Há alguns meses, estava assistindo uma palestra de Sebastian Marshall em seu novo projeto, Ultraworking.

Basicamente, Sebastian pegou todo seu conhecimento com anos de autoexperimentação e produtividade para focar na “pedagogia” de como ensinar esta habilidades para outras pessoas. Lá no Ultraworking, eles têm experimentado com várias frentes, desde criar softwares simples (como o Ambition abaixo), passando por planilhas de organização, palestras e eventos maiores.

Ao discutir o processo de revisão mensal que ele usa, algo me marcou. Parafraseando, ele disse algo nestas linhas:

“Eu tento pegar alguns hábitos novos todo mês – imagino com frequência 3 ou 4 coisas pequenas que seriam interessantes eu fazer e tento implementar. Bem simples mesmo, como contabilizar copos de água no dia ou escrever em um diário antes de dormir. Ao longo do ano, fiz 40~50 pequenos testes. Todo mês, uns 80-90% deles falham – ou seja, não “grudam” ou se mantém. Tudo bem. No final do ano, tenho 4~5 hábitos sólidos que me servem bem e resistiram ao teste do tempo

Esta perspectiva de volume me deixou reflexivo e conectou com outros pontos.

O único jeito de perder no mundo dos hábitos

Photo by Tim Hipps, FMWRC Public Affairs

Há quase 10 anos, eu praticava Taekwondo.

Era fascinado e gostava bastante da arte. A progressão podia ser bem rápida, o que te deixava viciado. Se você fosse bom, treinando 2 a 3 vezes por semana, estaria capacitado a fazer testes para mudar de faixa a cada 6 meses.

Outras frentes da minha vida estavam desandando, por isso investia toda minha energia livre no treino. Ia à academia 6 vezes por semana, chegando a treinar mesmo 2 vezes no mesmo dia. Progredi bem rápido.

Por outro lado, entrou uma pessoa da categoria “sênior” para praticar. Devia ter ~40 anos, ia 2 vezes por semana. Eu não esperava muito dele, para ser sincero – imaginei ser curiosidade momentânea e que largaria em alguns meses de porrada.

Ao ver os alunos ir e vir da academia, uns deixando de treinar, outros retornando, o mestre repetia: “O único jeito de perder aqui é parar de treinar. Não importa ter um movimento ruim, ser derrotado no campeonato ou sair com a canela inchada. Só perde mesmo quem deixa de treinar”.

Outro dia estava no facebook e este colega de academia sênior estava com uma foto de kimono, com a faixa preta na cintura.

E eu aqui, estagnei na verde, há muitos anos sem treinar.

Os 2 países de Taleb e por que você deve imigrar

Muita gente manda email perguntando como criar ou manter hábitos. As pessoas querem comer melhor ou estudar depois de acordar ou fazer um diário. Todos estes são hábitos válidos, mas a forma como pensamos sobre eles podem melhorar.

Taleb discute no Antifrágil duas formas como podemos enxergar situações, usando a metáfora dos países Mediocristan e Extremistan.

A maioria das pessoas pensa como no país Mediocristan, onde as coisas acontecem de acordo com a distribuição normal – de modo simples, existem por exemplo poucas pessoas muito baixas, poucas muito altas e a maioria em torno da média. Mesma coisa com o peso – poucas nos extremos (leves e pesadas) e a maioria no meio.

Quando queremos implantar alguns hábitos para viver melhor, estamos enxergando o mundo por esta lente. Vemos vários hábitos de certa relevância para nós e queremos implementá-los; acompanhamos de perto, e ficamos frustados quando as coisas desandam. Até aí tudo bem.

Contudo, existe o país chamado Extremistan. E muitas áreas da nossa vida seguem a lógica dos habitantes deste país, mas quase ninguém sabe disso. No Extremistan, as coisas acontecem de acordo com distribuições de cauda longa.

Um bom exemplo disso é a riqueza da população: existe muita gente com quase nada, pouca gente na classe média e um grupo minúsculo que concentra a maior parte da riqueza do mundo.

Qual é o impacto real da vivência destes países ou, para sair da metáfora, destes modos de pensar?

Para ser sincero, ainda conheço pouco da matemática por trás – um dos motivos por trás do Data Noob é ficar mais fluente em estatística – mas o pouco que extraí de Antifrágil já causou bastante impacto.

O segredo? A situação “típica” perde o sentido porque os extremos podem ser tão extremos que eles fazem a média se tornar um valor artificial.

É mais fácil ver isso com números.

Se você tem 1000 pessoas numa sala, a média do peso vai ser, digamos, 70kg. O peso total da sala é 70.000 kg. Se eu trocar alguém normal (70kg) e colocar a pessoa mais pesada do mundo lá (digamos, 500 kg), a média não vai mudar muito.

70.000 – 70 + 500 = 70430/1000 → média 70,43kg.

Contudo, se olharmos para a riqueza, o jogo muda por completo. Se temos 1000 pessoas, digamos que a riqueza gerada em um ano seja R$200.000 (sendo generoso aqui), o montante total será 200 milhões. Se você tira alguém normal (200k) e coloca a pessoa mais rica do mundo lá (digamos 10bi no ano), a média da população vai perder o sentido.

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200.000.000 – 200.000 + 10.000.000.000 = 10.199.800.000 → média ~ 10,2 Milhões

Por que perde o sentido? Os 10,2M estão longe da realidade de 99,9% da população (que gira em torno de 200k).

Uma observação pode ser tão extrema que bagunça nosso conceito e intuição de média.

Com hábitos, vá para os extremos

A consequência do extremistan/mediocristan é direta para nossos hábitos.

Escolhemos vários hábitos de certa importância e nos dedicamos a fazer todos eles funcionarem. Quando não funcionam, ficamos frustrados, imaginamos que tem algo errado com nossa metodologia e buscamos outro guru lá fora.

Por trás deste pensamento, está a suposição implícita de que vamos sair ganhando na vida quando tivermos vários hábitos importantes ativos. Mas o valor gerado por hábitos segue o país Extremistan. Um hábito apenas pode gerar tanto valor na sua vida que faz os demais hábitos se tornarem irrelevantes.

Neste contexto Extremistan, a forma ideal de se posicionar é ir para os extremos: hábitos-chave e hábitos-aposta.

1. Identifique um hábito que você manterá a qualquer custo

Quando você isola e foca toda sua energia neste hábito-chave, é capaz de fazer funcionar nem que seja de modo rudimentar.

Por exemplo, observando o James Clear, um dos escritores referência na internet sobre criação de hábitos e psicologia de performance – ele mantém um diário dos treinos com papel e caneta, em um pequeno caderno. No final de cada exercício, ele marca quantas repetições fez e com qual peso. Exercício é algo crucial para James, por isso, arranjou um jeito de fazer acontecer, por mais que fosse “velha guarda” ou pouco tecnológico.

No meu caso, os hábitos são leitura e escrita. Tento ler e escrever todo dia, não importa o quê e nem quanto eu falhe, sigo tentando porque é algo que já identifiquei que vou levar para o resto da vida – traz muito valor e me faz sentir realizado.

2. Experimente com dezenas de hábitos, sabendo que apenas alguns sobreviverão.

É difícil as pessoas conseguirem seguir essa abordagem de Sebastian porque se apegam demais ao hábito precioso que estão criando. O Venkatesh Rao, outro pensador moderno, tem uma metáfora parecida quando discute a diferença entre as pessoas que leem muito e quem lê pouco:

"Por exemplo, pessoas que lêem alguns livros/ou não costumam ler não conseguem apreciar como uma ideia pode aparecer em diferentes formas em muitos lugares, frequentemente sem não-relacionados. Elas assume que a primeira versão da ideia que elas encontram é a definitiva, canônica, e desenvolvem uma fixação funcional em torno daquele encontro. (…) Ou outra questão, elas não têm ideia de como quebrar um livro em pedaços criticamente (não fisicamente) e identificar as partes originais.

Pessoas que leem talvez um livro a cada 4/5 meses (novamente, assumindo que não seja ficção ou o atual bestseller) possuem a tendência de ter reverência demais por livros para fazer esta desconstrução de modo efetivo. Elas dão a livros uma autoridade que os leitores assíduos não dão. Para quem lê muito, livros são meramente processamento de conteúdo. Ênfase no processamento ao invés de conteúdo."

De modo similar, quem tenta alguns hábitos por ano se apegam demais aos hábitos para investigar o que funcionou, empacotar em outro hábito ou jogar tudo pela janela e tentar novamente.

Integrando hábitos na sua vida para o (muito) longo prazo

Pensa assim: se você está lendo este texto, provavelmente já tem uma mentalidade de crescimento desenvolvida. Você não vai parar de buscar se melhorar nos próximos 10, 20 ou 50 anos.

Quando pensar sobre hábitos, pense no (muito) longo prazo.

Há bastante conhecimento operacional como melhorar seus hábitos – desde ler o livro Poder do Hábito até o mais recente da psicologia cognitiva e performance, mas estas discussões não agregam tanto valor se você estiver pensando no “país errado” quando se trata de hábitos.

Investigue: o que é extremamente importante, crucial para você?

Pode ser acordar cedo, desligar internet antes de trabalhar, conseguir colocar roupa para ir à academia… encontre seu pilar e encontre um jeito de fazer ele acontecer. O único jeito de você perder com ele é se desistir, como eu perdi com o Taekwondo.

No mais, experimente livremente e esteja confortável com uma taxa de falhas altas. Ou com hábitos funcionando apenas durante certos períodos da vida. Não respeite demais os hábitos “apostas”.

Paulo Ribeiro

Marido, escritor e estrategista da <a>In Loco Media</a>. Escreve sobre filosofia e crescimento pessoal sem mimimi no portal <a href="http://estrategistas.com/">Estrategistas</a> e tem uma lista de <a href="http://estrategistas.com/recomendacoes-de-leitura/">recomendações de leituras</a> para mais de 8 mil pessoas. Levanta peso do chão e está aprendendo data science do zero no <a href="https://medium.com/data-noob/chegou-a-hora-de-aprender-ci%C3%AAncia-dos-dados-32441ab8de58">Data Noob</a>."