“The price of anything is the amount of life you exchange for it” – Henry Thoureau
Outro dia eu saí de um grupo do WhatsApp – talvez o grupo com colegas mais antigos, que conheço há uns 10 anos, da época da faculdade.
O conteúdo costumava entreter – sempre existia uma discussão interessante sobre um tema do momento – de reforma da previdência a política exterior. Este costumava ser o tipo de grupo que me mantinha entretido nas janelas de tédio ao longo do dia.
Por que me afastar de pessoas que conheço há tanto tempo? O que me tirou de lá, exatamente?
Colocando o c* na reta
Um fato curioso sobre humanos é que as pessoas raramente sabem o que querem. Se perguntamos o que elas gostariam, normalmente a resposta vem “poluída”, porque no mundo imaginário, ela também é uma pessoa imaginária, então, as preferências serão um pouco diferentes do que a pessoa real.
Como se alguém te perguntasse se você gostaria de pagar alguém para ficar do teu lado te motivando e garantido que você siga um plano (de trabalho), praticamente ninguém iria querer pagar por isso. Mas observa o tamanho do mercado dos personal trainers.
Empreendedores já sabem disso. Raramente boas empresas saem do chão fazendo perguntas a potenciais clientes “se eles pagariam por X” – o melhor jeito de validar a resposta é colocando um formulário de pagamento e observando se as pessoas pagam.
Assim, as crenças que importam sobre o mundo só existem se forem tangibilizadas por algum mecanismo de investimento pessoal – no exemplo acima, “tirar dinheiro do bolso” foi o mecanismo. Outra forma de investimento pode ser o tempo dedicado a alguma iniciativa conectada a uma crença importante – é isso que o Taleb chama de ter Pele no Jogo.
Quanto maior seu investimento pessoal (de tempo, dinheiro e recursos) em alguma crença, mais ela demonstra ser importante para você. No limite, o maior investimento que você pode fazer é arriscar sua vida por alguma coisa – como no exemplo de bombeiros que arriscam a vida para realizar resgates, por acreditar tanto na missão de salvar outras pessoas.
Taleb caracteriza as pessoas em alguns grupos*:
1. Quem se arrisca com a vida dos outros a fim de colher ganhos para si. Este é o pior tipo de ser humano que existe, o que mais causa mal para a sociedade independente de ter boas intenções ou não. Um exemplo: executivos de grandes bancos que receberam bônus milionários depois da crise de 2008 enquanto os bancos eram recuperados pelo Governo (usando dinheiro do contribuinte) por ter falido graças às más decisões de tais executivos.
2. Quem corre riscos pessoais a fim de colher ganhos pessoais. Um exemplo desse grupo são os empreendedores – correm riscos, investem tempo/energia de vida para criar algo concreto que vai empregar pessoas e entregar valor para a sociedade.
3. Quem corre riscos pessoais a fim de colher ganhos para o coletivo. Aqui é o que Taleb chama de ter “alma no jogo” – quem sacrifica a própria vida pelo bem do coletivo, como é o caso de bombeiros na linha de frente e bons policiais.
Com essas lentes, fica claro que nem todas as crenças são iguais. Quanto mais você investe em algo que acredita, mais real é sua crença.
Uma coisa é você debater uma questão complexa na internet e achar que a reforma da previdência deveria ser assim ou assado; legal, você gastou alguns minutos jogando fatos que colheu na internet para lá e para cá.
Mas que valor tem seu achismo numa questão complexa, em que você tem zero influência, se compara com as pessoas que acreditam na missão dos bombeiros e arriscam a própria vida para salvar outras pessoas?
Para usar exemplos menos extremos, voltemos ao mecanismo apresentado por Taleb – as coisas (crenças, desejos, sonhos) só são reais concretas, se existe algum investimento pessoal naquilo.
Uma coisa é você discutir na internet para provar que está certo sobre a importância do aspecto X para a reforma da previdência. Outra coisa é outra pessoa investir dezenas de horas, sacrificando os finais de semana por 2 meses, até conseguir colocar um site no ar que explique o aspecto X de um jeito ultradidático, com infográficos, entrevistas, referências, etc, a fim de convencer o máximo de pessoas possível – afinal de contas, aquela questão é tão obviamente importante que vale a pena o sacrifício pessoal para convencer mais gente.
Você só dá valor a algo quando sua para conseguir
Todos nós já sabemos disso, Taleb não reinventou a roda. Afinal de contas, quantas vezes já não nos pegamos comentando como alguém é "filhinho de papai” que sempre ganhou tudo muito facilmente e por isso não valoriza o que tem?
Intuitivamente, já sabemos que as coisas são só reais quando estamos investidos pessoalmente para conseguí-la. Nesse sentido, experiências em Realidade Virtual não irão substituir viver o momento. Pular de bungee jump só é algo excitante porque existe o risco, ainda que remoto, que algo dê errado e você morra – é o fato de você estar arriscando sua vida para viver a experiência que a torna real, vibrante… os riscos que você corre é o que torna a experiência… viva.
Viver, é, portanto, correr riscos.
A Ilusão dos Soviéticos e de Harvard
Taleb discute a tendência a achar que o conhecimento acadêmico é superior; que precisamos entender o funcionamento de um sistema para entender seus resultados. Naturalmente comum entre acadêmicos e instituições equivalentes (que buscam engrandecer o próprio trabalho), esta ilusão confunde os limites da ciência.
No final das contas, o método científico é uma ferramenta que nos ajuda a testar hipóteses bem específicas sobre problemas bem específicos, com condições limitadas e conhecidas.
Não me entenda mal – ao longo dos anos, essa ferramenta tem sido extremamente poderosa e nos ajudou a curar doenças que pensávamos incuráveis e nos levou literalmente à lua.
Mas o método tem seus próprios limites e não se propõe a lidar com questões complexas sobre a melhor maneira de viver a vida ou tomar decisões quando não se conhece todas as condições.
Você pode ver tais limites na própria medicina, por exemplo. Médicos só estão aptos a trabalhar depois de passarem pelo período de residência, constituído de experiência prática, onde aprendem o que fazer com problemas reais. Durante a residência, Médicos não resolvem problemas a partir da biologia – eles aprendem na prática o que fazer (ainda que depois voltem atrás e amarrem os pontos com a teoria).
A ação só é possível por causa da prática – a teoria vem depois.
O mesmo acontece com engenharia**. E com direito, até onde sei. No livro Antifrágil, Taleb traz dezenas de exemplos de grandes revoluções que acontecerem com hobbyists, pessoas experimentando na prática, e só depois foram incorporadas pela “academia”, passando a ideia de que o conhecimento surgiu lá.
Novamente, o ponto aqui não é diminuir a importância da ciência: mas ressaltar que conhecimento teórico sobre questões do dia a dia tem muito menos peso que os experts fazem você pensar. No final do dia, não importa qual é a resposta “acadêmica” correta sobre uma questão complexa quanto reforma da previdência – a realidade vai ser mudada a partir do quanto as pessoas que acreditam em cada ideia investem de si mesmo para levar a ideia adiante, convencer as pessoas e levantar aquela bandeira.
No mundo real, as questões complexas são resolvidas pelo quão real é a crença dos envolvidos, ou seja, pelo quanto as pessoas estão dispostas a investir para levar a ideia adiante e não pela opinião “certa” de algum ponto de vista teórico/abstrato/acadêmico.
Porrada, prazer e “faça o que faço”
Eu gostaria de dizer que saí do grupo de discussão no WhatsApp vindo de um viés de produtividade: “vou usar aquele tempo de modo mais adequado”.
Não foi bem assim.
Basicamente, eu saí porque estava frustrado como algumas pessoas conseguem argumentar ideias que são muito bonitas na teoria mas não funcionariam na prática de jeito algum. Estava ficando revoltado como pessoas apare
ntemente tão inteligentes não conseguiam entender.
Ao olhar para a vida dessas pessoas, notei que discutiam de um viés cartesiano, esperando a “resposta certa” na teoria; nunca tinham investido uma gota de sacrifício pessoal no que acreditavam. O prazer era discutir mesmo e se achar dono da resposta “certa”.
O que me pôs numa autoanálise: em que áreas da vida eu estou me comportando assim? Estou investindo tempo/energia de modo proporcional àqueles temas que considero importantes?
Do mesmo jeito que a Academia no geral infla a importância de teoria e quem realmente cria coisas novas normalmente são os hobbyists ou pessoas que experimentam por conta própria, no dia a dia, nós inflamos o valor da resposta “certa”, do argumento “certo”, quando o mundo muda por quem vai lá e faz.
O engajamento de discutir sobre temas atuais não era real. Por mais que parecesse real, que trocássemos links de estudos e referências, não real de verdade – ninguém estava investindo energia para criar aquele mundo. Estávamos (eu incluso) contente em discutir e ganhar a dopamina vinda do combate, de mostrar que o outro está errado.
O que decidi fazer?
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Saí do grupo. São pessoas que conheço há muito tempo e estar no grupo me fazia sentir mais próximo, mas se aquilo não tinha um saldo positivo para a vida, foi o sacrifício necessário.
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Mergulhei de cabeça no jiu-jitsu, para receber a dopamina vinda de conflitos reais, onde corro riscos para buscar a vitória.
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Revisei tudo o que achava mais importante e estou a dedicar energia real para tornar tais projetos realidade.
Falar é fácil e qualquer um consegue. Se é tão importante, por que não agir e tornar realidade?
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**: Ser virtuoso não está limitado aos empreendedores ou bombeiros, claro. No dia a dia, qualquer pequeno sacrifício que você faz por aquilo em que você acredita conta. Por exemplo, se recusar a fazer fila dupla no trânsito para sair mais rápido do engarrafamento, mesmo vendo outras pessoas fazendo aquilo e você sabendo que não seria pego pelo guarda de trânsito. Você está sacrificando o conforto pela sua crença de fazer o que é certo – seu conforto é o que faz sua crença real, e não o fato de ter alguém para punir.
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