Ego. Fala-se muito do ego e também critica-se muito por conta do ego. Minha intenção nesse texto está longe de entrar em conceitos e explicações técnicas. Porém, há um ponto que é importante ter em mente desde já: não estou usando o termo no sentido psicanalítico, mas no senso comum mesmo, como sendo a fixação a uma identidade e seus mecanismos de defesa, orgulho, culpa etc.

Esse texto tem sim a intenção de fazer com que aconteça ai dentro uma reflexão. Eu lanço a dúvida e vocês respondem por conta própria. Quando chegar ao final, talvez seja notável o quão aplicáveis são os pensamentos do filme Clube da Luta.

A ideia desse texto surgiu com um texto no Fórum PdH, “Carta ao Ego”.

Pensem em como as mais diversas invenções humanas tiveram e ainda têm muitas utilidades, para o bem ou para o mal. Armas de fogo, que hoje matam. Carros, que hoje matam. Facas para os churrascos de domingos, que hoje também matam. Do mesmo modo, a influência que seu ego exercerá sobre você vai depender de como você o trata e o encara. Caso não consiga domar a fera, ele se apresenta como seu inimigo.

O que infla seu ego?

O ego como inimigo profissional

Não estou falando do já conhecido pensamento de que a arrogância vai te detonar dentro de uma empresa, mas sim de como as suas inseguranças podem ser deliciosamente confortadas pelos elogios, muitas vezes repletos de segundas intenções.

Todos nós somos vendedores. Alguns vendem produtos, outros ideias, outros vendem causas. Para isso existe, dentre vários, um modelo de venda – se assim posso chamar – que ganhou minha atenção: o modelo do castelo. Nós somos feitos de inseguranças e daquilo que mais damos valor – muitas vezes sem deixar explícito. Isso que nós damos mais valor e não deixamos explícito é o nosso castelo.

Pode não parecer, mas todo castelo é feito de cartas. Ou de areia.

Portanto, assim que superiores e chefes mal intencionados notarem uma insegurança habitando o castelo do “reconhecimento a toda hora”, por exemplo, os elogios brotam de maneira excessivamente assustadora.

“Você tem sido uma peça fundamental dentro dessa empresa, com uma capacidade incrível de se diferenciar do restante!”

Todos já ouviram algo do tipo, mas quantos analisaram o que de fato foi realmente feito no sentido de “se diferenciar do restante…”?

Os elogios por si só não são problemas e nem apresentam ameaças. O problema começa quando chegam os pedidos e as solicitações vindas depois dos elogios. Seria mais ou menos um: “Eu te elogiei, você é foda, agora preciso que faça isso pra mim…”. Ética, moral, profissionalismo, enfim, muitas vezes são deixados para trás quando existem interesses maiores em jogo.

O ego, quando não tido com cuidado, causa cegueira. Uma vez cegas, as pessoas vão para onde são levadas, sem reais questionamentos e análises.

O ego como inimigo pessoal

O ego vai se transformar em inimigo pessoal quando limitar e bloquear qualquer atitude que seja autêntica e verdadeira de qualquer pessoa.

Você provavelmente já esteve em uma mesa de bar ou em uma reunião informal qualquer onde uma pessoa se passa por “melhor que todos” a noite toda. Conhece todos, sabe de tudo e tem a vida que o pessoal aí fora sonha em ter. Ela é referência em todos os tipos de assuntos (para si mesma, claro).

Essa é uma situação onde o ego se transforma em inimigo pessoal, já que a cegueira não vai deixar enxergar o quanto aquilo não é um diálogo saudável. É chato, é pedante, é meio que “Pelo amor de Deus, eu preciso da aprovação de alguém”.

Outra situação em que o lado obscuro do ego grita “Oi, estou aqui!” é quando a autoconfiança vem sem o restante da fórmula: a humildade.

Já vi cenas onde o equilíbrio foi pro saco e as coisas deram errado. Já vi pessoas cantando a vitória, sem ao menos olhar para frente. Você provavelmente também já viu algo parecido. Veja esse vídeo como uma metáfora dese processo e dê quanta risada quiser:

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Esse feito aconteceu em um jogo turco e ilustra melhor o que venho chamando de cegueira ao longo do texto. É literalmente uma cegueira. Não que a pessoa não consiga ver, mas na verdade não quer ver.

O mundinho do ego e a imensidão da realidade

Numa dessas conversas que tenho com meu pai, ele me disse algo – sem saber desse texto – que acabou se tornando útil em praticamente tudo na minha vida. Se é útil na minha, pode ser na sua. O fato é que ego em excesso prejudica. Mas como então trabalhar isso, dia após dia, para que se tenha um certo controle?

O conselho do meu pai vai mais ou menos assim: sempre que você estiver enfrentando um problema sério, pare e imagine o que aquilo significa para o universo, e o quão grande é realmente o seu problema. Chega a ser engraçado o resultado desse pensamento. Engraçado porque a consciência bate e fica claro que aquilo pode sim ser enfrentado, e que acaba sendo mínimo se comparado a tudo isso que nos cerca.

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Comecei a entender que esse pensamento não serve somente para problemas, mas também para as vitórias. Assim que vencer algo, chegar a um objetivo, comemore, faça o que der na cabeça, mas saiba que aquilo é a comemoração de uma fase, de uma conquista, e que amanhã novos desafios virão. Desse jeito, evita-se a cegueira.

Se quiser ver isso de maneira mais clara, vai precisar ver esse vídeo abaixo (também retirado do Fórum PdH):

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Clube da Luta: “Você foi avisado”.

O filme Clube da Luta, assim como um trecho da “Carta ao Ego”, sustenta o pensamento de que você é pequeno, às vezes insignificante para o resto do mundo. Alguns dizem esse pensamento é destrutivo e desmotivador. É desmotivador, sim, se levado ao extremo. Imagine uma pessoa que ainda não sabe muito bem quem ela própria é: com um pensamento desses boa coisa não sai, com certeza.

Da mesma forma que não se deve levar esse pensamento ao extremo, também não se deve cair na tentação de generalizar os exemplos desse texto, sabendo que existem uma miríade de pessoas e as empresas não têm filosofias e culturas idênticas.

O vídeo abaixo mostra o que é exibido num só frame, como um easter egg, no início do filme no DVD. Por não se tratar de uma parte do filme em si, não dá para pausar, mas alguém fez o trabalho para nós e deixou no YouTube. Tyler deixa seu recado:

Link YouTube | Dê pause no YouTube para ler em inglês ou veja a tradução abaixo.

“Se você está lendo este aviso, então isto é para você. Cada palavra lida deste texto inútil é um segundo perdido da sua vida. Você não tem nada mais para fazer? Sua vida é tão vazia que você não consegue vivê-la melhor? Ou você está tão impressionado com a autoridade que você respeita em todos aqueles que a exercem em você? Você lê tudo o que deveria? Pensa tudo o que deveria? Compra tudo o que lhe dizem para comprar?
Saia do seu apartamento. Encontre alguém do sexo oposto. Pare de comprar tanto e de se masturbar tanto. Peça demissão. Comece a brigar. Prove que você está vivo. Se você não reinvindicar sua humanidade, você se tornará apenas estatística.
Você foi avisado.” –Tyler

Dois relatos

Falando com algumas pessoas que conheço, elas se interessaram pelo assunto e aconteceu o convite para contribuírem com o texto.

A primeira trabalha em uma emissora de TV e não quis se identificar e pediu para resumir a história:

“Eu entrei lá com humildade, querendo aprender e realmente dar o sangue para ter em troca todo o conhecimento que aquelas pessoas tinham para me passar. Quando era necessário – por motivos diversos – eu substituía o apresentador do programa. Sempre me empenhei nas matérias que fazia, e me deliciava com a experiência de poder apresentar um programa, portanto, fazia bem feito.
A repercussão foi ótima, todos gostavam de mim. Prova disso foi o dia em que numa reunião geral, decidiu-se que não mais ele (apresentador), mas eu apresentaria o programa. Foi o pingo que faltava para ver o ego de alguém tão ferido, e deixando de lado todos os sinônimos de “racional”.
O fato mexeu tanto com ele – que tem muito mais tempo de emissora que eu – e fez com que ele tivesse sérias conversas com quem mandava ali dentro. Fez que fez, e não me deixou apresentar o programa. Eu aceitei o fato na boa, estou começando, e até hoje, talvez pela ferida que ficou, ele me cutuca durante a apresentação do programa.”

Taynã Araújo, que tinha um blog (nada) secreto, até que eu soubesse dele:

“Nunca tinha parado pra pensar sobre o ego antes de receber esta proposta. Achei interessante, porque tudo o que vive dentro de mim, escondido lá no fundo, acaba por não ter fronteira alguma!
Outro dia, meio que pilhada a milhares de planilhas no trabalho, comecei a conversar com a minha gerente que me soltou a seguinte frase: “Toda percepção de inimigo é projeção do ego como inimigo”. Isso me fez crer que a maior parte dos nossos inimigos nós é que criamos. Criamos um inimigo que na verdade é uma ameaça para o ego.
Todas as pessoas que alimentam o egocentrismo por algum motivo precisam de holofotes, de reconhecimento excessiva, de auto-afirmação. E não suportam que isso aconteça com o outro ao lado.”

Cena de Clube da Luta.

Você, leitor, o que acha disso?

Agora é com vocês, leitores PdH. Depois de toda essa conversa, apareceram algumas perguntas e talvez muitas respostas sobre o assunto por aí, tenho certeza. Compartilhem conosco.

Breno Spadotto

(Quase) publicitário e apaixonado pelo comportamento humano. Acredita que as coisas só vão para frente se a causa for abraçada: Take your risks