O motivo pelo qual devemos prestar atenção em nossos sonhos é bem simples. Passamos uma parte considerável de nossas vidas dormindo e, consequentemente, sonhando. Deixá-los de lado seria não viver uma boa parte de nossas existências.

A única coisa que diferencia a vivência de um sonho da desperta, para nossa percepção, é o ato de acordar. Quando estamos sonhando, raramente somos capazes de entender aquilo como uma realidade interna. Mesmo quando acessamos um estado consciente no sonho, aquilo que chamamos de sonho desperto, ainda continuamos imersos no mundo onírico. Trata-se de uma realidade tão válida quanto a do mundo externo aos sonhos.

Um pesadelo é capaz de causar medo real. Um sonho angustiante pode modificar o nosso humor por dias. Já tive relatos de sonhos eróticos que proporcionaram prazer inimaginável. Já conheci casos em que personagens de sonhos foram capazes de proporcionar orgasmos para quem tem dificuldade em alcançá-los… mas isso será assunto de um outro ensaio.

O mundo dos sonhos é poderoso. Seria leviano tratá-lo sem o devido respeito e atenção.

Estamos falando de um fenômeno natural da mente. Na linha teórica em que trabalho, não entendemos que seu material seja confuso por utilizar disfarces ou censuras. Sua linguagem é complexa, pois nossa mentalidade consciente é parcial e não está devidamente acostumada a lidar com lógicas simbólicas. Explicando melhor, não entendemos muito bem o que sonhamos, por que não estamos acostumados com seus formatos. Uma parte importante de todo processo terapêutico é pedagógica, aprender a escutar o psiquismo.

A psique é um sistema auto regulatório. Assim como acontece em nosso corpo, existe um processo de manutenção do equilíbrio psíquico. Digamos que uma pessoa tem uma compreensão muito parcial das coisas e sua leitura sobre a realidade ao redor é pessimista em excesso. Não é pouco comum que surjam sonhos em que um contraponto, no caso, uma visão mais otimista da vida, ganhe espaço.

A função primordial dos sonhos é possibilitar a conexão entre novas ideias. O sonho transforma ideias ou conceitos em imagens e possibilita o contato entre eles. Contatos que normalmente não realizamos em estados despertos e que podem produzir uma visão totalmente criativa sobre uma determinada questão que se tenta resolver.

O interessante não é praticar uma interpretação dos sonhos, mas uma reflexão sobre eles. O sonho é um processo muito mais rico e interessante quando compreendido como um organismo vivo. Uma interpretação fria sobre suas imagens e respectivas significações, poderia ser comparada a uma autópsia. Muito mais interessante acompanhar seus movimentos de perto, sem impossibilitar sua autonomia de movimentos.

Já que estamos falando de autonomia, vamos fazer um pequeno teste… sei que vocês adoram testes.

Quero que vocês parem a leitura do texto por 30 segundos. Imaginem um quadrado vermelho, perfeito, diante de vocês. Tentem mantê-lo completamente imóvel por algum tempo.

É bem provável que não tenham conseguido. Ou o quadrado muda de cor, ou não fica perfeitamente quadrado, ou não fica parado. Esse é um exemplo, bem simples, de como temos uma parte autônoma em nosso psiquismo. Essa força autônoma é onde os sonhos residem. Como foi possível perceber, não dá para controlar por uso da força… se prendemos aqui, escorre por lá… muda de forma.

Então, vamos falar justamente sobre a análise dos sonhos. Apresentarei algumas propostas de como tentar entendê-los sem perder a parte mais importante, seu poder criativo.

O sonho como drama

Um sonho é uma história. Por mais confusa que seja, se prestarmos atenção, perceberemos que existe uma lógica interna que cria um sentido total. Quando sonhamos que estamos voando, por exemplo, apesar de ser absurdo, podemos perceber que existem algumas regras específicas para o voo. É estranho para nossa realidade desperta, mas no mundo dos sonhos faz todo sentido. O mesmo acontece nos mundos fantásticos da literatura, cinema, teatro…

É necessário deixar de lado nossa lógica diária e tentar entrar de cabeça na lógica da história contada/vivenciada. Uma realidade onde crianças não envelhecem, convivem com fadas, voam e lutam contra piratas também não faz muito sentido na nossa realidade comum, mas ainda assim somos capazes de acompanhar a história de Peter Pan e tirar algum aprendizado daquilo tudo.  

Então a primeira coisa a fazer quando se trabalha com um sonho é entender que vocês devem entrar na história, tentar compreendê-la dentro da lógica dela. É importante deixar de ser preguiçoso e não ficar esperando tudo mastigado. Open your mind!

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Para entender uma história devemos prestar atenção em algumas coisas. Podemos fazer algumas perguntas.

  • Qual é o cenário? Onde acontece o sonho?

  • Como ele começa? O que dá início aos movimentos do sonho?

  • Quem são os personagens que aparecem?

  • Qual o problema da história? Existe um desafio a se resolver?

  • Existe um clímax? Como o sonho termina?

Com isso já podemos começar a brincar.

Associando ideias

A maior parte dos elementos dos sonhos se refere ao nosso dia-a-dia. Personagens, cenários, situações. Mesmo aquilo que nos parece muito distante, acaba fazendo parte da nossa realidade por algum tipo de relação.

O exemplo do sonho em que estamos voando: mesmo sem nunca termos voado, temos referências sobre o voo. Vemos os pássaros, já estivemos em um avião ou já lemos uma história em quadrinhos que o super-herói tem esse poder. Estão aí algumas associações que podemos estabelecer ao voo no sonho.

Associação funciona assim: pego um determinado elemento, um cavalo, por exemplo, e vou fazendo associações, conexões com a imagem do cavalo. Cavalo me lembra o que? Estabelecemos as associações de cada um dos elementos do sonho. O que essas coisas nos lembram?

Um lembrete importante sobre o processo de associação é que devemos sempre retornar ao sonho. No processo de associações é fácil se perder e acabar seguindo uma linha que nos afasta do contexto  inicial. Quando percebemos, estamos pensando em alguma outra coisa que não tem muito a ver com o que sonhamos.

Muitas ideias podem surgir para cada um desses elementos. Não se preocupem em encontrar um uma resposta definitiva. Lembrem-se que não estamos buscando significados, mas, sim,  sentidos. Em algum momento surge um sentimento que, podemos dizer, se parece com um clique e então entendemos, mas sem precisar de uma definição única.

Ampliando ideias

Alguns sonhos são mais complicados que outros. Em alguns casos, umas poucas associações dão conta do trabalho, mas sempre existem alguns sonhos que não somos capazes de analisar tendo por contexto nossa vida diária. É o que alguns povos chamam de Grande Sonho.

Apesar desses sonhos também falarem sobre nossas existências individuais, eles tem uma temática maior e acabam falando sobre todo um contexto sócio cultural. Não vou adentrar em muitos detalhes, precisaríamos de um ensaio inteiro só para discutir esses sonhos. Fico satisfeito em apenas discuti-los em termos gerais.

Quando encontramos esses temas nos quais somos incapazes de promover associações satisfatórias, uma via é buscar histórias que se pareçam, que tenham uma mesma base. Podemos encontrar exemplos semelhantes na literatura, nas artes plásticas, contos de fadas, mitologias… enfim, em produções culturais de outras épocas e/ou lugares.

Estes são sonhos muito criativos e podem causar profundas alterações no sonhador. Assim como não existem muitos verdadeiros profetas por aí, estes sonhos não são tão comuns. Ainda assim, ter contato com mecanismos culturais diversos, sempre é útil para a análise psicológica.

Sonho que sonha só… Sonho que sonha junto…

Compreender um sonho é mais fácil quando temos alguém com quem podemos compartilha-lo. Como diz o ditado: “duas cabeças pensam melhor que uma”.

Esse outro não precisa ser um grande analista, basta que ele seja um bom ouvinte e realmente preste atenção no sonho que está sendo contado. Muitas vezes deixamos passar alguns detalhes importantes que, para nós, acabam como pontos cegos. Esse outro pode ajudar a prestar mais atenção. Além disso, somos animais sociais… gostamos de companhia. O processo pode se tornar mais agradável quando realizado com outra pessoa.

Sonhos são um universo próprio e tudo isso que eu trouxe nesse artigo é apenas uma gota em todo um oceano de possibilidades. Por isso mesmo é tão importante estar aberto ao desconhecido quando falamos deles. Já vi sonhos que se mostraram premonitórios, em que o sonhador viu, antes do acontecido, detalhe por detalhe. Outros sonhos foram tão reais que até parece que o sonhador foi parar em algum tipo de realidade paralela. Com essas histórias, não quero estimular pensamentos supersticiosos ou místicos, mas quem vivencia esse tipo de coisa tem uma experiência válida, que merece ser respeitada enquanto tal.

E você? Já teve sonhos assim?

A gente se vê nos comentários!

Marcelo Marchiori

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