Quando decidiu comprar algo, alguma vez você já caiu num buraco negro de comparação? Por exemplo, digamos que esteja procurando uma câmera digital nova. Você vai num site como o cnet.com e lê algumas resenhas de várias câmeras, assiste as demonstrações em vídeo, e identifica o modelo que deseja. Em seguida você vai para um site de comparação de preços, para descobrir o melhor negócio. E, quando olhamos o relógio, já se passaram quatro horas. Descobrimos a câmera perfeita, mas o triunfo de consumidor acaba meio maculado por um sentimento inesperado de… repulsa. Será que aquele tempo não poderia ter sido melhor utilizado?
Ultimamente andei pensando sobre quais seriam minhas maiores distrações – as coisas que me impedem de avançar em meus projetos criativos. Enquanto examinava minhas atividades diárias uma por uma, descobri que a distração mais perniciosa estava, de fato, nas coisas. Mais especificamente em querer coisas, ir atrás de coisas, e obter coisas – sejam elas tangíveis (um computador novo) ou intangíveis (informação).
Como Annie Leonard diz em A história das coisas (The Story of Stuff), “Nossa identidade primária se tornou a de um consumidor – não as identidades de mães, professores ou fazendeiros, mas consumidores. Compramos cada vez mais.” Adoramos nossas coisas. E ainda mais do que as coisas em si, amamos o ato de descobrí-las – a busca, a antecipação.
Mas por que o consumismo – e particularmente a busca online pela compra ideal – é tão viciante?
O que ocorre é que nosso impulso consumista estimula a mesma parte do cérebro que é ativada quando estamos no encalço de grande ideias. Enquanto passamos pela tentativa e erro da execução de uma ideia – “e se eu tentasse isso? Ah! E aquilo?” – estamos usando estes mesmos instintos de querer, caçar e obter, mas para uma finalidade mais nobre.
O neuroscientista Jaak Panksepp chama este estado emocional altamente viciante de “busca”. Num artigo da slate sobre busca, a escritora Emily Yoffe resume a pesquisa do neurocientista:
Para os seres humanos, este desejo de procura não diz apenas respeito a satisfazer as necessidades físicas. Panksepp diz que os humanos podem ficar excitados pelas recompensas abstratas tanto quanto pelas tangíveis. Ele diz que quando ficamos entusiasmados com o mundo das ideias, com fazer conexões intelectuais ou adivinhar sentidos, são os tais circuitos de busca que são ativados.
O combustível do sistema de busca é o neurotransmissor dopamina. Os circuitos de dopamina ‘promovem estados de prontidão e direcionamento de propósitos,’ escreve Panksepp. É um estado em que os humanos adoram se encontrar. É tão bom que buscamos atividades, ou substâncias, para manter esse sistema ativado.
A busca consumista capitaliza a mesma parte do cérebro de “busca” que alimenta o barato criativo. É claro, enquanto que o consumismo pode servir como um substituto viciante para o estímulo da atividade criativa, ele oferece recompensas muito inferiores, a longo prazo.
Como gente criativa, podemos racionalizar a perda de tempo em compras nos convencendo de que estamos investindo essa energia e dinheiro numa nova ferramenta – um item que vai ajudar nossa criatividade e levá-la a outro nível. Talvez um computador novo, ou um instrumento musical, ou montar um escritório ou estúdio próprios. Uma vez que se consegue aquela novidade, pensamos que agora sim teremos os meios superiores para concluir o trabalho.
É uma falsa promessa, é claro. Uma forma de procrastinação incrustrada na cultura consumista. Nenhuma coisa externa é capaz de deslanchar a criatividade, e não há substituto para enfiar a cara e trabalhar. De fato, já foi provado que as adversidades – não ter as coisas – estimula mais a criatividade do que ter tudo à disposição. Um artigo recente na Newsweek sobre o declínio da criatividade nos Estados Unidos relatou:
Adultos altamente criativos muitas vezes cresceram em meio à adversidade. A adversidade por si só não leva a criatividade, mas força as crianças a serem mais flexíveis – e a flexibilidade ajuda a criatividade.
Quando temos menos com o que trabalhar, temos que ser mais criativos. Pense nisso na próxima vez que o impulso consumista estiver ameaçando invadir sua criatividade.
Seus pensamentos sobre consumismo e criatividade:
Como você sente a cultura consumista reprimindo a criatividade? Já lutou contra o instinto consumista?
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Nota: esse artigo foi originalmente publicado no site 99u.com e traduzido sob autorização do autor.
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