O fato do espanhol ter origem similar ao português (e outras línguas latinas) é, ao mesmo tempo, uma benção e uma maldição.
Enquanto a estrutura da língua é parecida e temos muito vocabulário em comum, eu nunca consegui falar em espanhol. Meu cérebro travava, achava que era “invenção” minha estar falando engraçado e dizia para si mesmo “deixa de frescura e fala português direito!”
É, talvez eu seja meio maluco.
Eu nunca gostei de espanhol. Aprendi inglês sozinho, por necessidade, mas espanhol nunca passou seriamente pelo meu radar.
Como muitos brasileiros, eu pensava:
“Não preciso aprender isso, basta enrolar um portunhol na hora que resolve o problema”.
Aí a hora de falar espanhol chegou e não consegui aplicar meu portunhol malandro. A comunicação não aconteceu. Dois momentos serviram para me acordar da necessidade de me comunicar em nossa língua irmã.
Primeiro cenário: estava fazendo um curso de empreendedorismo online e precisaríamos formar equipes com pessoas do mundo todo. Alberto Brandão e eu ficamos na mesma equipe; uma indiana se juntou a nós e, adivinha, uma colombiana. Esta não falava inglês muito bem, então foi um martírio nos comunicar em portunhol. Finalizamos a reunião por desistência mesmo, sem terminar o que tínhamos que fazer, porque não conseguíamos entender o que ela dizia. E vice versa.
Segundo cenário: comecei a trabalhar lado a lado com um mentor argentino em seu novo projeto. Na primeira ligação, por ele ser argentino e eu brasileiro, fomos nos comunicar em portunhol, certo? Nada feito. Nenhuma das partes compreendia o que a outra dizia. Resultado: dois latinoamericanos se comunicando em inglês por quase dois anos.
Alguns meses depois, um professor peruano na universidade veio comentar comigo a grande barreira que existe entre o Brasil e o resto da América Latina, já que nem aprendemos espanhol nem eles o português. Ficamos isolados.
Para resolver essa situação, resolvi colocar em prática, mais uma vez, os princípios do Aprendizado Acelerado. Defini o desafio: vou aprender a me comunicar em espanhol em 30 dias.
Parece impossível? Não se você possui as ferramentas certas.
O método de Aprendizado Acelerado
Aprender de modo mais rápido e eficiente é possível. Estou oferecendo um mini-curso gratuito com algumas das técnicas da metodologia que criei. Semana passada, fiz uma pesquisa com os participantes e recebi dezenas de depoimentos de pessoas contando como aplicaram os princípios às mais diversas áreas, desde direito, passando por línguas, até o poker.
Eu sei que pode parecer uma farsa, mas quando você vê alguém aprender uma arte japonesa antiga de arco e flecha em cinco dias (Tim Ferris), fazer windsurf com vinte horas de prática (Josh Kauffman) ou ficar entre os quatro melhores do mundo em tango (Tim Ferris) com pouco tempo de preparação, você começa a se perguntar se é farsa mesmo ou se funciona.
Abaixo, segue um passo a passo simplificado de como eu usei as técnicas do Aprendizado Acelerado para enfrentar esse desafio.
1. Levantamento
Para começar, eu precisei atacar três frentes principais: definir problema e solução, colocar a mentalidade no lugar e entender meu objetivo.
Pergunta: o que estou tentando alcançar e como vou saber se alcancei?
Seres humanos não são automaticamente estratégicos. Não evoluímos para estabelecer e cumprir objetivos, mas para caçar e reproduzir. Por isso, se você faz as coisas do modo “natural”, sua tendência é falhar. Seja não conseguir estabelecer os hábitos necessários, ou buscar um método ineficiente. Você vai falhar se não seguir uma estrutura previamente pensada e desenvolvida.
Um erro comum é não definir a linha de chegada, deixando a meta muito abstrata e dificultando o acompanhamento do progresso. Você precisa saber claramente para onde está indo, definindo um plano e pequenos passos a seguir, de modo a ser capaz de ajustar velocidade e direção ao longo do caminho.
Em meu caso, eu queria ser capaz de me comunicar em espanhol. Não pegar um doutorado em línguas nem ganhar o nobel de literatura, mas me comunicar: ser capaz de manter uma conversa suave com um nativo e me fazendo ser compreendido.
Em termos de mentalidade, essa é outra barreira comum: a crença popular de que é preciso anos de estudo e gastar uma fortuna em escolas de língua para aprender a se comunicar.
Bem, isso é falso. E ter a mentalidade certa é importante para que você possa fazer diferente. Eu não faço o tipo que advoca “o segredo” ou como “pensar positivo vai atrair o que você quer”. Não, os efeitos da mentalidade correta são reais e mensuráveis: suas expectativas podem alterar a realidade (até certo ponto, que fique claro) e interferir na sua capacidade de aprender com os erros.
Uma vez que sabia exatamente o que queria e estava com a mentalidade no lugar, busquei entender mais o que eu queria alcançar. Procurei o máximo de informações a respeito da língua espanhola, principalmente colocando em comparação com o português e com o inglês, as duas línguas que domino.
Entender que jogo que você está jogando é imprescindível para uma boa performance.
2. Desconstrução
Depois de ter uma ideia geral de como o idioma é construído, chegou a hora de fazer uma análise e escolher o que estudar primeiro com base na importância do tema e na frequência de uso.
A desconstrução é o processo no qual você modula, seleciona e ordena as subpartes da habilidade que quer adquirir. Você quebra a habilidade, seleciona as partes mais importantes para priorizar e escolhe a ordem em que vai abordá-las. Focar no que importa traz mais resultado do que abordar o problema inteiro; as técnicas de desconstrução ajudam a enxergar os pilares e se planejar para dominá-los.
No caso do espanhol, foi uma progressão. Por exemplo, a língua tem muitos tempos e modos verbais, tal qual português. Eu sabia que se fosse memorizar terminações e exceções, por melhor que fossem as técnicas que eu usasse, iria tomar muito tempo e seria pouco prático.
Analisando o idioma e comparando com o português, decidi estudar inicialmente o presente e o pretérito perfeito composto. A ideia foi aproveitar o fato dos espanhóis usarem muito o presente para indicar futuro (‘te ligo amanhã’ ao invés de ‘te ligarei amanhã’) e pelo tempo composto ser mais fácil de aprender (só flexiona o auxiliar, o verbo principal fica no particípio, como o presente perfeito do inglês).
Saber esses dois tempos me permitiu, logo na primeira semana, comunicar ideias no presente, passado e futuro. A seguir, expandi para o futuro simples, pretérito perfeito simples e pretérito imperfeito. No começo, tudo bem usar apenas o modo cru, já que o foco era passar a mensagem e me colocar falando o mais rápido possível. Ao longo do tempo, fui refinando e adequando a mensagem (cada passado tempo/modo tem um uso específico).
Quanto às pessoas verbais, o foco inicial foi nas 1º e 3º pessoas do singular. Com elas, é possível cobrir uma conversa simples, sobre mim e sobre o outro (mesmo em português quase nunca usamos a segunda pessoa verbal). A 1º e a 3º do plural se constroem facilmente a partir da 3º do singular, então não foi um problema.
Com essa abordagem, destruí a parte mais assustadora da língua, o que poderia travar meu desenvolvimento: verbos. Depois de pensar nos verbos, foquei nos artigos (que são curtos), pronomes objetos (importantíssimos) e outras coisas mais que você pode checar nesse pdf resumido.
Também adquiri um pequeno livro com frases de viagens e uma dessas apostilas de pré-vestibular de espanhol. O primeiro ajudou a entender expressões linguísticas que não se dizem apenas com tradução literal das palavras e a segunda deu uma noção geral da língua (junto aos pontos que os brasileiros erram mais).
3. Planejamento
A ideia de fazer algo ousado é simples: faça um plano sólido e se atenha a ele.
Como 30 dias é um prazo apertado, tive que colocar uma carga de estudo diária considerável. Dependendo das suas necessidades, você pode dobrar o prazo e reduzir a carga pela metade, mas recomendo trinta dias: é um prazo longo o suficiente para dar resultados, mas curto o suficiente para não desencorajar.
Meu plano cobriu todas as áreas, focando em práticas ativas (de criação) e não passivas (leitura, audição). Os dois tipos são importantes, mas as ativas trazem um retorno maior em curto prazo (melhor escrever do que ler e é melhor conversar do que apenas ouvir áudios).
Colocar conversação na agenda o quanto antes (ao contrário do tradicional) é muito importante. Esse foi um ponto que poderia ter feito melhor: começar a conversar desde a semana 1; só comecei no final da semana 2, embora tenha compensado a carga posteriormente.
A nível ilustrativo, você pode ver meu plano geral aqui – já atualizado nos pontos que notei que podia ter feito melhor.
Como garantir que você cumpra seu plano? Motivação humana é uma área muito vasta, mas como já disse aqui, somos mais avessos a perdas do que a ganhos. Então, fazer um compromisso público, envolvendo dinheiro, é um modo interessante de criar a obrigação de concluir o que precisa.
No meu caso, a motivação foi o compromisso em mostrar às pessoas que um aprendizado melhor é possível e que qualquer um pode aplicar às suas vidas.
4. Execução
Essa fase, na realidade, é composta de captura, processamento e revisão. No caso do aprendizado de línguas, focamos no processamento e na revisão, já que não há captura.
Na primeira semana, foi preciso processar a lista das palavras mais usadas. Como as reencontrei frequentemente (são as mais usadas, afinal), não houve necessidade de estruturar revisões.
Para os termos que tive dificuldade, usei algumas das técnicas mnemônicas para solidificar a memória. Em paralelo, estudar diariamente a gramática priorizada (os pontos destacados neste PDF) me ajudou a entender o funcionamento da língua.
A prática diária de escrita foi importante para ajudar meu cérebro a processar o conteúdo que estava absorvendo. Ao estudar a gramática, aprendi a estrutura, como montar frases, juntei ao vocabulário (palavras e expressões a serem utilizadas) e consolidei o aprendizado.
Coloquei leitura em voz alta no plano para começar a me habituar a expressar os sons da língua espanhola. Você não poder ler um texto em outra língua como lê em português; é preciso “vestir o chapéu”. A parte de leitura dirigida, ler um livro enquanto ouve sua narração, foi o modo que encontrei para, junto com as músicas, me ensinar o jeito certo de pronunciar as palavras.
Para o vocabulário, fiz uso de uma ferramenta chamada Anki. Como já falei aqui, ela é baseada no princípio da repetição espaçada. Ao estudar a formação da memória (e seu decaimento), os cientistas chegaram uma uma curva que mostra como esquecemos ao longo do tempo. Com base nessa curva, o programa mostra os cartões (pergunta na frente, resposta no verso) para você revisar exatamente quando está prestes a esquecer.
Fazendo uso de listas de palavras mais usadas na língua (facilmente encontradas em dicionários de frequência ou baixadas prontas), pude montar meu deck de cartões de vocabulário. Configurei o sistema para aprender 100 palavras novas por dia na segunda semana e 50 a partir da terceira.
As conversas com nativos podem ser feitas de duas maneiras: através de parceiros de língua ou de professores particulares. Para encontrar parceiros, você pode ir a sites de troca de conhecimento como o Livemocha, no qual você ajuda alguém com uma língua que você domina e recebe ajuda na linguagem que deseja. Há muito falante de espanhol querendo aprender português, então não é difícil contactar alguém e arrumar parceiros.
A opção é você usar plataformas como o italki para contratar tutores e ter aulas via Skype. No meu caso, como não tinha tempo para criar relações, contratei algumas aulas com professores nativos e pedi ajuda a alguns amigos de fora. No italki, você pode procurar professores por língua falada e por país onde vive, com preços sendo bem acessíveis de modo geral (1h de tutoria boa fica entre R$15 e R$33).
Eu fiquei com uma professora espanhola fixa e tive conversas com pessoas de vários lugares para conhecer um pouco dos sotaques e das particularidades da língua (Bolívia, Colômbia, Chile, Peru e Espanha).
Resultado
Bem, vou deixar a conversa falar mais alto.
Como podem ver, ainda não estou fluente, mas as pessoas ficaram surpresas com o resultado. Um colega que não me conhecia viu o vídeo e ele achou que eu fazia espanhol havia pelo menos 2 anos.
Consigo me comunicar bem. Aumentei o nível de compreensão e a formação de frases está boa. Há algumas limitações, claro, já que cortei alguns pontos para ganhar velocidade no aprendizado. Mas essas limitações foram contornadas com um pouco de criatividade em substituições (não usar subjuntivo, por exemplo) e eu posso sempre contornar estudando e preenchendo esses vazios, agora que já falo a língua.
É exatamente o que vou fazer daqui para frente. Preencher vazios, continuar praticando principalmente com o tutor chileno, pois devo fazer uma visita ao nosso editor-de-artes-marciais-empreendedor por lá.
A melhor parte? Você pode aplicar o mesmo método para qualquer língua. Para qualquer coisa.
Com esse poder à sua disposição, quer aprender o quê? Vamos colocar a mão na massa?
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