Há alguns dias li esse belo artigo, escrito por Sarah Stankorb para o Washington Post (aqui o perfil da Sarah). Achei a discussão válida e pensei em traduzirmos para trazer para o PapodeHomem. Ao final, tem as considerações que considero importantes para o papo seguir nos comentários. Não esqueçam de ler antes de opinar.

Aguardo vocês na caixa de comentários.

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O feminismo está criando oportunidades para as garotas. Mas e os nossos meninos? (Por Sarah Stankorb)

Eu estava em uma cúpula de liderança feminina, em outubro, quando uma mulher se levantou para fazer uma pergunta a um grupo de líderes e ativistas. Isso aconteceu no mesmo dia em que o senado estadunidense votava a aprovação de Brett M. Kavanaugh para a Suprema Corte e o ambiente carregava uma sensação mista de alívio e medo – pelo menos estávamos juntas quando ainda havia tanto a acontecer. A pergunta desta mãe silenciou o burburinho do lugar.

“E se,” ela quis saber, “seus filhos estiverem se tornando aquilo que você odeia?”. Seus filhos adolescentes, a quem ela amava ferozmente, aos quais ela garantiu que viajassem o suficiente para ver a bela diversidade do mundo, rejeitavam seu vocabulário e moralidade progressistas. Ninguém, numa sala que celebrava o progresso das mulheres em um momento difícil, conseguiu dizer a ela o que fazer em relação a seus filhos.

Recentemente, têm borbulhado questionamentos em relação aos meninos, com peças como a série de Amy Joyce sobre crescer como um menino nos Estados Unidos, a reportagem de Sarah Rich na revista The Atlantic sobre masculinidade sufocante e o artigo de Roxanne Roberts sobre maternar filhos na era #MeToo. No início deste mês, o Twitter explodiu em indignação quando a revista Esquire publicou uma sequência contemporânea do clássico de Susan Orlean, “O Menino Estadunidense, aos dez anos” na forma de uma reportagem de capa protagonizada por um garoto branco, de classe média, do meio-oeste.

Desde 2016, quando muitas de nós estávamos dizendo às nossas filhas que elas poderiam ser presidentes da república – “Veja Hillary concorrendo!” – um movimento cresceu para que maternássemos nossas filhas de forma diferente, para torná-las fortes. Esse movimento remonta, ao menos, à publicação de Cinderela Comeu Minha Filha, de Peggy Orenstein. Criar garotas fortes reforçou o potencial do movimento feminista de hoje.

Essas mães impulsionaram uma mudança necessária no mercado da moda, de um vestuário quase exclusivamente adornado com gatinhos, flores e termos como “fofa” e “doce” para estampas carregadas de jargões com gritos de batalha: “O Futuro é Feminino”; “O Patriarcado não vai se derrubar sozinho” e, para os que ainda não são capazes de ler, até babadores com mensagens de resistência. Isto vem depois de um esforço de décadas para valorizarmos o esporte feminino e garantir que as meninas tenham as mesmas oportunidades que os meninos nos campos das ciências, tecnologia, engenharias e matemática.

Agora, mulheres são maior número nas universidades. Embora suas infâncias não sejam livres dos estereótipos de gênero, nossas filhas vivem em um ambiente mais livre e encorajador do que aquele em que suas mães e avós foram criadas.

Enquanto isso, meninos permanecem majoritariamente isolados deste movimento. Sua seção de vestuário é quase toda azul, preta ou verde neon, cheia de referências aos esportes e estampas de Minecraft ou Fortnite. Estamos ocupados lutando pela mensagem de “você pode ser o que quiser” para nossas filhas, mas não estamos insistindo nela com a mesma força para nossos filhos.

Às vezes me pergunto como um lema como “O Futuro é das Mulheres” soa para um menino de 7 anos que não participou da construção do patriarcado. Enquanto os homens adultos surtam na terapia por causa do #MeToo e incels pregam a supremacia masculina baseada em seus direitos ao sexo, eu me pergunto se estamos inadvertidamente criando uma geração de homens que se ressentirão de todas as promessas de poder forçadas sobre suas irmãs.

Eu nunca pretendi criar meu menino e minha menina de formas diferentes. Parte disso foi uma questão de ordem de nascimento, mas também as circunstâncias políticas em que eles estavam tornando-se adultos.

Meu filho é o mais velho, nascido depois do surgimento de Obama, quando a palavra “ESPERANÇA” ainda era potente. Eu era uma mãe de primeira viagem, com mais tempo para influenciá-lo com minhas filosofias pessoais. Preocupei-me com a possibilidade dele se tornar um homem dominador – ele era grande para a sua idade desde o nascimento. "Gentil" era um termo que eu usava com frequência quando ele ainda era um bebê e, quando já era um pequeno menino, frequentemente o confundia e também entediava ao falar sobre Gandhi e a resistência pacífica.

Lembro-me de um dia, quando ele tinha 2 anos e brincava com um garoto vizinho muito menor, mas agressivo, que insistia em arrancar uma série de brinquedos de cores primárias de suas mãos. Eu podia ver sua frustração, mas ele já estava se tornando um expert em autocontrole, e silenciosamente direcionou-se para outro brinquedo. Finalmente, o garoto mais agressivo tentou pegar este outro brinquedo, e meu filho simplesmente segurou-o com mais força. Ele não empurrou o outro garoto, não vacilou quando o outro garoto bateu nele. Ele apenas segurou firme, em uma exibição teimosa de força, até que a outra criança desistiu.

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Eu pensei comigo mesma: “Veja, estou criando um menino forte, que pode se defender sozinho, mas não machuca os outros”.

Eu não pensava muito sobre quantas coisas precisavam ser tiradas dele antes que ele se afirmasse, ou como era incomum que eu tivesse uma criança que não agrediria a outra, simplesmente.

Minha filha, por outro lado, nasceu uma força da natureza. Embora eu tenha criado meu filho para ser gentil e sensível, com minha filha enfatizei a força. Eu fui seu exemplo de rebeldia feminista. Meu filho ficaria bem – o mundo foi construído para favorecer os meninos, afinal. Eu precisava mostrar a ele como se tornar um aliado dos justos.

Eu não tinha percebido de fato a diferença em meu modo de criá-los até a primavera passada, quando tive a chance de participar da organização de uma cúpula de liderança para meninas.

Meu filho, então com 8 anos, perguntou se ele poderia vir também. Eu tive que dizer a ele que não – o foco estava em treinar líderes mulheres. Perguntei se ele entendia o porquê. Ele explicou que sim, que ele sabe que durante séculos os homens foram terríveis com as mulheres e nunca as deixam assumir posições de comando, e agora as meninas estão tendo uma chance.

Ele não é responsável pela misoginia, e porque foi criado em um lar feminista, entende o desequilíbrio, mas ele também não foi convidado para ser um líder. Embora muitas vezes desde a derrota de Clinton eu tenha dito que minha tão temperamental filha será presidente um dia, jamais sugeri o mesmo para meu paciente e contemplativo filho. Talvez eu achasse que essa ideia simplesmente lhe ocorreria naturalmente, como um componente de fábrica.

São tempos complicados para criar meninos e meninas. Uma geração de mães (e, claro, muitos pais) foram encorajadas a se unir em favor de nossas filhas. Muitos adultos foram forçados a reviver o trauma de suas histórias #MeToo, e pode ser difícil mantermos viva pelo mundo essa batalha – e também pelos profundos lugares silenciosos, marcados por cicatrizes – com a ferocidade que merece, mas permanecermos suaves e abertos em casa, na criação dos nossos filhos e filhas. No entanto, é isso o que este trabalho exige de nós.

Criar filhos como muitos de nós têm feito pode negligenciar o potencial total dos nossos meninos, e isso representa uma tentativa fracassada tanto para o feminismo quanto para os nossos garotos. Neste momento, os meninos podem ouvir os ecos de nossa raiva contra o patriarcado, mas, para uma criança, pode ser difícil diferenciar a condenável “dominação masculina” de sua natural masculinidade em desenvolvimento, simplesmente.

Eu não quero que meus filhos cresçam em um mundo no qual um dos gêneros controla o poder, onde um lado se sente compelido a se organizar contra o outro. Essa ideia binária e anacrônica de poder é prejudicial, especialmente quando aplicamos nossa luta adulta contra a misoginia a crianças pequenas (e quando enfatizamos o próprio gênero como binário). A masculinidade tóxica é tanto um problema para nossas filhas quanto para nossos filhos, mas nossa reação a ela também pode causar danos se for direcionada de maneira geral a todos os homens – particularmente aqueles muito jovens para ter qualquer poder.

A infância deve ser um momento para ensinar sobre igualdade e reconhecimento das pessoas pelos seus méritos, para promover o potencial das crianças em todas as suas formas. Certamente, os esportes de intenso contato físico e a ficção científica podem ser para as meninas, e também a aula de balé para os meninos, sem que um seja elogiado enquanto o outro provavelmente julgado como ridículo. As opções para as meninas têm sido muito limitadas há séculos, mas a definição de masculinidade também têm se mostrado problemática  – de maneiras que prejudicam mulheres e homens.

Eu vejo potencial para um movimento, liderado por mães, para celebrar o que é bom, sensível e compassivo em nossos filhos também. Estou começando a acreditar que recriar o que significa ser homem deve começar nos meninos.

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Nota do PdH: mas será que esse movimento não deveria ser liderado por mães e pais, conjuntamente?

Como falei lá em cima, aqui vão meus pontos para podermos conversar nos comentários.

Adoramos a reflexão do texto e notamos, quando fazemos rodas de conversa nas escolas, que os meninos estão "ficando pra trás" e confusos com o que está acontecendo mesmo. Isso nos parece ser uma realidade crescente.

Ao final do artigo, como puderam observar, a autora sugeriu que o movimento de transformação dos meninos deveria ser liderado pelas mães. No entanto, a pergunta no subtítulo acima surgiu pra nós na redação do PdH, em relação a essa sugestão do último parágrafo:

"Eu vejo potencial para um movimento, liderado por mães, para celebrar o que é bom, sensível e compassivo em nossos filhos também."

Entretanto, acreditamos que a solução de como criar os meninos para o futuro talvez caminhe mais por uma solução construída conjuntamente por mulheres e homens — não lideradas por um ou por outro.

Mas gostaríamos de escutar a visão de vocês nos comentários, sobre o texto em geral e sobre esse ponto específico, também.

Guilherme Nascimento Valadares

Fundador do PDH e diretor de pesquisa no Instituo PDH.