Depois de muita mobilização e mamaço, nessa semana entra em vigor em São Paulo a lei que multa quem proibir mães de amamentar em público.

Foi bonita a coincidência de, no mesmo período, eu ter me deparado com esse maravilhoso artigo sobre a naturalização do peito nu das mulheres. Porque seios não precisam sempre servir ao desejo sexual – eles podem ser muito mais do que sensuais.

Agradeço à publicação original do artigo e também ao Gabriel Aquino, que disponibilizou sua tradução. Vale passar no site do projeto breastsarehealthy, que tem outros bons textos iguais a este, sobre como homens podem colaborar para a normalização do peito nu feminino.

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Eu ando com o peito nu principalmente porque gosto de me sentir livre. Minha forte segunda razão para andar com o peito nu é normalizar o peito nu feminino para que outras mulheres possam se sentir da mesma forma.

A única maneira de normalizar qualquer coisa é fazê-la com tanta regularidade e normalidade que as pessoas deixarão de ter medo disso e começarão a ver isso como um comportamento convencional. Essa é a minha motivação para postar fotos e vídeos das minhas caminhadas. Eu quero que as pessoas vejam e ouçam elas mesmas as reações (e mais importante as não-reações) do público com que eu cruzo.

Universidade de Georgetown, Washinton D.C. Dezembro de 2015. Quem disse que o aquecimento global não é real? 21 graus no dia 13 de dezembro? Mas serviu para uma boa caminhada… nenhuma interação negativa em três horas.

Existe esta idéia equivocada de que andar de peito nu é um desafio, um ato de revolução e que o tráfego vai parar e os bebês vão chorar. Talvez fosse assim em outro tempo e em alguns lugares ainda seja, mas em muitos lugares isso simplesmente não é mais verdade. As pessoas olham, sim. As pessoas ocasionalmente fazem comentários negativos. Mas a vasta, vasta maioria das pessoas reage de forma neutra (me ignorando completamente) ou positiva (sorri, acena, apóia.)

É por isso que eu não grito com as pessoas, brado palavras de ordem ou discuto. Esses são comportamentos assustadores em qualquer lugar, e se eu grito com as pessoas elas ouvirão apenas volume e não palavras. Elas também associarão o peito nu feminino com raiva e ameaça. E eu quero que elas associem com saúde e normalidade.

Uma pessoa precisa processar muita coisa para transformar uma opinião fortemente segura. Quando eu ando com o peito nu, eu deixo as pessoas passarem por esse processo sem julgá-las. Eu não lhes dirijo olhares de reprovação. Eu não as desprezo. Eu nem mesmo observo suas reações. É no fim das contas uma conversa privada que elas precisam ter com elas mesmas, que provavelmente só acontecerá horas, dias ou semanas depois que me virem na rua. Talvez nunca aconteça. Eu não posso controlar isso. Tudo o que eu posso fazer é apresentá-las ao assunto.

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Então aqui está um vídeo meu caminhando ontem na M Street em Georgetown, Washington D.C. Meu noivo segurou a câmera discretamente em sua mão e caminhou um pouco à frente de mim. Nós queríamos gravar a reação real das pessoas.

Dois destaques.

Em algum lugar nos primeiros minutos um homem me diz para vestir alguma coisa. Eu olho para ele. Ameaça física? Não. Ele repete seu pedido. “Vista alguma coisa.” Eu sorrio e digo uma palavra gentil. Ele me observa enquanto eu caminho e diz para as minhas costas, “Eu te amo. Você é linda!”. Simples assim. Muito mais importante, todo mundo que presenciou me viu confiante, calma, forte e não-confrontadora.

O segundo destaque é simplesmente incrível, mas difícil de se pegar no áudio. Eu estou caminhando na frente de um menino de dez anos e ele olha para a sua mãe (eu imagino que seja a sua mãe) e diz, “Nossa!”. Depois, bem distante, consigo ouvi-la atrás da câmera explicando para ele que corpos são só corpos.

Eles caminharam ao nosso lado por um tempo, seguindo o seu caminho original sem ajustá-lo ao meu, e depois nós ainda a escutamos discutindo imagem corporal e igualdade de gêneros com ele. Ela estava calma e postiva e deixou que ele processasse. Eu queria tanto abraçá-la e demonstrar o meu reconhecimento pelo trabalho fantástico por um lado, mas não queria que ela se sentisse observada. De qualquer maneira, esse era o momento deles, não meu. Eu estou apenas muito feliz de poder observá-los.

Aqui está o vídeo. Eu tenho que dizer: eu me senti normal pra caramba.

 

Marcela Campos

Tão encantada com as possibilidades da vida que tem um pézinho aqui e outro acolá – é professora de crianças e adolescentes, mas formada em Jornalismo pela USP. Nunca tem preguiça de bater um papo bom.