20 de novembro. Data em que, no ano de 1695, morreu Zumbi dos Palmares. O dia da Consciência Negra sempre relembra a luta histórica pela liberdade e sobrevivência que enfrentamos: antes contra chicotes, agora contra as muitas consequências que estes nos causaram. Mortes, pobreza, preconceito pela nossa cor, cabelo, religião e cultura. Tudo isso marca uma história de resistência que dura mais de 100 anos, se contarmos apenas o período pós Lei Áurea.

Mas tudo isto você já conhece, ou deveria conhecer. A bibliografia sobre os assuntos acima citados é vasta e boa parte está na internet. Porém, existe uma lado disso tudo que é bem silenciado e merece ter a atenção devida.

Eu estou falando da disseminação do conhecimento da história do povo negro pra além dos grilhões.

Digo isso porque a maioria das pessoas só conhece nossa trajetória histórica baseadas nas épocas de desgraça, seja nos períodos escravagistas, seja no período de colonização europeia. Somos ensinados, dia após dia, que a história do negro é isso: sofrimento, sofrimento, mais sofrimento e só. Isso faz com que muitos parem de enfrentar as dificuldades, sejam tomados por um sentimento de inferioridade ou desistam do resgate e da sobrevivência do nosso povo.

Não somos descendentes de escravos, somos descendentes de um povo livre, multicultural, filhos de reis e rainhas que foram escravizados. Exemplo disso é a própria avó de Zumbi dos Palmares, princesa Aqualtune do Congo, que foi trazida ao Brasil como escrava reprodutora.

“Somos reis, mano!” diz a música Levanta e Anda, do Emicida. E é isso; a história vai muito além do que nos contam.

A historia Africana, por exemplo, é marcada por diversos Impérios, cada um mais rico que o outro, seja em bens materiais, cultura, organização ou religiosidade. Além do egípcio, que é o mais conhecido dentre todos (e por isso é, a todo momento, retratado como se fosse um reino de pessoas brancas), e da civilização cartaginesa, tivemos dezenas de impérios importantes naquele continente.

Antigo Império de Gana

O Antigo Império de Gana, fundado por volta do século IV, teve seu apogeu entre 700 e 1.200, ocupando uma área equivalente ao que hoje é o país da Nigéria, incluindo teritórios do Mali Ocidental e o Sudeste da Mauritânia. Relatos dizem que o império era tão rico que seu imperador era conhecido como "O senhor do ouro".

O império expandiu-se por volta de 770 sob o domínio de Kaya Maghan Sisse, e atingiu o máximo de sua glória durante os anos 900. A reputação de ser rico em ouro começou a chamar atenção de povos vizinhos, que iniciaram um período de luta pela conquista do poder ganês. Depois de um tempo, o império declinou e foi conquistado pelo povo do Mali.

Império do Mali

A tradição conta que após a morte do rei e rainha do Mali por um rival, o filho prometeu vingar seus familiares. Passados os anos, iniciou um processo de conquista dos territórios vizinhos, originando assim o Império Mali.

Ele foi o maior produtor de ouro na África. Por Tumbuctu, uma de suas principais cidades, circulavam sal e ouro das minas do império, além de tecidos, grãos, peles, marfim e instrumentos de metal. Tumbuctu tornou-se não apenas um importante centro comercial, como um dos maiores centros intelectuais do mundo; reuniu cerca de 150 escolas, onde oriundos de todo o continente iam estudar.

Leia também  A primeira noite de um homem e o fardo da segurança

A religião do Império do Mali era o Islã, trazido pelo mansa (rei) Mussa que, em 1324, fez uma expedição à Meca com a intenção de mostrar a exuberância de seu império, trazendo consigo comerciantes e sábios islâmicos. Trouxe também o arquiteto Abu Issak, responsável pelo planejamento da Mesquita de Djingareiber, uma das três mesquitas que compõem a Universidade de Tombuctu.

O auge do Império foi no início do século XIV quando ele foi descentralizado e passou a ter vários governantes, cada um conquistando diferentes territórios. Como diversas vezes a história nos provou, esse tipo de medida estratégica faz com que surjam diversos conflitos internos. Isso colaborou para a destruição do Império do Mali em 1545, que foi tomado pelos marroquinos.

Reino de Axum

Essa é uma das muitas civilizações africanas que se desenvolveram abaixo do Egito, onde hoje se encontra a Etiópia. Embora não se tenha muitos dados do seu nascimento, acredita-se que tenha sido no século V a.c, mas seu auge veio apenas no século IV d.c, quando derrotaram o reino Kush, um antigo rival.

Conquistou importantes territórios, como os  da Península Arábica, Etiópia do Norte e parte da Pérsia, além de ter sido um dos mais poderosos impérios do mundo na passagem da Idade Antiga para a Idade Média. 

Após a conversão do rei Ezana ao cristianismo, a cultura axumita passou a ser influenciada por essa religião, sendo a maior herança desta época as onze igrejas esculpidas no solo, hoje consideradas Patrimônio Histórico da Humanidade.

Em maio de 2008 arqueólogos anunciaram que descobriram restos do palácio da Rainha de Sabá (famosa na bíblia por ter visitado o Rei Salomão) em Axum. Há ainda uma crença de que a arca da aliança (arca bíblica onde eram carregados os dez mandamentos) estaria localizada em lá, mas isto nunca foi confirmado.

Além dos três impérios acima, há vários outros que poderiam ser citados. Os povos Yorubá, os reinos de Ilê-Ifé e Benin, Kanem-Bornu, Songhai, o povo Nok, Cuche, o reino de Punt, o império Zulu e tantos mais. Cada um com suas características culturais, suas representações artísticas, suas religiosidades e estudos. A UNESCO iniciou, em 1964, a tarefa de resgatar parte da história Africana, e o resultado são alguns volumes cheios de conteúdo e imagens belíssimas disponíveis que você pode verificar aqui .

O dia da consciência negra é importante, não apenas pelas lutas por liberdade e igualdade, mas também por lembrar que temos que criar negros com consciência.

Consciência de que somos belos, ricos em cultura e pluralidade de pensamento, inteligentes, capazes, vencedores. Só não somos ensinados a pensar assim.

Até que nossa luta seja satisfeita por completo, o 20 de novembro continuará sendo relembrado.

Felipe Santos

Felipe Santos é um músico amador, leitor ávido de HQ's, estudante de economia, amante de batatas e pagode anos 90 nas horas vagas.