“Será que já raiou a liberdade
Ou se foi tudo ilusão
Será, que a lei Áurea tão sonhada
Há tanto tempo assinada
Não foi o fim da escravidão
Hoje dentro da realidade,
onde está a liberdade
Onde está que ninguém viu
Moço não se esqueça que o negro
Também construiu,
as riquezas do nosso Brasil”
O samba enredo de 1988 da Mangueira, escrito por Hélio Turco, Jurandir e Alvinho, “comemorava” os 100 anos da assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel Cristina, datada de 13 de maio de 1888.
Após as Leis Eusébio de Queirós (que proibiu o tráfico de escravos), do Ventre Livre (que dava liberdade às crianças nascidas de mulheres escravizadas) e do Sexagenário (que dava liberdade aos escravizados que tivessem mais de 60 anos), a Lei Áurea formalizou o fim da escravatura no Brasil.
Ao contrário do que sempre nos foi ensinado, esta “liberdade” não se deu de forma tão simples, muito menos por boa vontade da Princesa e da oligarquia cafeeira (tanto que pouco mais de um ano depois, eles se juntaram para dar um golpe de estado e fundar a República).
Foi, antes de tudo, “conquistada” pela luta de pessoas como Zumbi dos Palmares, Dandara, André Rebouças, Castro Alves e Chiquinha Gonzaga.
Chamar Isabel de “Redentora” (como ela ficou conhecida), ou dar à oficialização legal do fim da escravidão um status comemorativo é, no mínimo, provocativo. A monarquia luso-brasileira nunca se importou com a condição escravista do povo negro. A necessidade de criar no Brasil o assalariamento dos trabalhadores foi o real interesse para o fim da escravidão. Mas não é esse o ponto.
Como descreve muito bem a música, o povo negro, após ser “liberto”, foi enxotado para as periferias. Com o fim da escravidão, a grande massa de trabalhadores negros foi substituída pela massa imigrante que, além de teoricamente mais especializada, servia ao propósito de embranquecimento da população.
Após séculos de exploração, o negro , apesar de livre, não teve garantia de emprego, moradia ou alimentação. De um dia para o outro foi largado à beira da sarjeta com sua liberdade. Junto a isso, há o fato dos negros não serem bem aceitos nas cidades, o que gerou a migração para as periferias das cidades, ou para quilombos, para favelas.
Quando se cobra sobre dívida histórica com o povo negro, a raiz é exatamente esta. Após centenas de anos sob escravidão, o povo negro foi relegado à marginalidade (no sentido de exclusão, não de criminalidade).
Não houve indenização.
Hoje a população negra representa cerca de 60% das favelas no Brasil, tendo uma renda per capita pequena. Quase 80% das pessoas mais pobres são negras, 67% da população carcerária é negra, um jovem negro é morto a cada 23 minutos, menos de 15% dos negros chegam ao ensino superior, entre tantas outras mazelas sociais decorrentes do abandono social.
Hoje, 13 de maio de 2017, completam-se 129 anos da assinatura da Lei Áurea. Mas não há motivos para comemoração.
A liberdade nunca chegou.
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