As coisas que nos deixam excitados, e excitam aos outros, muitas vezes podem soar bastante misteriosas ou duvidosas. Examinados superficialmente, o suéter de pescador de ponto denso, as botas Wellington, ou um estacionamento são desvinculados de qualquer satisfação erótica saudável. Ainda assim sabemos bem que coisas desse tipo podem algumas vezes parecer essenciais ao sexo.

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A superficial improbabilidade dos elementos que provocam luxúria não é apenas uma característica fascinante da condição humana. É também a causa de problemas na intimidade. Como explicar para nossos amores as tantas coisas esquisitas que queremos? Por que as queremos? Podemos ficar intensamente perturbados com a direção de nossos próprios frissons. Na vida normal, podemos ser profundamente contra crueldade e violência, mas na fantasia nos descobrimos, para nosso horror, poderosamente excitados com a ideia de sermos, por exemplo, um invasor agressivo portando uma arma.

Sigmund Freud foi uma das primeiras pessoas que levou a sério nossa confusão e preocupação com relação ao sexo. Foi ótimo ele ter ajudado a levar o sexo a sério e ser tão honesto com relação a seus aspectos mais esquisitos. Mas isso teve um custo muito alto.

Suas análises sobre os motivos de nossa excitação, muitas vezes envolvendo explicações vindas da mais profunda infância, foram tão profundamente contrárias a quaisquer razões conscientes e compreensíveis que nos fizeram soar estranhos demais para nós mesmos, e isso, sem querer, criou incentivos para ainda mais repressão.

O sexo acabou, nas mãos de Freud, parecendo ainda mais perigoso e esquisito do que antes, e por isso ainda é bem difícil conversar sobre o assunto de forma razoável, digamos sentados prosaicamente numa cafeteria.

Não há por que adicionar ainda mais mistério ou vergonha. A sugestão que faço é que a excitação sexual é de fato muito fácil de compreender e não se contrapõe a razão. Ocorre em continuidade com as muitas coisas que queremos em outras áreas. Embora os entusiasmos eróticos possam algumas vezes soar estranhos (ou mesmo de mau gosto), eles são de fato motivados por uma busca pelo bem, uma busca por uma vida marcada por compreensão, simpatia, confiança, unidade, generosidade e bondade. As coisas que nos excitam são, no seu cerne, quase sempre soluções para coisas que tememos e símbolos de como gostaríamos que as coisas fossem.

À luz disso, analizemos alguns elementos comuns de excitação:

Óculos

A Ansiedade: Os óculos são símbolos de reflexão e seriedade. São usados por pessoas que parecem ter coisas importantes a resolver, talvez muitos pensamentos importantes na mente. Nossa preocupação é se esse tipo de gente tem tempo para nós. Podem ser importantes demais para nos dar atenção, ou atender a nossos desejos.

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O Erótico: Ainda assim, muitas sessões de sites eróticos contém pessoas de óculos. Por que? Porque quando convidamos os óculos para o sexo, uma ansiedade natural – e importante – está sendo trabalhada, e (temporariamente) resolvida: a preocupação que a reflexão e a seriedade por um lado, e a excitação corporal por outro, possam ser incompatíveis. A solução imaginada é que a pessoa de óculos acabe sendo não só reflexiva, mas extremamente interessada em sexo e no corpo. Sexo com óculos simboliza que a vida da mente não é separada do prazer sensual, que a sensibilidade e a seriedade podem ser adequadamente conciliadas com a intimidade, e até combinar bastante com ela.

Uniformes

A Ansiedade: Muitas vezes tememos que a autoridade venha a nos ser hostil, que não entenda nossas necessidades ou não nos compreenda de forma geral. Simplesmente dificultaria nossa vida e a encheria de tédio. Todas as coisas que queremos fazer seriam então proibidas e nos seria exigido sermos versões domesticadas e desinteressantes de nós mesmos.

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O Erótico: Uma fantasia sexual envolvendo pessoas em uniformes é uma solução imaginada para medos com relação a autoridade. Todos os tipos de uniformes são capazes de causar excitação: mais frequentemente ternos executivos, mas também os trajes de médicos, enfermeiros e pilotos… São profissões que nos intimidam e assustam, e portanto em nossos jogos sexuais convidamos o uniforme para reduzir o poder delas sobre nós. O uniforme representa a autoridade, mas a autoridade agora está do nosso lado, nos dando exatamente o tipo certo de atenção. O piloto, em vez de estar impassível aos controles da aeronave, está vidrado em ficar comigo, não é mais inimigo, mas um colaborador.

O ideal que reconhecemos, quando ocorre no contexto erótico, é que a autoridade pode ajudar em vez de causar obstáculos, pode inspirar confiança, em vez de nos intimidar. Estamos, como que se imaginando uma utopia em que força, organização, limpeza e ordem surgem para nos deixar mais confortáveis, mais relaxados e mais autênticos.

Escravidão

A Ansiedade: Somos ensinados desde jovens que precisamos nos tornar independentes. Vivemos numa cultura individualista que constantemente reprova a dependência e nos leva na direção de um ideal de maturidade autossuficiente.

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O Erótico: E ainda assim, em termos das identidades sexuais, muitos entre nós ficamos profundamente excitados com a ideia de passividade e submissão absolutas, como uma válvula de escape das exigências extremamente exaustivas da vida adulta. Ser um “escravo” significa que a outra pessoa saberia exatamente o que você deve fazer, tomaria responsabilidade completa, retiraria todo seu poder de escolha. Isso pode soar horripilante porque a maior parte dos feitores que podemos imaginar (ou mesmo apenas nossos chefes reais) são terríveis. Eles não têm nossos interesses em seus corações. Não seriam gentis. Então queremos ser independentes em parte porque não parece haver ninguém disponível e bom o bastante para ser merecedor de nossa submissão.

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Mas a esperança profunda no cenário erótico é que enfim poderemos estar com alguém que é digno de nossa lealdade e devoção completas.

É uma característica comum a todas as fantasias sexuais que elas não, – é claro – resolvam de fato os problemas nos quais embasam sua excitação. Mas não devemos nos preocupar com se a fantasia resolve ou não o problema na realidade. O que buscamos aqui é simplesmente uma forma de explicar e simpatizar com o desejo.

Dominação

A Ansiedade: A vida moderna demanda extrema polidez e decoro. Temos que  controlar nosso temperamento mandão. É claro, na esfera privada seguimos pela vida muitas vezes considerando que sabemos o que é melhor para os outros, ou pensando que alguém talvez mereça um tratamento bem mais duro. Em nossos corações, podemos gostar de ser mandões, muito exigentes e insistentes. Podemos querer forçar a obediência absoluta daqueles que nos desafiam. Mas é claro, no mundo real, isso se torna difícil pelo fato de que poucas pessoas confiam o suficiente em nós para que exerçamos tal poder; simplesmente não somos capazes de alçar ao status que nos permitiria exercitar o poder como gostaríamos.

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O Erótico: A fantasia é que alguém reconheça nossa força e sabedoria, reconheça nossos talentos e nos coloque totalmente em controle. O decoro não é mais necessário, não é mais preciso cuidar o que se fala. Na fantasia sexual, alguém se coloca em nossas mãos, como sempre esperamos que acontecesse. Essa é uma tentativa de lidar com o problema muito delicado e real de quando alguém tem o direito de exercer poder sobre outra pessoa. E agora, no jogo sexual, em vez de a situação estar carregada de ansiedade – porque podemos estar equivocados quanto aos desejos do outro, porque pode haver ressentimento, porque podemos machucar alguém – as ordens só se deparam com o deleite da pessoa em quem são exercidas.

Violência

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A Ansiedade: Na infância se podia saltar por aí e se bater um pouco uns nos outros e tudo bem – era até bem divertido. Mas na idade adulta somos infinitamente mais circunspectos. Toda violência é proibida. Temos horror à força, seja exercida contra nós, seja exercida por nós mesmos.

O Erótico: Mas, sonhando acordado: pode ser legal levar um tapa, levar uma pancada de alguém; pode ser legal que a coisa fique selvagem, e que se reaja com força. Seria violento, haveria uma pontada de ferocidade. E ainda assim, magicamente, ninguém realmente se machucaria. Ninguém se desapontaria. A outra pessoa aceitaria nossas possibilidades extremas, violentas. Não ficaria chocada. Não precisaríamos ser tão cuidadosos; e depois poderia haver amor e aconchego, pelo menos até a próxima.

É a fantasia de que a violência não fosse mais ruim para nós mesmos e para os outros; que nossa raiva e agressão pudessem ser exercidas de forma segura, e que isso não nos faria infelizes, mas que de fato lhes daríamos boas-vindas a elas – e que a fúria de outra pessoa não destruiria nossas vidas, mas que, de fato, nos traria um frisson benévolo.

Sexo em público/ao ar livre

A Ansiedade: Ficamos facilmente embaraçados no que diz respeito ao reino público; sentimos que temos que nos resguardar, nos comportar bem: seja nos elevadores, praças, shopping centers ou nas garagens do mundo. E mesmo a natureza é reconhecida como bastante hostil – um âmbito frio e perigoso no qual os inimigos nos espreitam.

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O Erótico: Surge então o desejo de que fiquemos tão confortáveis no mundo, em público e na natureza, quanto em casa. Seria uma solução para o tipo de opressão de fazer sexo no elevador, nas pilhas de livros da biblioteca, ou atrás do posto de gasolina, no parque, etc. O sexo ao ar livre é prazeroso pelo mesmo motivo que os piqueniques o são: são formas de domar o mundo ao sobrepor o mundo doméstico sobre ele. Qualquer atividade que se limitou a quatro paredes se torna mais prazerosa quando realizada fora destas, já que isso simboliza uma conquista de nossas ansiedades – é uma forma de se imaginar mais a vontade no mundo do que normalmente nos encontramos.

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Podemos analisar quase todos os “fetiches” (timidez, casaquinhos de malha, sapatos sem salto, botas, charutos, meias 7/8, meias listradas, etc.) e encontrar estruturas parecidas: uma ansiedade e uma esperança correspondente, nas quais uma carga erótica se conectou.

Encarados assim, poderemos explicar os cenários sexuais em termos bastante racionais e razoáveis, tanto para nós mesmos quanto para as outras pessoas em nossas vidas. Poderemos trazer as pessoas para nossas histórias: explicar como se formou nosso medo de que a sensibilidade e a seriedade precisavam desdenhar o corpo. Explicar como, quando éramos adolescentes, havia certas instâncias que realmente pareciam tornar essa ideia problemática, e como acabamos buscando uma solução para isso, e porque os óculos entraram na história.

Ao falar dessa forma, a esperança é que os gostos sexuais se tornem menos embaraçosos e um pouco menos ameaçadores – e nossas soluções eróticas um pouco mais razoáveis, e, a seu próprio modo, um bocado mais lógicas.

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Este texto foi originalmente publicado no Philosophers Mail e traduzido por Eduardo Pinheiro sob autorização do autor.

Alain de Botton

Pensador com uma visão afiada sobre as questões mais urgentes de hoje, escritor de livros e ensaios, fala de educação, notícias, arte, amor, viagens, arquitetura e outros temas essenciais da filosofia da vida cotidiana". Também é fundador da <a href="http://www.theschooloflife.com/">School Of Life</a>