que pudéssemos falar a real, abertamente, mas por algum motivo não estamos acostumados a encarar qualquer intervenção no nosso modo de operação, mesmo de quem deseja ver o nosso melhor. Nós nos defendemos, nos sentimos ofendidos, atacados. Algo que poderia gerar benefícios incalculáveis é obstruído por orgulho ou seja lá o que surja.

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É triste que seja preciso um esforço extra ao falarmos para o outro. É triste que tenhamos de explicar abertamente que, a partir daquele momento, estamos falando de coração. Isso é como se estivéssemos afirmando que esse não é o normal, que na realidade, nós raramente nos relacionamos desta forma. Quando precisamos declarar “de coração”, algo fica muito evidente: estávamos escondendo o jogo, sendo permissivos, preservando em nós e no outro o que nos fode.

Numa roda de embate da Cabana, é possível notar este fenômeno acontecendo e, ao mesmo tempo, sendo demolido cruelmente. Aquele que está no centro da roda começa a falar, com todos os seus teatros, acreditando em todas as suas histórias, todo o roteiro do seu sofrimento, e os que ouvem são treinados em detectar o que há por trás daquelas falas, além do conteúdo.

Eles próprios têm de se despir dos impulsos de concordar, discordar, de interromper, de fazer uso das suas próprias soluções fast-food, para ouvir e descobrir uma forma de tocar o que realmente está causando o problema. E, na maior parte das vezes, o que está causando o problema pouco tem a ver com o que está sendo dito; é algo anterior, mais profundo.

Ao observar o outro falando abertamente, quem ouve também é levado a se posicionar de maneira mais aberta, sem julgar, sem atacar, mas ao mesmo tempo sem querer proteger, sem ter medo de machucar ou ofender.

Isto é o que permite o surgimento desta comunicação em outro nível. Isto é falar de coração: mesmo quando discordam, estão concordando. Elas querem as mesmas coisas.

Comunicação gera satisfação

Pode notar: depois de um papo de horas, às vezes saímos com a sensação de que a gente não se abriu, não ouviu direito e não foi ouvido. Falamos muito, trocamos muito conteúdo, mas não aconteceu nada. Nada foi tocado, nada mudou, nada foi criado. Insatisfação.

A comunicação não é meramente trocar informações, transmitir ideias. É um espaço por onde podemos transitar e agir de diferentes formas. Quando este espaço surge, temos sensação de liberdade, sentimos que podemos agir, não estamos mais amarrados. É como tocar no mesmo ritmo, ouvir um solo do David Gilmour e balançar o corpo com cada nota, ver um filme que gira nossa realidade ou se apaixonar. Quando descobrimos e sentimos na pele essa conexão, o que surge é uma energia extra, uma espécie de felicidade. Entendimento além das palavras.

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Comentários “de coração”

Até agora, a única forma que encontrei de atingir esta conexão é eu mesmo, antes de tudo, derrubar minhas próprias defesas, aceitar tudo como contribuição sincera, feita de coração, presumir que todos querem o meu melhor. Não é fácil, mas têm mudado toda a forma como me relaciono com as coisas que estão ao meu redor. Seja a banda, a faculdade, a Cabana ou escrever um texto para o PdH.

Estou explorando. Sinto que isso é só o começo de um longo caminho. Admito que tenho bastante dificuldade em encadear as ideias aqui para apontar esses processos ainda etéreos para mim.

Portanto, estou bastante curioso para saber: quais experiências vocês têm de falar com o coração aberto e fazer surgir esta conexão?

Luciano Munhoz

Sempre tentou unir suas predileções ao seu estilo de vida. Foi pensando assim que deixou para trás sua carreira em administração de empresas e se tornou fotógrafo. Dentro da fotografia, foi se especializando em moda e retratos, e hoje assina trabalhos em publicidade e editoriais para várias das melhores publicações do país. Visite <a>lucianomunhoz.com.br</a>."