Tenho falado bastante de hábitos aqui no PdH. Seja tomar banho frio, ficar sem reclamar ou simplesmente ir para academia entrar em forma, sempre aponto algum que acredito ser potencialmente valioso para nossas vidas.

Costumo receber emails de leitores e, muitos deles, acabam chegando num mesmo ponto. Encontraram alguma atividade que se identificam mas não sabem como fazer para torná-la rotina.  

Automatizar um hábito é simples, mas exige algumas atitudes que são dolorosas, tanto para nós quanto para pessoas ao nosso redor.

Vou tentar descrever o processo da forma mais simples possível, mas caso haja alguma dúvida, nos estenderemos pelos comentários.

Por que devo desenvolver um hábito?

Você assistiu um vídeo, leu um trecho de um livro ou teve uma conversa muito séria com alguém. Tenho certeza que você está decidido, vai mudar a todo custo, é agora ou nunca. Você consegue sentir a energia da mudança chegando, agora é diferente, você acredita nisso.

Digamos que você quer emagrecer. Você se olha no espelho e o visual não agrada tanto. Sua namorada está reclamando do ronco. O médico mandou tomar cuidado, colesterol está bem mais alto do que deveria. A razão para mudar você já tinha, agora veio o que faltava, aquela motivação explosiva.

Você acorda cedo no primeiro dia, vai para academia e tudo corre bem. Isso se repete por outros 3 dias, mas você sente que seu ânimo está caindo. Está ficando mais difícil.

No quarto dia você lembra que tem um compromisso depois do trabalho, uma festa de aniversário. A festinha vai um pouco além do esperado. Aquela cerveja só pra socializar acabou virando uma dúzia. A mão do salgadinho não parou quieta por toda a noite. A coxinha era realmente difícil de resistir. O celular desperta logo cedo. Antes mesmo do segundo bip o modo soneca já foi acionado. “Ah, não, hoje não. Amanhã eu coloco o treino em dia.”

Essa foi a última vez que você foi à academia. Foi assim nas últimas 10 vezes que tentou. Agora você nem se dá mais ao trabalho, já sabe como vai ser mesmo.

Essas ações possuem um custo psicológico, que por um caráter didático, vamos chamar aqui de força de vontade.

Todos nós possuímos o que pode ser chamado de reservatório de força de vontade. Sempre que precisamos executar uma atividade que não está automatizada é necessário fazer um esforço, gastando uma fração desse reservatório. O mesmo vale para toda ação mais racional, escolhas, discussões e tarefas difíceis. Assim fica fácil entender porque sempre que temos um dia mais difícil, acabamos mais propensos a pisar na bola.

Chefe brigou com você no fim do dia, você prefere salada ou um hambúrguer suculento?

A gente sabe a resposta.

A construção do hábito vem para automatizar este processo. Ao repetir muitas vezes uma mesma ação, conseguimos transformá-la em nossa opção automática. Depois de algum tempo fazendo um esforço para escolher a salada, ela se tornará a opção que pediremos sem pensar muito.

Falo um pouco mais sobre esse processo de automatização no texto sobre não reclamar.

Remova as dificuldades

Toda base da criação de um hábito é bem simples. Precisamos garantir que repetiremos a mesma atividade por uma quantidade grande de dias, até que não precisemos mais pensar. Quando nos dermos conta, já está ali, enraizado.

O problema é que nossa rotina é cheia de altos e baixos. Contratempos surgem todos os dias para nos lembrar que as coisas não serão tão fáceis. Sempre conseguiremos encontrar um bom motivo para não fazer o que deve ser feito. Por isso é importante remover o máximo de dificuldades do caminho, pelo menos até as coisas começarem a entrar nos eixos.

Se o objetivo é acordar mais cedo, por exemplo. Não existe outra forma de fazer isso, evitando danos à qualidade do seu sono, sem que você precise dormir mais cedo. Caso contrário, reduzindo o número de horas dormidas, em pouco tempo começará a se sentir cansado, sem condições de escolher entre levantar e dormir.

Se o objetivo é seguir firme na dieta, é preciso restringir tanto o acesso quanto as oportunidades de comer besteiras. Grande parte da dieta começa no supermercado, nas coisas que trazemos para dentro de casa. O mesmo serve para os programas sociais. Pelo menos no começo, é prudente arrumar uma boa desculpa e esquivar das tentações. Essas ações podem soar um pouco extremas, mas não se preocupe, não é para sempre.

O importante é identificar tudo o que pode servir como desvio e evitar ao máximo, pelo menos no começo, quando falhar um dia pode custar toda sua disposição em continuar tentando.

Reduza ao mínimo

Quando pensamos em ir para academia, uma sequência de passos surge em nossa cabeça. Começamos a pensar na troca de roupas, no caminho, em cada um dos exercícios, na dificuldade que vai ser terminá-los, no banho pós treino, no caminho de volta e, finalmente, voltar a fazer o que estávamos fazendo antes de tudo isso.

Essa troca de atividades é uma enorme barreira mental. Quando passamos por todo esse martírio, mesmo apenas na cabeça, já começamos a desistir.

Por isso é importante reduzir o objetivo à menor configuração possível, ao ponto onde não é tão doloroso fazer a troca de atividade, mas ao mesmo tempo distante o suficiente para voltar onde estávamos.

Digamos que o objetivo é acordar cedo, então a ideia é reduzir a dificuldade de levantar da cama, sem considerar todas as implicações disso, ao mesmo tempo em que perdemos a vontade de voltar para o aconchegante travesseiro. Para muita gente, o que funciona nesse caso é levantar e tomar dois copos d’água.

É um passo mínimo para levantar da cama, não existe muita implicação futura para se considerar, mas ao mesmo tempo dá espaço para o corpo despertar e perdemos o impulso que nos faz querer permanecer na cama.

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Para academia, o equivalente pode ser simplesmente se vestir com a roupa de treino. É mais fácil pensar “já estou aqui mesmo, agora vou”, do que quando você estava lá, sentado no sofá assistindo à décima reprise de Friends.

Priorize

No começo, tudo serve de motivo para deixar deixar a ação de lado. Sempre falta tempo, aconteceu uma mudança nos planos, vai demorar muito, algo realmente imperdível apareceu ou qualquer outro motivo.

Fazer o que você se propôs nunca é a prioridade.

Lembro de um professor de Jiu-jitsu falando para mim, anos atrás, algo que hoje faz mais sentido que na época. Segundo ele, mesmo que o dia tivesse sido difícil e eu não tivesse as duas horas de almoço para treinar, era importante ir ao treino, mesmo que fosse para ficar apenas 10 minutos no tatame. “Venha nem que seja para vestir o quimono, pisar no tatame e ir embora, isso é muito importante”. Mesmo quando alguém estava lesionado, ele incentivava ir ao treino, vestir a roupa e assistir o treino inteiro sem fazer nada.

Se você quer estabelecer um hábito novo, sua prioridade maior deve ser essa realização. Acordou e pensa em faltar academia? Vá e faça apenas um exercício, caminhe na esteira por 10 minutos ou simplesmente alongue, mas estar presente é importante. Quer escrever todos os dias? Sente-se e escreva três linhas sobre algo que viu na rua, não importa o que seja.

Não importa o que aconteça, tente fazer o que foi proposto, mesmo que para isso você precise fazer menos, em menor quantidade. Eventualmente isso vai fazer chegar atrasado no trabalho, faltar, desmarcar compromisso ou não fazer outra coisa que precisava ser feita. Infelizmente as coisas acabam conflitando, mas priorizar é necessário.

Entre no clima

Existe algo que tenho feito, com base em algumas observações pessoais, e tem funcionado bastante.

Eu sofro de ansiedade pré-viagem. Sempre que preciso viajar acabo dormindo bem pouco, normalmente entre 1 ou 2 horas na noite. É algo que sempre aconteceu e, até hoje, acontece com bastante intensidade.

Uma coisa é interessante nisso. Mesmo quando durmo tarde e consequentemente pouco, pensando sobre a viagem, acordo super disposto e animado. Em nenhum momento penso em ficar mais 10 minutinhos na cama, em apertar o modo soneca. Minha empolgação faz o importante papel de me deixar disposto.

Sempre que temos algo muito legal para fazer no outro dia, uma atividade que queremos bastante, acabamos acordando sem muita dificuldade. O mesmo funciona para mim com exercícios. Mesmo sabendo que é um paliativo, diariamente assisto vídeos que me deixam motivado para treinar, isso tem sido o suficiente para não faltar na academia.

Encontre o tipo de material que te ajuda a entrar no clima para o dia seguinte, que sirva de motivador, que crie uma âncora mental para você.

Quer acordar mais cedo? Antes de dormir escreva seus planos para o dia seguinte, organize tudo o que tem para fazer, deixe a roupa de ir trabalhar separada e pronta, coloque a mesa do café da manhã.

Somos muito influenciáveis por pequenos sugestionamentos.

Para se manter tentando

É muito comum ouvir por aí que o tempo necessário para se estabelecer um novo hábito é de 21 dias, mas não é simples assim. Estudos apontam que pode levar entre 18 e 254 dias para que uma nova atividade se torne um hábito.

Por isso é importante se manter firme o máximo possível, mesmo que existam pequenas falhas no processo. Uma falha não pode servir de gatilho para desistência.

É também interessante gerar um feedback visual para o seu sucesso, grudando um calendário na parede onde sua sequência ininterrupta fique visível. Nosso cérebro funciona muito bem com sequências e odiamos interrompê-las. É assim que jogos te convencem a jogar cada vez mais, ancorando numa série de vitórias que não parece valer a pena quebrar.

Um parceiro de prestações de contas também pode fazer diferença. Tente pedir para um amigo, alguém que você saiba que pode confiar e que não vai ficar passando a mão na sua cabeça, que consiga apontar quando você está de corpo mole. Combine de conversarem sobre o processo uma vez por semana, mas que ele lembre você ao longo dos dias do que está combinado. Muitas vezes a gente se esforça mais pelo medo de decepcionar um amigo do que para alcançar o que queremos para nós mesmos.  

* * *

Em resumo, apenas para fixar o que foi dito antes, fica o resumo do texto:

  1. Criar hábitos é importante para reduzir o esforço necessário para executar uma atividade.

  2. Comece pequeno e vá aumentando. Ninguém corre uma maratona da noite pro dia, caminhar 1 quilômetro é um excelente começo.

  3. Remova as barreiras do caminho, alguns esforços e cortes precisarão ser feitos, mas é apenas enquanto o hábito não está instaurado.

  4. Faça disso sua prioridade. Isso vai ajudar a não colocar qualquer coisa na frente do seu hábito.

  5. Crie empolgação. É apenas paliativo enquanto o hábito não se instaura, mas criar um ânimo diário é essencial para reduzir o sofrimento inicial.

  6. Utilize artifícios para se manter tentando. Reforços visuais e apoio de amigos são ferramentas importantes e que fazem a diferença.

Se existe algum caso em especial que você acredita que o texto não aborda, conta para a gente nos comentários, assim podemos pensar juntos e encontrar uma solução.

sitepdh

Ilustradora, engenheira civil e mestranda em sustentabilidade do ambiente construído, atualmente pesquisa a mudança de paradigma necessária na indústria da construção civil rumo à regeneração e é co-fundadora do Futuro possível.