Uma amiga perguntou:

"É possível definir o amor, dado que é tão subjetivo e abstrato?"

* * *

Amor é que nem calor.

Ninguém fica em dúvida se está com calor. Ninguém se pergunta:

"Será que estou com calor?"

Não. Se achamos que estamos com calor, então estamos com calor.

Mais ainda, não só cada pessoa sente calor a uma temperatura diferente, mas cada pessoa sente calores diferentes em dias diferentes: a temperatura que nos faz suar hoje amanhã nem nos afeta.

* * *

Outra amiga suspirou:

"Gostaria de acreditar nisso, que se você acha que é amor, é porque é, mas nessa nossa sociedade doente, é muito fácil confundir amor com apego, com carência, com ego ferido, com egoísmo…"

* * *

Mas eu não consigo ver nenhuma alternativa à definição:

"Amor é o que você acha que é amor".

Porque amor é uma sensação individual a qual ninguém mais tem acesso.

Então, se tem algo dentro de mim que acho que é amor, então é amor, pelo simples fato que… quem vai dizer que não é?

Por dois motivos.

Em primeiro lugar, porque não temos como mostrar essa coisa para outra pessoa para ela poder analisar e dizer:

"É, é amor mesmo…"

Ou

"Ih, filho, sinto muito, isso aí não é amor não, é apego…"

Em segundo lugar, porque, mesmo se fosse possível pegar aquela coisa que está dentro de mim e que acho que é amor e mostrar pra outra pessoa… isso também não resolveria, pois cada um define amor como quer.

Aquilo que para mim é amor para outra pessoa não seria. Aquilo que para outra pessoa seria amor para mim não é.

Talvez o amor de algumas pessoas seja mais distante, mais apegado, mais agressivo, mais plácido que o de outras.

Se mal temos acesso ao nosso amor, aqui dentro de nós, quem dirá ao amor que sentem essas outras pessoas, de quem só temos acesso às ações e às palavras, nunca às emoções e aos pensamentos?

* * *

Digamos que eu encontre uma capivara e adote, achando que é um cachorro.

Um dia, um amigo me visita e diz:

"Ih, alex, isso não é cachorro, é capivara."

Esse cenário é possível porque:

1. Meu amigo tem como ter acesso direto ao animal para verificar o que ele é.

2. Capivara e cachorro têm definições minimamente precisas e objetivas.

Por isso, dá pra encontrar uma capivara, pensar que é um cachorro e, um dia, descobrir o erro e perceber, retroativamente, que passei anos achando que era um cachorro o animal que de fato, objetivamente, era uma capivara esse tempo todo.

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Como seria possível isso acontecer com o amor?

Se acho que amo, se passo anos amando, pensando que estou amando, sentindo esse amor… como isso poderia concebivelmente não ser amor?

Mais importante, quem teria a autoridade e a arrogância de se arrogar árbitro do que eu verdadeiramente sentia durante esses anos?

"Não, Alex, você está enganado. Senta aqui e eu vou te contar o que você estava realmente sentindo…"

Nem mesmo eu tenho autoridade para dizer isso para mim mesmo.

* * *

Se em 2006, eu sinto que amo uma pessoa, então eu não vejo como poderia não ser amor, já que amor é justamente isso.

Se em 2016, eu decido que não, não é amor, é outra coisa, então, beleza, agora é essa outra coisa.

Seja porque mudou essa sensação que eu sentia, seja porque mudou a minha definição de amor.

Mas não vejo como isso possa retroativamente apagar o amor que eu sentia em 2006.

* * *

Pois a pessoa que eu sou hoje já é fundamentalmente diferente da pessoa eu era.

Quando o Alex de 2016 julga os "verdadeiros sentimentos" do Alex de 2006, ele está julgando de fora e de longe eventos já filtrados por uma memória falha, projetando sobre o passado o que sente no presente, sendo influenciado por sensações posteriores, avaliando em retrospecto tudo o que aconteceu depois.

Há 30 anos, a Challenger explodiu na decolagem. No dia seguinte, um professor pediu para os alunos escreverem onde estavam quando souberam da tragédia. Dois anos e meio depois, ele repetiu a pergunta. Nesse meio tempo, grande parte dos alunos tinha formado novas memórias: diziam que estavam em lugares diferentes. Quando confrontados com a descrição que tinham escrito no dia seguinte (!), eles ainda assim se aferraram às novas memórias: "sim, é a minha caligrafia, mas não era aqui que eu estava!"

Então, se em 2006, no calor do momento, eu achava que estava amando e se, em 2016, dez anos depois, olhando para o passado, eu acho que não amava…

Perdão, mas prefiro confiar no Alex de 2006.

E volto à minha definição inicial:

"Amor é o que você acha que é amor".

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Foto: graffitti fotografado por mim, rua do Catete, Rio, 2011. Continua atual.

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Alex Castro

alex castro é. por enquanto. em breve, nem isso. // esse é um texto de ficção. // veja minha <a title=quem sou eu