Já imaginou se nos uníssemos para agir pela sociedade do mesmo jeito que fazemos para torcer pela seleção brasileira?
Ser patriota não é torcer pelo time de futebol que representa seu país. Em épocas de Copa do Mundo, temos nossa convicção viciada pelo fato de sempre podermos torcer por uma seleção de ponta, que invariavelmente integra o grupo de elite da competição, raramente não ficando entre as 4 melhores. Quão patriota somos ou quanto amor temos por algo que dificilmente nos decepcionará?
Analogicamente falando e guardadas as devidas proporções, fazendo a leitura de todo esse contexto fervoroso que assola o brasileiro em época de Copa, tenho a seleção brasileira como uma mãe. A mãe está lá, sempre presente e disposta a fazer o seu melhor, nos alegrando e enfrentando a todos. Muito fácil amar assim. Já disse e reitero, preservo aqui as pertinentes proporções.
Acredito que os torcedores da Coreia do Norte ficaram menos decepcionados com seu time sendo eliminado na primeira fase do que nós estamos nessa eliminação nas quartas-de-final. E sabe por quê? Nós temos a expectativa, nós sabemos do potencial, não queremos ser decepcionados!
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Neste ensejo, vestimos a camisa cheirando a naftalina que tiramos do fundo da gaveta esquecida desde a eliminação pra França em 2006 e entoamos, assolados por um anseio explícito de representatividade positiva internacional, o famigerado “Eu, sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor”. É a nossa chance de lavarmos perante a humanidade nosso complexo de inferioridade arraigado desde os tempos de colônia.
Quanto complexo de inferioridade! Não, cara. Você não é brasileiro com muito orgulho e com muito amor. Você torce pra seleção brasileira com muito orgulho e com muito amor porque ela é boa pra caralho, ganha quase tudo que disputa e tem mais títulos que todas as outras.
Patriotismo é outra coisa. Você passou seus últimos 4 anos reclamando do seu salário, do seu patrão, dos políticos que você mesmo elegeu, dos tributos exorbitantes e só meteu o pau no país. Falou mal do Lula, condenou a violência, se indignou com a impunidade, rechaçou a desigualdade social e agora vem me dizer que ama isso tudo?
Ó antigos romanos, povo de grande sabedoria. A política do pão e circo criada por eles é a forma de controle social mais eficaz que já ouvi falar. Quem é que vai se rebelar enquanto nossa seleção digladia nas arenas da África do Sul? Tudo é festa, meu caro. Existe melhor psicólogo para o brasileiro do que futebol, cerveja e mulher? Se numa festa todos os problemas são esquecidos, a falência dos sistemas prisionais é ignorada, o controle do Estado por facções criminosas é olvidado, imaginem só uma festa em que somos convidados de gala de um dos personagens principais!
Link YouTube | Praia, futebol e badalação? É essa sua vida?
Enquanto o brasileiro via a seleção se apresentar no circo da Copa comendo o pão das mensalidades gratuitas (como o Bolsa-Família), algumas decisões políticas de forte representatividade nos cenários econômico e político nacional eram tomadas. Quantos de nós ouviu falar do reajuste de mais de 80% dos servidores do Judiciário? Você soube que, surpreendendo até a mim mesmo pela rapidez da ocorrência, o Supremo Tribunal Federal já suspendeu a aplicação da Lei da Ficha Limpa para um Senador da República?
Não, meu caro… você não leu. Não leu porque nada mais importa, estava acontecendo um “fenômeno em que translação e rotação só ocorrem com a Jabulani em ação”, ou seja, sua vida parou em virtude do fato de você ter resolvido ficar um mês numa postura hipotética e virtualmente patriota.
Segundo o Aurélio, “patriota é aquele que tem amor pela sua pátria e procura servi-la”. A-há! Te peguei, não? Aproveitando-me das sábias palavras do ex-presidente estadunidense John F. Kennedy, não pergunte o que o seu país pode fazer por você, mas sim o que você pode fazer pelo seu país.
De que forma você tem servido ao seu país? Você diz não se orgulhar de seu país, mas não tem dado motivo algum para que seu país se orgulhe de você. De nada adianta apedrejarmos a todos nossos representantes sendo que, no nosso foro mais íntimo, sabemos que estaríamos fazendo exatamente a mesma coisa se estivéssemos no lugar deles.
Link YouTube | No, Mr. Bono, it IS about politic and economy…
Para sermos patriotas temos de amar esta nação como amamos nossos próprios filhos, exigirmos nossos direitos de cidadãos, sermos unidos diariamente, cuidarmos do país desde uma iniciativa popular até um simples ato como não jogar papel de bala pelo vidro do carro. Postura íntegra, humanitária, retidão e excelência moral, probidade perante a sociedade. Atitudes que fazem seu país se orgulhar de você, pois todos saberão que qualquer atividade, em qualquer instância, estará segura sob seu cuidado.
Portanto, meu caro, teorias do Bono Vox são muito bonitas no quesito poético. Pragmaticamente falando, o verdadeiro patriota está feliz com a eliminação do Brasil nesta Copa do Mundo, pois sabe que não precisará se ausentar de seu trabalho por mais um dia para assistir ao jogo de modo que, assim, poderá trabalhar e manter a economia nacional girando, o que realmente importa num cenário internacional dinâmico e voraz.
Não venho aqui para tolhir sua paixão pelo futebol ou ao menos dizer que não torço para o Brasil. Por favor não me entendam mal. Só registro aqui que, independente de chutes ao gol, Jabulanis e vuvuzelas, nosso mundo continuou girando e o Brasil precisando de você, todos os dias. Não, não para torcer pela Seleção, mas para agir pela sociedade.
Também estou chateado com a eliminação, mas não é isso que vai mudar a minha rotina, meu amor por este país. Se você já está metendo o pau no Dunga porque ele não convocou o Neymar e o Ganso, colocou o Felipe Melo de titular e não adiantou mais o time depois que tomou o segundo gol, está na hora de rever seus conceitos de patriotismo e candidatar-se a comentarista esportivo.
Para concluir, é bem verdade que patriotismo não tem ligação alguma com o amor que temos pela nossa seleção de futebol. Saiba que enquanto você se distrai com esse picadeiro de luxo, governantes estão maquinando algo, políticos estão votando alguma lei escusa e o mundo não parou.
Quer mudar o país e poder bater no peito como um grande patriota? Saiba que a mudança está em você. Caso contrário, pegue sua camisa velha cheirando a naftalina lá do fundo da gaveta novamente daqui a 4 anos, pinte seu rosto de verde e amarelo e saia às ruas cobrando patriotismo alheio. Só não se esqueça do nariz vermelho e da peruca colorida.
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