“Vocês nunca fazem nada com ele. Falam com ele, depois vão embora” – Nicole, assassinada por O.J. Simpson, seu marido
Vivemos numa sociedade que recompensa os atos de amor como se eles justificassem tudo. Por exemplo, o sujeito que entra na empresa da garota para fazer uma declaração apaixonada ou aquele que invade sua privacidade para descobrir nome, sobrenome, endereço e número de telefone até chegar bem perto da mulher amada.
Não se deixe enganar, Romeu e Julieta não deviam bater bem da cabeça por se matarem em nome do amor. Desde essa loucura das famílias Montequio e Capuleto que atos de paixão insana são vistos com certa condescendência por parte de todos.
Nos filmes, livros e novelas parece muito bonito imaginar que um homem ou uma mulher persigam com toda dedicação aquela pessoa eleita para uma vida a dois. Mesmo que uma das partes não queira, acreditamos que não custa tentar, insistir e lutar por aquilo em que se acredita.
Conheço muitas mulheres que se deixaram vencer pelo cansaço e permitiram que homens persistentes e invasivos se aproximassem a tal ponto que nunca mais saíram de suas vidas.
Eles já davam sinais claros de desequilíbrio, mas como tudo era feito em nome do “amor” não parecia nada grave ou exagerado. Só depois que o tempo passa e veem a agressão, a ameaça e o crime é que todos falam que o sujeito já era estranho e exagerado.
Os grandes jornais já noticiaram casos de crimes passionais de pessoas que se acharam legitimadas por um suposto amor para matar, agredir e humilhar. Curiosamente, os tribunais tem atenuantes nesses casos, como se o sujeito fosse acometido por uma cegueira temporária que o fizesse sair completamente fora do controle – no entanto, isso não é completamente verdade, pois normalmente já havia um padrão anterior de comportamento que caracterizava um relacionamento conturbado.
Sempre que ouço alguém falar de algum relacionamento que acabou desastrosamente (há dias, semanas, meses e anos) e ainda não foi superado eu penso: o que levou essa pessoa a não superar o término do relacionamento depois de tanto tempo?
A maioria responde que é amor, mas até que ponto é possível atribuir a um sentimento positivo e de crescimento pessoal os atos de pessoas obcecadas a tal ponto que só pensam e falam naquilo?
Não é amor quando alguém fala do ciúme corrosivo do parceiro ou daquela necessidade de vasculhar cada centímetro da vida da pessoa, mas obsessão patológica. É difícil ver uma pessoa com esse tipo de comportamento, pois ela mesma não se reconhece obcecada pelo seu objeto de adoração. O personagem Gollum da Saga “O Senhor dos Anéis” mostra uma pessoa que fica “possuída” pelo poder de um anel mágico e vai lentamente definhando até o ponto de se deformar completamente.
Algumas pessoas se paralisam nesse padrão de pensamento repetitivo e não conseguem seguir em frente. A própria pessoa admite que não consegue (ou não quer) esquecer e alega que o problema real foi o impacto do término sobre sua vida, mas é sua obsessão o verdadeiro problema.
Não é incomum verificar nesses casos uma propensão a cometer crimes e fazer loucuras. E normalmente é muito difícil acreditar que um perigo real esteja por vir, já que é preferível ignorar ou achar que estamos loucos.
O ditado que cachorro que late não morde nem sempre é real, entre humanos a pessoa que ameaça muitas vezes está só a um passo de realmente executar um crime.
Se você já foi ameaçada e sentiu aquele frio na espinha e resolveu ignorar seus pressentimentos comece a levar suas sensações a sério.
O autor Gavin de Becker, especialista em ajudar pessoas públicas a lidarem ameaças perigosas oferece em seu livro “As virtudes do medo” (1999) algumas dicas valiosas para lidar com uma ameaça.
Segundo o autor:
“A ameaça é uma declaração de intenção de causar um dano, e ponto final. Ela não oferece condições, alternativas ou saídas. Ela não contém as palavras se, ou então, até que, se não. Frases que contêm as palavras não são ameaças, são intimidações. E existe aí uma grande diferença. Intimidações são declarações de condições a serem satisfeitas para evitar um dano.
Por exemplo: ‘Toco fogo nesse prédio se não conseguir a promoção’, é uma intimidação, não uma ameaça, porque foi oferecida uma condição para evitar o dano. (…) as ameaças raramente são feitas de uma posição de poder. Seja qual for o poder que elas tiverem, ele se origina do medo infundido na vítima, pois o medo é a moeda corrente do ameaçador. Ele ganha uma vantagem com a sua incerteza mas, uma vez pronunciadas as palavras, terá que recuar ou avançar e como todo mundo, ele espera manter a dignidade de uma forma ou de outra.
A forma como se reage a uma ameaça determina se ela é um instrumento útil ou meras palavras. Portanto, é o ouvinte e não quem fala que decide a força da ameaça. Se o ouvinte ficar pálido, começar a tremer e a pedir perdão, ele transformou em ouro a ameaça ou a intimidação. Inversamente, se ele não se alterar, elas nada valerão.“ (p. 130 e 132)
Ele usa um método para prever ataques:
1. Justificativa Percebida: a pessoa tem uma razão para agredir? Ela está convicta de seu motivo pessoal? Ela se sente ofendida, agredida ou humilhada?
2. Alternativas percebidas: o potencial agressor se vê com alternativas? Ou acha que a violência é a única forma que pode resolver a situação? Se a única alternativa que o sujeito vê é voltar o relacionamento, então a agressão é vista como única opção.
3. Consequência percebida: O ameaçador percebe as consequências do uso da violência ou imagina que ficará impune? Se a consequência da agressão é vista como positiva e legitimadora de força então a violência é possível.
4. Capacidade percebida: a pessoa acredita que tem condições reais para agredir, bater, atirar ou infligir dor.
O amor nunca será responsável por esse tipo de ação repetitiva, invasiva, violenta e homicida.
Nota: Esse é um trecho do livro “Como se libertar do ex” do psicólogo Frederico Mattos lançado pela Editora Matrix. Nesse livro voltado para homens e mulheres que estão presos em ex-parceiros amorosos outros temas são abordados como jogos emocionais (salvador, vítima, sedução, coitadismo), como sustentar o silêncio, dificuldade em esquecer, a dor da perda e as fases do luto. Você pode adquirir o livro aqui.
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