Poucas coisas são mais importantes nessa vida do que as suas convicções. Elas servem pra nortear cada uma das suas decisões, se tornam parâmetro para as suas relações com o mundo exterior, te ajudam a criar os limites entre certo e errado que você usa pra navegar as quase sempre bastante complexas interações morais da vida – “eu tenho essa regra pessoal contra a violência, mas será que ela vale pra gente que diz que nas férias eu vou sentir saudade do escritório?”.

Então, ainda que uma vida sem convicções ou princípios torne muito fácil atividades como a discussão política, a corretagem de imóveis e a revenda de um carro usado, é impossível viver de maneira vagamente coerente sem ter uma lista básica de coisas em que você realmente acredita e está disposto a defender.

E com o tempo a tendência é, claro, que a gente vá se agarrando cada vez mais firmemente às nossas convicções. São anos acreditando firmemente em certas coisas, são décadas considerando que aquele é o único jeito de fazer, é uma vida 100% certo de que aquela é a posição mais sensata e razoável sobre um assunto. E isso pode acabar fazendo a gente esquecer de uma coisa muito importante, na verdade tão importante quanto a gente ter certezas e convicções sobre as coisas: o fato de que a gente pode sim estar completamente enganado sobre aquilo tudo.

Porque sim, convicções são importantes, claro. É essencial ter algo em que acreditar e é preciso acreditar nisso o bastante pra estar disposto a lutar por essa coisa quando for preciso, pra colocar essa crença em prática, pra fazer valer essa convicção. Mas ao mesmo tempo a dúvida exerce um dos mais importantes papéis possíveis num sistema de crenças que é o de permitir que, por mais convicto, por mais confiante que você seja, você ainda se mostre capaz de ouvir o outro.

Isso porque se você tem 100% de certeza de tudo sobre um assunto, se você acha que não existe mais margem pra erro, se você pensa que não tem mais nada a ser aprendido, você não tem absolutamente nenhum estímulo pra ouvir mais ninguém. Você vai se cercar de pessoas que concordam com você, vai entrar em toda discussão como se não estivesse conversando mas sim ensinando, vai virar o tipo de pessoa que numa conversa sobre o assunto diz “olha, você precisa estudar muito antes de vir argumentar comigo” e vai sentir até o garçom colocando a mãozinha em formato de punho enquanto olha pra você, além de não saber mais se aquela espuma no seu chopp é 100% espuma mesmo.

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Porque esse é o papel da dúvida. Permitir que a gente ainda se questione, permitir que a gente ainda ouça, permitir que a gente encare uma discussão de igual pra igual, porque toda pessoa pode ter algum ponto válido em que a gente ainda não pensou, mesmo as que estão falando as coisas mais absurdas, e porque se a gente não sabe de tudo, todo mundo ainda pode, de alguma maneira, contribuir.

Não que seja preciso defender com menos ardor aquilo em que acreditamos, hesitar nas discussões, concordar com coisas que obviamente não fazem sentido. Mas estar aberto pra possibilidade de que mesmo desses lugares pode vir alguma coisa que some, alguma coisa que ensine, alguma coisa que torne a gente melhor, é importante não apenas pra que a gente não se torne a pessoa presunçosa da mesa, mas também pra sermos melhores defendendo aquilo em que acreditamos.

João Baldi Jr.

João Baldi Jr. é jornalista, roteirista iniciante e o cara que separa as brigas da turma do deixa disso. Gosta de pão de queijo, futebol, comédia romântica. Não gosta de falsidade, gente que fica parada na porta do metrô, quando molha a barra da calça na poça d'água. Escreve no (<a>www.justwrapped.me/</a>) e discute diariamente os grandes temas - pagode