Há muito tempo atrás as camas eram caras – mas não é só isso.
Estive recebendo um convidado que ocupou por alguns dias o segundo quarto de nosso apartamento em Manhattan, e meu filho de 3 anos, famoso por sempre dormir de lado, veio acampar comigo e com minha esposa grávida. Após muitos roncos e levar uns pezinhos na nuca, me mudei para o sofá, onde fui agraciado com a melhor noite de sono que tive em meses.
Como alguém que autodiagnosticou a própria insônia, reconheço um bom descanso noturno como aquele que dura entre três e cinco horas. Muitas vezes meu jeito de lidar com a falta de sono é com caminhadas pelo apartamento, seguidas com deitar acordado e ruminar a paranoia inconsequente de que, quando a manhã finalmente vier, não será tudo aquilo que promete. Quando ouço gente dizer que dorme oito horas todas as noites, para mim isso é como falar do Monstro do Lago Ness, ou de alienígenas. Estas são três coisas que suponho alguém possa ter encontrado, mas que não posso confirmar a existência em primeira mão.
As condições de sono no sofá eram sublimes: uma chuvinha lá fora, o som abafado do trânsito na Avenida Amsterdam, e a epifania de que eu dormia sozinho – com as almofadas, travesseiros, e o silêncio todo para mim. Quando acordei, os pombos arrulhavam no beiral da janela. Eu dormira uma noite inteira.
“São membranas mucosas aumentadas. É isso que acontece quando se está grávida”, à noite minha mulher me explicava, quando eu mencionava seus roncos. A tarefa dela durante a gravidez é óbvia. A minha é ficar acordado, quieto, e nunca, jamais, procurar “membranas mucosas gravidez” no Google. E não posso confessar para ela que dormi melhor no sofá do que em nossa cama. Afinal de contas, estamos casados, e as pessoas casadas dormem juntas.
“As pessoas não querem falar no assunto. É um segredinho sujo,” diz Lee Crespi, um terapeuta de casais que atua em Nova York. “Há quem diga que dormir separado não é bom porque encoraja o distanciamento, mas acho que o argumento pode funcionar nos dois sentidos. As pessoas de fato dormem melhor quando dormem a sós.”
Anos atrás, durante um jantar com amigos, a conversa se voltou para um casamento onde o casal não só dormia em duas camas, mas em quartos separados. Tinham filhos, amavam um ao outro, e esse foi o arranjo que funcionou para eles. A minha esposa e eu concordamos que não funcionaria para nós, que era importante dormir na mesma cama não importando o desafio que isso represente. Uma das vantagens de se estar num relacionamento é acordar ao lado de alguém. Além disso, uma questão mais prática é que moramos em Manhattan e um quarto adicional não está em nossas possibilidades financeiras.
O sono, assim como correr uma maratona ou mastigar a comida, é uma atividade solitária. Basicamente deitamos ao lado de outro, mas dormimos sozinhos. Então porque surgiu esse costume? De acordo com o professor Roger Ekirch do Virginia Tech, historiador e autor do livro At Day’s Close: Night in Times Past (Ao fim do dia: a noite nos tempos passados), em tempos tão recentes como até o século XIX costumava haver um incentivo financeiro para se dormir junto.
“Mesmo os animais de fazenda viviam sob o mesmo teto das pessoas, já que muitas vezes não havia outra estrutura onde colocá-los, e eles geravam calor, o que era bem-vindo. Entre as classes baixas na Europa pré-industrial, era costume uma família inteira dormir na mesma cama – que era o móvel mais caro da casa – isso quando não se amontoavam na palha”, diz Ekirch says. “Casais abastados, para maior conforto, dormiam ocasionalmente separados, especialmente quando um dos cônjuges estava doente.”
Os filmes na TV demonstram isso, mas apenas parcialmente. Charles e Caroline Ingalls compartilhavam uma cama ao fim do século XIX em Os Pioneiros, e cuja casa onde moravam, de acordo com o título original, era pequena demais para uma família de seis pessoas. Mas Robert e Cora Crawley, que certamente tinham a possibilidade de sustentar quartos separados para dormir em Downton Abbey no início do século XX, ainda assim preferiam se revirar no mesmo colchão.
Parece que nossa história de compartilhar o colchão vai muito mais fundo do que mera necessidade financeira. Nós seres humanos também temos medo do escuro.
“A noite, o primeiro mal necessário para o homem, inspirava medo generalizado antes da revolução industrial,” diz Ekirch. “As famílias nunca se sentiam tão vulneráveis quanto à noite, quando se retiravam. Colegas de cama proporcionavam portanto uma forte sensação de segurança, dada a prevalência de perigos, reais e imaginados – de ladrões e incendiários a fantasmas, bruxas e o próprio príncipe das trevas.”
Para seguir tomando exemplos da televisão, mas de outro gênero, fãs de filmes de terror conhecem bem a segurança que é dormir com um parceiro, sob as cobertas, com a porta fechada. É só quando um deles sai para investigar um ruído no meio da noite que o louco da motosserra salta das sombras. Nos tempos modernos, dormir junto tem menos a ver com medo de bruxas ou ladrões, e sim com o medo de outro demônio, um demônio social.
“A principal questão é que se não se está dormindo na mesma cama, a percepção é que não se está fazendo sexo, e assim as pessoas temem admitir dormir em camas separadas,” diz Crespi. “Já vi isto ser problemático, e também não ser. E tudo depende do que está acontecendo no relacionamento.”
Mas fora as questões de bruxas, assassinos e sexo no contexto do casamento, dormir junto é uma experiência que há muito tempo nos faz nos conectar mais profundamente.
“Muito frequentemente um colega de cama se torna seu melhor amigo. Não apenas casais, mas os filhos do dono da casa que dormiam com empregados, irmãs umas com as outras, e as senhoras aristocráticas com suas amas. A escuridão, nos limites íntimos de uma cama, aplainava as diferenças sociais em termos de gênero e status,” diz Ekirch. “A maior parte dos indivíduos não caia prontamente no sono, mas conversava livremente. Na calada da noite e no escuro, os colegas de cama cobiçavam aquela hora quando, frequentemente, a formalidade e a etiqueta se dissolviam na cama.”
Dormimos juntos não porque seja bom para economizar impostos, mas porque somos seres afetuosos. Nossas mentes precisam de descanso, mas também precisam de camaradagem, intimidade e cochichos. A ansiedade e o estresse parecem menos intimidadores quando discutidos com um parceiro, os dois de pijama. É importante falar sobre o dia enquanto deitamos um do lado do outro, e conversar sobre as crianças e as situações da casa, fofocar sobre os vizinhos e planejar o futuro nos limites de nossos aposentos mais privados. Nos acariciamos. Rimos. Ao final de cada dia removemos os pesados mantos vestidos para encarar o mundo, e então queremos nos engajar nesse deitar perto de nossos melhores amigos, saber que não estamos sozinhos nisso tudo.
“Somos seres apegados,” diz Crespi. “Gostamos de ter alguém por perto, de permanecer próximos uns dos outros.”
Mesmo quando roncam. E particularmente se preferem dormir de lado.
Nota: Este texto foi publicado originalmente na The Atlantic e traduzido sob autorização do autor.
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