Que as montanhas exercem um fascínio instintivo na mente humana, isso não é novidade. Seja pela natureza hercúlea da jornada, seja pelo sentimento espartano da conquista; cumes rochosos ocupam e ocuparam a mente de homens valorosos ao longo do tempo.O primeiro notável da história foi Edmund Hillary.

Edmund Hillary e seu guia Tenzing Norgay.

Após várias tentativas frustradas ou mal documentadas, o neozelandês é tido como o primeiro ser a alcançar o cume do Sagarmatha – uma formação encrustrada entre o Nepal, o Tibete e a China. Nós ocidentais a conhecemos como Everest.

Sagarmatha significa “a mãe dos céus”

Isso foi em 1953. Algumas décadas depois era a vez do primeiro brasileiro a alcançar o teto do mundo. Em 14 de Maio de 1995, Waldemar Niclevicz – lembram dos relatos dele no Fantástico? – cravou o manto verde e amarelo nos quase nove quilômetros de altura do Everest. Waldemar também foi o primeiro brasileiro a fazer o K2, segundo pico do mundo.

As pessoas no entanto se indagam…

Qual a graça de subir ao pico e voltar?

O montanhismo talvez não possa ser classificado como esporte. Isso pois, em competições esportivas regulares, há sempre um oponente a se vencer. No caso de esportes coletivos, o outro time. Em caso dos individuais, geralmente o tempo ou a distância. No montanhismo, não se pode definir o quê vencer. O oponente nem sempre é a rocha. Nem sempre é a montanha.

Nem pontos, nem tabelas, nem posições conseguem mensurar esse sentimento.

O jornalista Jon Krakauer narra muito bem as indefinições de uma escalada em seu magnífico “No Ar Rarefeito”. Krakauer é montanhista e esteve em uma excursão ao topo do Everest em 1998. Antes uma simples cobertura jornalística, transformou-se em um relato pericial e emocionante de uma das maiores tragédias do montanhismo. Outra leitura igualmente recomendada é o “Aventura no Topo da África: Trekking no Kilimanjaro”, de Airton Ortiz.

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A Natureza nos lembra que não somos invencíveis…

Após quatro anos sem fatalidades brasileiras, 2011 começa com a triste notícia da perda de Bernardo Collares Arantes.

O alpinista carioca de 46 anos sofreu uma queda de 15 metros no dia 3, ao subir o monte Fitz Roy na Patagônia argentina.

Bernardo é um montanhista experiente e preside a Federação de Montanhismo do Rio de Janeiro (FEMERJ). Estava escalando com sua amiga Kika Bradford, que foi obrigado a deixá-lo com uma hemorragia interna e provável bacia fraturada, na tentativa de buscar ajuda. Antes disso, no entanto, ela ficou junto a ele por quatro horas. A descida de Kika, sem saco de dormir e em plena nevasca, já é considerada um feito extremo, como contou o montanhista André Ilha:

Os dois sabiam que a única chance que ele tinha era ela descer e pedir ajuda. A descida dela foi inacreditável. Sem o saco de dormir que deixou com ele, ela dormiu no meio da parede, debaixo de neve. Depois, atravessou a geleira cheia de buracos perigosos.

Até o momento não foi possível enviar nenhuma equipe de resgate ao local, devida às péssimas condições climáticas.

Bernardo. | Fonte: Arquivo pessoal.
Bilhete de Collares, sobre o que inspira o montanhista. | Fonte: Orkut

Tantos outros já perderam a vida em busca de cumes íngrimes ou rarefeitos. Subir montanhas é muito mais que um desafio mental ou físico. Em situações extremas, o espírito é a única coisa a nos manter vivos.

Flaco Marques

Rapaz do interior de SP que vive suas desventuras na cidade grande. Poliglota valente, busca equilibrar o jeito cosmopolita de ser com a simplicidade caipira de viver.