Mudar de cidade é o tipo de coisa que pode ser o paraíso ou o inferno. Especialmente se a mudança se dá de uma forma súbita e para um lugar distante. Em geral, isso envolve também trocar de emprego, deixar suas coisas para trás, ter de aprender a se locomover em um território com outras regras e, claro, se deparar com a necessidade de fazer novos amigos, começar do zero.

Não é raro justamente a etapa de conhecer pessoas e aprofundar o contato ser aquilo que trava, que simplesmente acaba não acontecendo.

Já acompanhei algumas histórias de amigos que conseguiram se estabelecer em todos os sentidos, exceto construir novas relações. E isso acaba gerando comentários como “as pessoas lá são fechadas”, “é todo mundo muito frio”. A gente meio que esquece que logo ali as regras são outras. Os ritmos, sotaques, hábitos, referenciais e maneirismos – dos mais escrachados aos mais sutis – exigem novas maneiras de se portar e se inserir.

Em diferentes cidades, a música é diferente. Quando alguém reclama que em um outro lugar as pessoas estão fechadas, na verdade, está reclamando da sua própria dificuldade de dançar.

Poucas vezes a gente assume nossa parcela de responsabilidade ao entrarmos e co-construirmos as relações.

Eu mesmo estou passando por esse processo. Por isso, decidi compartilhar alguns insights que vêm me ajudando por aqui.

Não atrapalhe

Mudar de cidade envolve deixar conexões muito profundas. Por vezes, conexões que demoraram longos e importantes anos para se fortalecerem. Certos amigos exercem funções que consideramos fundamentais. Sempre tem aquele que serve de ponte e apoio para fazermos as coisas que gostamos, aqueles companheiros, aquele que sabe ouvir, aquele que tem sacadas brilhantes e criativas etc.

Mas, por mais que seja tentador reconstruir as mesmas velhas condições para ser quem você era antes, talvez não seja essa a melhor abordagem. É quase certo que essa se torne uma tarefa hercúlea e frustrante.

É fácil ver os outros nos excluindo. Mas e quando nós mesmos nos excluímos?
“Você não acha que está se excluindo”

Se mudar naturalmente tende a expor todo o apego pela sua antiga cidade, pela antiga rotina, por cada micro detalhe cultural e às vezes isso pode dificultar uma adaptação ou mesmo a aceitação de que você vai precisar incorporar novos hábitos.

Não atrapalhar aqui, seria entender que as estruturas do novo ambiente não vão mudar só porque você quer fazer ou entender as coisas de outra forma. Envolve não forçar, não tentar trazer o seu mundo sem antes se permitir ouvir e compreender o novo ritmo ao qual você estará submetido. E, claro, não se permitir cair em uma posição de exclusão.

Procure círculos e pessoas com paixões em comum

Normalmente a gente já faz isso. É o nosso impulso habitual, tentarmos nos conectar com pessoas que tenham gostos e paixões em comum. E há uma razão para isso. Ter uma paixão em comum com alguém automaticamente abre muitas possibilidades de conversa e atividades.

No meu caso, falar sobre tipos específicos de música, tocar ou ver shows é garantia de longos papos.

O Eduardo Amuri me deu dois exemplos, um dele próprio quando passou um tempo em Dublin e de um amigo.Vale a pena compartilhar.

No meu caso, o que ajudou foi o handball. É uma paixão minha, eu naturalmente estou aberto e feliz quando estou dentro da quadra. Quando o foco daquele circulo é a paixão por algo, os laços de confiança surgem muito mais facilmente.
Somos ruins com palavras e com racionalizações. Nada como trocar uns murros até que a empatia surja.
Vi muita gente fazendo isso com música também. Tive um amigo que levou um cavaquinho para a Graphton Street, onde os artistas de rua costumam se apresentar. Ele chegou perto de um maluco que tava tocando violoncelo e, entre uma música e outra, mandou um puta elogio sincero e humilde, dizendo que ele não falava nada em inglês, mas que queria dizer que era apaixonado por música também.
E ele passou por lá vários dias, sempre cumprimentando. Até que tomou coragem e levou um cavaquinho. No intervalo do show do cara do violoncelo, ele pediu para mostrar uma música, e tocou uma bem complexa, bem técnica. Mesmo os artistas ao redor pararam para ouvir. Todos apaixonados por música.

Faça o que você não faria

Entrar em contato com os outros é uma forma de encontrar não só uma nova pessoa lá fora, mas também dentro de si. Não só é um jeito de se deparar com aquilo que permanece adormecido como é uma excelente oportunidade de se construir de uma maneira diferente.

A gente costuma ter o cacoete de se definir de uma maneira e ignorar automaticamente tudo o que está de fora desse escopo. O resultado são muitos pontos de fechamento e a eliminação de ganchos os quais as pessoas podem usar para chegar até nós.

Imagine que alguém o convida para ir a um lugar que toca forró e você não dança. Se você diz não logo de cara, perde a oportunidade de ouvir algo diferente, de aprender a dançar, de se aproximar não só de quem o convidou como das pessoas que estariam por lá.

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"Cara, vou sair pra escalar uma montanha hoje. Vamo?"
“Cara, vou sair pra escalar uma montanha hoje. Vamo?”

O mesmo seria verdadeiro se você negasse um convite para surfar, de lutar, de mergulhar no rio, de meditar, de correr em algum parque, de fazer um curso ou de visitar uma exposição de fotografia, sendo que você não entende nada desses assuntos.

Você também pode assumir uma posição ativa e tomar a iniciativa de fazer essas coisas que nunca faria. Ir ao cinema sozinho, participar de palestras, shows, encontros. Muita coisa acontece quando a gente não depende de ninguém para sair de casa. Além disso, as pessoas costumam estar muito abertas nessas ocasiões, especialmente se você se colocar em uma posição de aprendiz, perguntar e se interessar.

Ouça, seja curioso

“Entrar no mundo do outro é se relacionar com o que é oferecido utilizando os referenciais dele. Ouvir entrando em domínios consensuais, se aproximando, acolhendo. Sair de seus próprios preconceitos e limites pré-estabelecidos, da mesma forma que uma pessoa é, de certa forma, obrigada a fazer quando visita um país com outra gastronomia. Não adianta chegar querendo feijoada, você acaba sendo obrigado a comer o que tem.” –Ouvir além das palavras: o que é e como fazer

Uma boa parte da noção de amizade vem da sensação de estar próximo, de acompanhar, de ver de perto. Então, se você percebe que alguém tem curiosidade, quer saber sobre você e surge a vontade de compartilhar histórias, a conexão está feita.

Logo, é importante ser curioso, acompanhar e entrar na vida dos outros, principalmente nos detalhes mais banais. Como será que anda o processo de mudança para o apartamento novo? Será que aquele cara conseguiu terminar de fazer a mesa de pallets que tinha começado? Ele terminou a pós? Está tudo bem mesmo?

Cada pessoa está cheia de histórias para contar. Todo mundo quer ser ouvido.

Ofereça

Se colocar em uma posição de escuta faz com que você seja capaz de oferecer qualquer coisa que tenha em mãos de uma forma muito mais eficaz.

Ouvindo, você pode começar a notar e naturalmente trocar referências, sugerir livros, leituras, filmes, músicas, programações. Você se torna também os olhos daquela pessoa e enriquece o mundo dela.

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Você também pode oferecer coisas mais palpáveis, como ajuda em tarefas do dia a dia, pode preparar um jantar na sua casa, pode ensinar algo, as possibilidades são infinitas. Quando cheguei em São Paulo, uma das primeiras coisas que fiz foi ajudar um amigo mixando o EP da banda dele. Também emprestei equipamento, fui em algumas sessões de captação, enfim, ajudei como pude. Hoje, volta e meia estamos trocando ideias sobre gravação, equipamento, shows etc.

Generosidade, disposição e cuidado quebram bloqueios muito facilmente.

Se abra

A melhor forma de conseguir fazer as pessoas se abrirem e tornar a comunicação mais intensa e verdadeira não é perguntar feito um inquisidor a respeito de tudo o que está se passando e sim você mesmo se abrir, contar sobre o ponto no qual está, o que está vendo, o que está fazendo, como está se sentindo.

Isso também abre a possibilidade de que as pessoas possam ser curiosas em relação a você, que elas aprendam sobre o seu mundo e comecem a ver maneiras de também beneficiá-lo. Abrir espaço, falar de coração e dar condições para que o outro se conecte e comece a vê-lo como alguém com história, com preocupações, com alegrias e que, assim como ela, também está traçando um caminho. Essas também são formas de generosidade.

Conecte as pessoas ao seu redor

Quer queira, reconheça ou não, você provavelmente está cercado de pessoas que têm habilidades e interesses diversos. Se você é curioso e consegue manter um interesse mínimo, é natural que depois de algum tempo comece a lembrar de alguém que conheceu e que poderia ajudar uma terceira pessoa que está na sua frente.

Às vezes, pode ser apenas que você perceba os interesses em comum e note que duas ou mais pessoas com quem já encontrou poderiam ser grandes amigos. Mais do que apenas pensar nas relações com vetores apontando para si, você pode se tornar um hub, um facilitador, alguém que funciona como um anel, ao qual vários elos se conectam e se encontram.

Dessa forma, é natural não apenas você mesmo se ver cercado de pessoas, como também perceber a sua rede se tornando cada vez mais poderosa, à medida em que ela vai se relacionando e se ampliando.

* * *

Uma outra forma de utilizar este texto poderia ser para fazer com que a sua própria cidade se torne uma cidade diferente, para ver seu espaço sempre como alguém recém chegado, sempre aberto e disponível.

Claro que a lista de possibilidades não se encerra aqui. Há infinitas sutilezas no exercício de se adaptar e construir novas relações e algumas dessas dicas podem simplesmente não se aplicar em muitos casos.

Como vocês constroem novas amizades?

Luciano Ribeiro

Cantor, guitarrista, compositor e editor do PapodeHomem nas horas vagas. Você pode assistir no <a>Youtube</a>