Verona. Século XVI. Dois jovens de duas famílias com rivalidade histórica se apaixonam e o fim é traumático.
Assim como diversas outras narrativas que nos são contadas desde a infância, “Romeu e Julieta” sempre é retratada como a história de um amor ideal. Um amor sincero, que luta contra todas as adversidades, quebra barreiras, resiste a todos os males e recorre à morte quando não o consegue.
Mas será que é só isso?
Primeiro Ato
Essa é uma peça de teatro escrita em 5 atos. Até o final do primeiro, Romeu está perdidamente apaixonado, ao ponto de deixar seus pais preocupados por passar diversas manhãs chorando no bosque, por um amor que não pode ter. E não pode ter porque sua amada jurou ser sempre casta, inabilitando o jovem a conquistá-la. Essa moça era Rosalina.
Após ajudar um criado com a lista de convidados para uma festa na residência dos Capuleto, Romeu é dissuadido por Benvólio (um parente e amigo) a ir à comemoração e tentar esquecê-la.
Na peça, Rosalina nunca aparece. É apenas citada por Romeu como o objeto inalcançável de seu amor, mas rapidamente cai no esquecimento. Ao final do primeiro ato, na festa, em um único olhar, Romeu se apaixona pela jovem Julieta.
Trata-se aqui da imprevisibilidade do amor. Não tem como traçar um modelo a ser seguido, até porque nunca sabemos o que está por nos alcançar no momento seguinte. Do mesmo modo que Romeu, podemos estar perdidamente apaixonados por uma pessoa num minuto e no outro não mais. O amor pode não ser uma coisa tão eterna como é divulgado por aí.
Segundo Ato
O segundo ato inicia-se logo após o fim da festa, onde Romeu pula o muro da casa dos Capuleto e, após lindas declarações de amor, os jovens trocam votos (ou seja: noivam).
No dia seguinte, Romeu corre ao Frei Lourenço e conta as novas, marcando o casamento para a mesma tarde e ignorando o conselho do religioso.
“Prudência! Quem mais corre mais tropeça”.
No mesmo dia, pela tarde, os dois se casam às escondidas na cela de Frei Lourenço, terminando o ato.
Se o primeiro fala sobre imprevisibilidade, o segundo fala sobre medidas tomadas por impulso. Quantas vezes já não nos disseram “quando você achar seu amor verdadeiro, agarre-o”. Mas como saber o que é o amor verdadeiro? Como julgar que um amor pode ser verdadeiro e os outros falsos? As vezes ele bate sem que a gente espere. E bate forte. Mas isto não quer, necessariamente, dizer alguma coisa. Tomar qualquer medida por impulso, como “agarrar o amor verdadeiro”, pode ser cilada.
Últimos Atos
No terceiro e quarto acontecem os principais e mais famosos momentos da peça: confrontos, não reconhecimento do amor dos dois, poção milagrosa, morte falsa de Julieta, suicídio de Romeu e, depois, da jovem também.
Aqui vem a ideia mais perigosa. Aquele conceito de que precisamos de um amor pra sobreviver, e se não tivermos a pessoa amada a vida não vale a pena. Muita gente acaba levando ao limite essa ideia e entra em diversas complicações psicológicas quando descobre que, na verdade, não é bem assim.
É necessário ter muito cuidado com esse tipo de pensamento, que pode causar danos tanto para a pessoa em questão quando para quem está ao redor. Afinal, quantas vezes já não ouvimos histórias sobre homicídios/suicídios pós-términos?
A peça, assim como toda a obra de Shakespeare, é riquíssima. Tem objetos das mais variadas discussões, mas nunca se propôs a ser um ideal de amor.
Ela é sobre ordem política e obediência aos pais. A ideia de que seria um modelo de amor foi passada de geração em geração e aumentando de proporção, ao passo que as outras questões foram deixadas de lado.
Mas se você ainda prefere continuar acreditando em “ideais” de amor (e há essa opção, claro), te lembro: Romeu e Julieta se apaixonam num domingo, casam-se na segunda, transam uma única vez numa terça e morrem numa quinta-feira.
O amor ideal dura quatro dias e uma transa?
Eu prefiro outros ideais. Ou nenhum.
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