Sabemos ser ótimos amigos. Estamos disponíveis para ajudar, cuidar, abraçar e dar conselhos carinhosos para quem está ao nosso redor. Mas temos grande dificuldade em sermos gentis com a gente, com o nosso mundo interno, com a nossa realidade. Nos julgamos, nos chibatamos e nos culpamos com mais frequência do que nos aceitamos e acolhemos.

O mundo nos ensina, desde sempre, que precisamos ser eficientes, perfeitos, bons no que fazemos. Que precisamos atender à várias expectativas. Ser bons filhos, estudar e tirar as melhores notas na escola para entrar numa boa universidade, depois conseguir um emprego que permita conquistar uma série de coisas. Precisamos casar, ter filhos, ser pais incríveis. Precisamos cuidar da saúde, ter uma vida espiritual. Precisamos viajar e conhecer outros lugares, comprar um imóvel, trocar de carro periodicamente. E assim por diante, incessantemente.

Isso fica bem claro na era das redes sociais, onde só o que é de mais bonito da vida de cada um é publicado. Parece que nunca somos bons o suficiente. Sempre tem algo novo a ser conquistado.

Vivemos numa cultura que não nos ensina a olhar para tudo o que já temos, a precisar de menos para ser felizes, a apreciar as nossas próprias qualidades.

Pelo contrário: somos incentivados a buscar uma felicidade que parece estar sempre fora do nosso alcance e, pior ainda, aprendemos a nos enxergar por comparação com os outros.

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Nossa auto-imagem vai sendo construída a partir de referenciais externos: nos sentimos bem conosco se estamos melhores em comparação a algumas pessoas. Aprendemos a competir desde muito cedo e vamos flutuando nossa percepção de nós mesmos conforme esses referenciais que adotamos. E aí fica impossível.

Não tem como, por comparação, nos sentirmos bem o tempo todo. Vai sempre existir alguém que tenha algo que não temos – seja uma relação, seja um carro, status ou aparência. Nos sentimos inferiores, nos isolamos, nos sentimos inadequados, e temos vergonha de falar sobre isso. Como se o problema fosse unicamente nosso, enquanto, na verdade, ele é compartilhado por outras tantas pessoas.

1. Precisamos falar mais sobre autocompaixão

É diferente de autoestima. A autoestima depende desse referencial externo, existe a partir de uma comparação, por mais sutil que seja. A autocompaixão não. Ela tem a ver com resgatar uma aceitação incondicional, uma gentileza e compreensão do que quer que se apresente na nossa vida.

Para compreender melhor o que é autocompaixão, precisamos ter maior clareza do que significa compaixão. A compaixão é essa disposição de agir em benefício do outro. Se alguma pessoa com quem nos preocupamos nos pede ajuda, a gente se dispõe a ajudar e a tentar compreender as suas dificuldades, com o intuito de aliviar o seu sofrimento e trazer benefícios.

Autocompaixão é fazer o mesmo com nós mesmas, com o mesmo carinho e abertura.

Sermos compassivos conosco é termos um olhar atento, uma disposição de cuidado com a gente. É escutarmos as nossas necessidades e nos mover a partir do que tenha sentido para a nossa vida, sem precisar atender a uma expectativa externa para nos sentirmos bem.

Isso não significa ser condescendente, ou ficar imóvel. Pelo contrário. Tem a ver com aceitar a condição presente sem rejeitá-la, sem sermos duras. É a partir daí, dessa aceitação, que a gente consegue, inclusive, compreender e abraçar a necessidade de se transformar. Percebemos as nossas potencialidades e a dos outros, e somos capazes de nos acolher, assim como fazemos com os nossos melhores amigos.

2. Dureza, julgamento e culpa

Se não cultivamos esse espaço de gentileza, seguimos duros e rígidos conosco. Temos dificuldade em aceitar nossos erros e nos culpamos por eles. Nos cobramos para sermos perfeitos com frequência e nos desapontamos com as expectativas tão altas que criamos.

Achamos que não estamos suficientemente prontos quando somos reconhecidos, porque temos dificuldade em aceitar que já merecemos a felicidade e o reconhecimento nesse exato momento. Nos julgamos pelos nossos pensamentos e emoções ruins, e os reprimimos.

Suportamos por muito tempo situações que não nos fazem bem por acharmos que não merecemos algo melhor. Nos sobrecarregamos de coisas, deveres, cobranças, perseguimos e projetamos nos outros nossas necessidades não atendidas de cuidado, valorização e aceitação. Temos dificuldade de expor as nossas fragilidades e vulnerabilidades.

Achamos que temos algum problema quando não cumprimos com qualquer um dos itens do “roteiro de felicidade” (como casar e ter filhos, por ex). Também, nos culpamos se não nos sentimos felizes quando estamos cumprindo com esse roteiro, ou se não atingimos alguma meta. Muitas vezes nos achamos estranhos, inadequados, e nos sentimos pressionados a sermos uma outra pessoa.

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Ainda que seja possível viver a vida inteira assim, nessa lógica, de cobrança, julgamentos ou de cuidados ao outro passando por cima das nossas próprias necessidades, a longo prazo essas ações não se sustentam. Não por acaso, a síndrome de burnout (caracterizada por fadiga excessiva, desânimo, sensação de impotência e estresse) é tão presente entre os profissionais da saúde – grande parte, mulheres – que precisam cuidar dos outros grande parte do tempo.

3. O melhor: a habilidade de ser (auto) compassivo pode ser treinada

"Autocompaixão envolve sermos gentis com nós mesmos, quando a vida dá errado ou notamos algo sobre nós que não gostamos, em vez de sermos frios ou severamente autocríticos. Ela reconhece que a condição humana é imperfeita, assim, nos sentimos conectados aos outros quando falhamos ou sofremos, em vez de nos sentirmos separados ou isolados.

Envolve também a conscientização – o reconhecimento e a aceitação imparcial das emoções dolorosas ao passo que surgem no momento atual. Ao invés de suprimir nossa dor, ou então torná-la um drama pessoal exagerado, vemos a nós mesmos e a nossa situação claramente.

Autocompaixão não exige que nos avaliemos positivamente ou que nos vejamos como melhores do que outros. Pelo contrário, as emoções positivas da autocompaixão surgem exatamente quando a autoestima cai. Quando não atendemos a nossas expectativas ou falhamos de alguma forma.

Isto significa que o senso de autovalorização intrínseco inerente à autocompaixão é altamente estável. Está constantemente disponível para nos fornecer cuidados e apoio em momentos de necessidade." —Kristin Neff

A Kristin Neff – pesquisadora e psicóloga da Universidade do Texas – tem mostrado, através de diversos estudos, que cultivar a autocompaixão possibilita uma série de benefícios, como redução dos sintomas de estresse e depressão, além de outros sintomas de adoecimento mental; aumento da liberação do hormônio de ocitocina no corpo, responsável pelo prazer e pelas emoções prazerosas; diminuição da autocrítica e da sensação de isolamento; aumento da conexão entre as pessoas; e, principalmente, aumento de comportamentos pró-sociais, como a compaixão e a empatia.

Esse cultivo é feito, principalmente, através de práticas de corpo e mente, que envolvem meditação.

Uma prática para aplicar no seu dia-a-dia

Cultivar um olhar mais gentil conosco é uma prática. Precisamos parar um pouco, sentar em silêncio e mudar a nossa mente habitual de um espaço de julgamento constante para um espaço de mais abertura e acolhimento. Essa meditação guiada é exatamente sobre isso: como podemos encontrar em nós mesmos uma presença mais compassiva.

Então, a dica é, sempre que puder, encontrar um espaço de conforto, sentar, respirar fundo, relaxar e dar o play aqui.

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Um convite: intensivo do programa Mindful Self-Compassion em São Paulo

O programa Mindful Self-Compassion foi elaborado por Kristin Neff e Christopher Germer com o objetivo de ajudar as pessoas a cultivarem maior gentileza consigo, principalmente nos momentos difíceis. Movidos por experiências pessoais que os possibilitaram conhecer diversas ferramentas que contribuem com o desenvolvimento da autocompaixão, Chris e Kristin têm beneficiado milhares de pessoas ao redor do mundo inteiro através desse lindo projeto.

Em São Paulo, de 1 de janeiro a 4 de fevereiro de 2018, acontece uma versão intensiva do programa de 8 semanas (4 dias), organizado pela Caroline Bertolino e Marta Alonzo.

É terapêutico, mas não é terapia. A ênfase é aumentar os recursos emocionais para enfrentar desafios emocionais, antigos e novos: um treinamento de compaixão baseado na atenção, no qual a qualidade de gentileza é enfatizada mais do que a própria consciência.

Para saber mais e se inscrever, vem aqui.

Vale cada dia.

Te espero lá.

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Nota: este texto foi escrito em parceria com Anna Haddad.

Caroline Bertolino

Psicóloga, mestranda da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, professora certificada pelo Santa Barbara Institute for Consciousness Studies no programa Cultivating Emotional Balance e formada pelo programa Mindful Self Compassion.