[Nota da edição: Este texto foi escrito originalmente por Kozo Hattori e publicado na Greater Good Magazine. Publicamos aqui a tradução para que este conteúdo aberto também seja acessível para os falantes de língua portuguesa.]

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Eu me lembro de ser uma criança muito compassiva. Enquanto assistia “Os Pioneiros”, eu chorava quando Laura não pode dar um presente de Natal para Pa. Mas vivendo 12 anos de abuso físico e sendo forçado a me confinar na caixa do “seja homem”, boa parte dessa compaixão já tinha se esvaído de mim quando cheguei na idade adulta.

Apesar dos terapeutas me considerarem alguém que tem “alto desempenho”, minha falta de compaixão era como um câncer que envenenava minhas amizades, relações, negócios, a vida como um todo. 

Aos 46 anos eu atingi o fundo do poço. Desempregado e a beira de um divórcio, eu me peguei dando tapa na cabeça do meu filho de 4 anos quando ele não me ouvia. Como um sobrevivente de agressões, eu havia prometido para mim mesmo que eu nunca encostaria um dedo em meus filhos.  Lá estava eu: agredindo meu amado filho.

Eu soube que eu tinha de mudar.

Eu comecei com empatia, que me levou para a compaixão. Eu me comprometi com a prática de meditação diária, fiz aulas de Cultivating Compassion [Cultivo da compaixão] na Universidade de Stanford e completei um retiro de dez dias de silêncio meditativo.

Eu li e pesquisei tudo que pude sobre sobre compaixão. Eu descobri que quanto mais compaixão eu sentia, mais feliz eu era.

Foto por Dan Burton no Unsplash

Convencido que eu tinha encontrado o ingrediente secreto de uma vida feliz e pacífica, eu comecei a entrevistar especialistas da ciência e da espiritualidade sobre compaixão, tentando entender o que forma um homem compassivo.

As entrevistas incluíram:

  1.  Dr. Dacher Keltner, cofundador do Centro de Ciência para o Bem Maior [Greater Good Science Center] da Universidade de Berkeley, ;
  2. Dr. James Doty, fundador e diretor do Centro de pesquisa e educação para Compaixão e Altrísmo, da Stanford University;
  3. Dr. Rick Hanson: autor de Hardwiring Happiness;
  4.  Marc Brackett: diretor do Centro de Inteligência Emocional de Yale;
  5.  Thich Nhat Hanh: Monge Zen Budista indicado por Martin Luther King Jr. para o Prêmio Nobel da Paz em 1967.

Destas entrevistas e pesquisa, eu compilei uma lista do que torna um homem compassivo:

1. Um entendimento fundamental sobre compaixão

A maioria dos eventos que eu frequentei e que discutiam compaixão eram frequentados predominantemente por mulheres. Quando perguntei a Thich Nhat Hanh como poderíamos tornar a compaixão mais atrativa para homens, ele respondeu:

“Deve haver um mal entendido elementar sobre compaixão, porque é muito poderosa. Compaixão nos protege mais que armas, bombas e dinheiro.” 

Apesar de muitos homens na sociedade verem a compaixão e a simpatia como coisas femininas — todos os homens compassivos que eu entrevistei veem compaixão como uma força.

Dr. Hanson observou como a compaixão torna as pessoas mais corajosas, uma vez que a compaixão fortalece o coração — coragem vem da palavra francesa “Coeur”, que significa Coração. 

Dacher Keltner argumenta que Darwin acreditava em na “sobrevivência do mais gentil”, não do mais fisicamente preparado. Dr. Ted Zeff, autor de Raise an Emotionally Healthy Boy [Crie garotos emocionalmente saudáveis], acreditava que apenas homens compassivos podem salvar o planeta.

Zeff argumenta que “chegou a hora de quebrar esse código masculino ultrapassado e rígido que insiste que todos os homens devem ser agressivos, casca grossa e sem emoções”— uma excelente descrição da caixa do homem na qual eu tentei viver.

Os homens compassivos que eu entrevistei concordam com o Dalai Lama quando ele diz:

 “Amor e compaixão são necessidades, não luxos. Sem eles a humanidade não consegue sobreviver”.

2. Exemplos compassivos

Todos os homens compassivos pareciam ter modelos, exemplos que sustentavam seus instintos de compaixão. Marc Brackett dá crédito ao seu tio, Marvin Maurer, que era um professor de ciências sociais tentando inspirar inteligência emocional em seus estudantes antes mesmo do termo inteligência emocional ter sido cunhado.

Mais de 10 anos depois de ensinar em escolas de ensino fundamental II, Maurer’s “Feeling Words Curriculum” torna-se peça chave para os parâmetros do programa Yale Center for Emotional Intelligence. 

Parecido com isso, Marshall Rosenberg, autor de Comunicação não-violenta, constantemente menciona seus tio compassivo que cuidou de sua mãe em estado terminal.

Um modelo de comportamento não precisa ser alguém que está vivo, nem sequer que é real. Chade-Meng Tan, autor de Search Inside Yourself [Procure dentro de si mesmo], cita o retrato de Gandhi de Ben Kingsley como um modelo para a compaixão.

Certamente, Jesus e Buddha são modelos clássicos de compaixão. A chave é tratá-los como modelos de comportamento.

Estes exemplos não são para serem adorados, deificados ou para mandar preces a eles. Eles deveriam ser emulados. Eles pavimentam um caminho para que possamos traçar algo similar. Podemos dar a outra face e amar nossos inimigos como Jesus nos pediu?  Podemos transcender nosso ego e ver todas as coisas como se fossem uma só, como Buddha fez?

Em contraste estão os indivíduos que não são guiados por modelos positivos de comportamento. Em seu livro, From Wild Man to Wise Man [De homem selvagem para homem sábio], o frei franciscano Richard Rohr descreve o que chama de “fome de pai”: “milhares e milhares de homens, jovens e idosos… cresceramsem o amor de um homem bom, sem a compreensão e o apoio paterno.

Rohr, que foi capelão de uma penitenciária por 14 anos, afirma que “o único padrão que universal que eu encontrei em homens e mulheres na prisão é que eles não tiveram um bom pai.”

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Scott Kriens, ex-CEO da Juniper Networks e fundador da 1440 Foundation, conclui: “A coisa mais poderosa que podemos fazer para nossas crianças é ser o exemplo daquilo que esperamos.”

3. Transcendendo estereótipos de gênero

Todos os homens compassivos entrevistados quebraram a caixa do homem.

A certo ponto, Dr. Rick Hanson percebeu que ele estava trabalhando demais o lado esquerdo do cérebro, então ele fez esforços conscientes para se reconectar com sua intuição e lado emocional.

Quando o Elad Levinson, diretor do programa Spirit Rock Meditation Center, encontrou pela primeira vez bondade amorosa e práticas de compaixão, sua primeira reação foi o que ele afirmou ser típico dos homens: "Qual é? Você está sendo um covarde, Levinson. Não acredito que você vai sentar aqui e ficar desejando o bem para si mesmo.” 

Foto por Yasin Yusuf no Unsplash

Então, a prática verdadeira da compaixão instigou que ele se libertasse de estereótipos de gênero. Dr. Ted Zeff cita um estudo que percebeu que meninos na infância são mais  reativos emocionalmente que meninas, mas no momento em que este garoto atinge os cinco ou seis anos de idade, “ele aprendeu a reprimir todas as emoções com exceção da raiva, porque a raiva é a única emoção que a sociedade permite que os garotos sintam.” 

Se a sociedade restringe o espectro emocional dos homens à raiva, então obviamente os homens precisam transcender essa condição para se tornarem compassivos.

Dr. Doty aponta que as definições de “papéis” artificialmente definidos são um problema grave na sociedade porque impede que os homens mostrem suas vulnerabilidades. 

“Se você não se permite ser vulnerável, você não consegue amar,” diz Doty. Vulnerabilidade é chave para se libertar da caixa do homem porque permite que os homens retirem as armaduras de masculinidade e se conectem genuinamente com outros. 

Tanto Dr. Doty quanto Scott Kriens dão enfase para autenticidade como um caminho necessário para a compaixão. Kriens define autenticidade como “quando alguém está compartilhando o que eles acreditam independente do que eles querem que você acredite.” 

Isso abre portas para a compaixão e conexão verdadeira com outros.

4. Inteligência emocional 

Foto por Gita Krishnamurti no Unsplash

Dan Kindlon e Michael Thompson, em Raising Cain, argumentam que a maioria dos garotos são criados para serem emocionalmente ignorantes: “Sem educação emocional, um garoto encontra a pressão da adolescência e a particularmente cruel cultura dos pares com a única resposta que ele aprendeu e praticou — e que sabemos que é socialmente aceitável — a resposta tipicamente masculina de raiva, agressão e escassez emotional.”

Em contraste, a maioria dos homens que eu entrevistei são “emocionalmente educados”. Eles parecem ver e sentir coisas com a sensibilidades de um contador Geiger. Lágrimas marejaram os olhos do Dr. Doty inúmeras vezes quando ele falava sobre compaixão.

Dr. Hanson explicou como ele chegou a idade adulta “com água até o pescoço” e depois gastou boa partes dos seus 20 anos tentando se tornar inteiros novamente (becoming whole)Muito do treinamento de “busque dentro de você mesmo”  que Chade-Meng Tan desenvolveu para os funcionários do Google é baseado em inteligência emocional desenvolvida por atenção de treinamento, autoconhecimento e autodomínio.

De maneira parecida, o Padre Richard Rohr lidera um grupo de iniciação para encarar a dor, solidão, tédio e sofrimento para expandir suas capacidades emocionais e espirituais. Não é coincidência que essas iniciações sejam encontradas na natureza. Natureza parece ser um importante espaço para garotos e homens reconectarem com seu mundo interno. Dr. Hanson é um ávido escalador e o Dr. Ted Zeff incentiva que se gaste tempo na natureza com garotos para permitir que as sensibilidades deles se desenvolvam.

5. Silêncio

Quase todos os homens que eu entrevistei regularmente passam um tempo em silêncio. 

Eles tinham apertado o “pause” para que pudessem olhar para si mesmos e para os outros mais claramente. Quando nossa entrevista bateu duas horas, Dr. Rick Hanson pediu para que eu me encaminhasse para a conclusão de modo  que ele pudesse ter tempo para sua meditação matinal.

Alguns dias antes da nossa entrevista, Meng Tan tinha acabado de voltar de uma semana de retiro de silêncio meditativo. Scott Kriens começou a, diariamente, praticar sentar e escrever um diário a quase 10 anos atrás, o que ele segue fazendo religiosamente. 

Padre Richard Rohr pratica prece contemplativa cristã, o que ele diz que leva a “conhecimento indefeso” que transcende a dualidade do “nós e eles”. Rohr argumenta que a verdadeira compaixão não pode acontecer sem transcender o pensamento dualista. “Silêncio nos ensina a não apressar nosso julgamento,” diz Rohr.

Autoconsciência através da prática de mindfullness ou meditation, prece silenciosa, ou estar na natureza permite que homens compassivos abracem o sofrimento sem reagir, resistir ou reprimir. 

Thich Nhat Hanh diz que mindfulness abraça o sofrimento com ternura “como uma mãe que segura um bebê.” Essa imagem poética é sustentada por mais e mais pesquisas, que estão descobrindo que mindfulness pode prover compaixão pelos outros.

Então, o caminho para formar mais homens compassivos é claro: 

  1. Entender a compaixão como uma força.
  2. Conseguir conhecer a si mesmo.
  3. Transcender modelos de gênero.
  4. Procurar seus exemplos positivos de masculinidades e tornar-se um você mesmo.

Se isso parece complicado, Marvin Maurer, aos 84 anos, resume homens compassivos em  4 palavras fáceis: “Apaixone-se pelo amor” .

https://greatergood.berkeley.edu/article/item/what_makes_a_compassionate_man

Redação PdH

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