Quando resolvi escrever este texto, meu desejo era compartilhar uma perspectiva diferente do voluntariado. Queria evitar restringi-lo ao idealismo da juventude, com imagens romantizadas sobre “fazer o bem”.

Munido de 15 anos de experiências com voluntariado, queria trazer um olhar mais pragmático, que ajudasse pessoas de todas as origens e idades a enxergar o valor em doar seu bem mais precioso: tempo. Porque é exatamente isso que parece faltar a todos, não é?

A classe trabalhadora brasileira (dos mais carentes aos mais abastados) é massacrada por jornadas de trabalho cada vez mais longas e estressantes, correndo em busca de dinheiro e de reconhecimento profissional, ao passo que é privada de descanso e de contato com a família.

Não é por acidente que o mercado de coaching e de terapia encontra-se em crescimento tão vertiginoso. Nunca na história do Brasil estivemos tão medicados, tão deprimidos, tão desconectados uns dos outros e de nosso propósito maior. Por mais que nos martelem com depoimentos de quanto o voluntariado pode salvar o outro, acredito que as pessoas precisam ouvir de que forma ele pode salvá-las.

Ao mesmo tempo, vivemos em uma sociedade bastante injusta. A concentração de renda atingiu níveis recordes nas últimas décadas e o serviço público brasileiro encontra-se em ruínas. Essa realidade deu origem a uma multidão de minorias e de vozes esquecidas, que passa pelas mais diversas necessidades.

Há oferta e demanda. E há formas para que ambos os lados saiam ganhando deste encontro. Não tenho a ambição de convencer ninguém a largar o seu emprego atual para se dedicar em tempo integral a uma causa. Destino o relato abaixo às pessoas que, como eu, gostariam de fazer parte de algum pedaço de solução, dentro das suas condições.

Minha primeira experiência com voluntariado veio aos 18 anos, quando me tornei professor de redação em um pré-vestibular comunitário. Na época, estava na universidade e trabalhava. Inicialmente, atendíamos a comunidade da favela vizinha, porém, em poucos anos, alunos de diversas escolas públicas da cidade começaram a nos frequentar.

Como é o caso com muitas ONGs, nosso público era bastante heterogêneo. Em salas com mais de 40 pessoas, tínhamos alunos dos 17 aos 70 anos. Nesse contexto, perdi o medo de me aproximar de pessoas mais idosas e de jovens de outras realidades. Essa foi a fundação para, uma década mais tarde, fundar a genYus @work, empresa voltada para a colaboração entre gerações.

Também quebrei a imagem que tinha do “carente bom”. Entre os participantes do curso, havia esforçados e vagabundos. Havia aqueles que valorizavam a oportunidade e outros que a desperdiçavam. Como em qualquer outro segmento da sociedade, havia sombra e luz. Eram seres humanos inteiros.

Com o passar do tempo, nossa comunicação e processo seletivo melhoraram, de forma a transmitir com clareza uma mensagem de cidadania, de responsabilidade pela vaga ocupada e de vontade de vencer apesar das adversidades. Nosso público passou a refletir ainda mais esses valores. Não acreditávamos em pena, mas em dignidade e compromisso.

O resultado deste trabalho é que ao longo de sua existência ajudamos muitos alunos a alcançarem vagas concorridas em universidades públicas de destaque. Muitos se formaram e atuam como profissionais éticos e preparados. Vários deles se tornaram voluntários e hoje dirigem a ONG.

Anos mais tarde, tive a oportunidade de trabalhar em um centro de atendimento psicológico por telefone. As ligações eram gratuitas e anônimas, proporcionando uma riqueza indescritível de pessoas e assuntos. Ia da prevenção ao suicídio às relações familiares, dos desencantos amorosos à solidão da velhice, da precariedade habitacional às dúvidas sexuais. O silêncio no turno da madrugada trazia toda uma solenidade e profundidade à conversa através dos fios. Durante os feriados, recebíamos ligações de pessoas nos agradecendo pelo apoio que fornecêramos em momentos importantes de suas vidas.

Na época, encontrava-me em uma encruzilhada profissional. Após anos atuando como engenheiro em grandes empresas, buscava validar minha nova escolha pela área da psicologia. Será que eu tinha talento para acompanhar as pessoas em seus desafios mais secretos? E se eu sentisse tédio ao ouvir o problema dos outros, dia após dia? E se não conseguisse me conectar ao outro? Muitas dúvidas e medos pairavam sobre minha cabeça.

Lá, aprendi a realmente escutar o outro. De forma empática. Pouco a pouco me despi do julgamento e da necessidade de solucionar o problema das pessoas. Aprendi a lidar com a impotência na hora de ajudar. Como na vida, nem sempre o meu apoio fechava um ciclo, nem sempre resultava em uma solução definitiva para quem ligava. Tudo que podia oferecer era presença, um ouvido para quem precisasse dele, enquanto a ligação durasse. Quando o telefone voltava para o gancho, nossos caminhos se separavam. Era poético e intenso, vivo e imprevisível.

Graças a esta ONG, descobri a minha vocação para acompanhar pessoas em momentos de transformação ou de grande dificuldade. Isso me deu coragem para dar um passo que foi um divisor de águas em minha vida profissional. Se hoje tenho a segurança de encarar qualquer desafio dos meus clientes de coaching é porque, durante o voluntariado, aprendi a vencer esses medos.

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Em seguida, participei de redes associativas. Juntamente com um amigo, organizei o primeiro evento TEDx de grande porte na parte “francesa” da Bélgica. Criamos um evento do zero, em uma região que não sabia o que era TED. Montamos um plano de negócios, cuidamos dos processos administrativos, selecionamos e gerenciamos uma equipe de voluntários, buscamos palestrantes e parceiros na região e educamos a população local sobre a intenção do evento.

Os desafios só não foram maiores que os aprendizados.

Para superá-los, contamos com toda a rede mundial de organizadores TEDx e fizemos amizades que nos acompanham até hoje. Nessa mesma época, conheci uma comunidade de aprendizado para pessoas que desejam se desenvolver na arte da oratória: o Toastmasters.

Os clubes Toastmasters são organizações sem fins lucrativos, que funcionam à base de trabalho voluntário. Por três anos, participei da diretoria de dois deles, um sendo o Rio Toastmasters, o primeiro clube aberto no Rio de Janeiro.

Em ambas experiências, adquiri atitudes essenciais para o empreendedorismo. Aprendi a importância de encontrar a minha tribo, de trocar insights com pessoas que compartilham os mesmos valores, de me abrir às particularidades de cada comunidade, de encontrar minha assinatura pessoal dentro uma estrutura bem definida, de devolver ao universo com pequenos gestos de gentileza, como oferecer mentorias ou abrir a porta da minha casa para estranhos.

Graças a elas, dezenas de oportunidades remuneradas se abriram para atuar como coach de palestrantes, do orador novato a donos de empresas. A remuneração nunca foi o objetivo inicial, ela foi a consequência natural das competências desenvolvidas durante o voluntariado. 

Recentemente retornei ao Brasil, após um longo período no exterior. Apesar da preparação minuciosa, o choque cultural foi inevitável. No último ano, passei por momentos de grande desencorajamento e confusão. Há algumas semanas, descobri a oportunidade de fornecer seminários de integração ao Brasil para imigrantes haitianos e africanos. Logo na primeira visita, a iniciativa mudou completamente a minha energia. Me sinto mais feliz, mais centrado, contribuindo em minha área de especialidade, ao mesmo tempo que aprendo com eles a ver o Brasil com olhos novos. Conversando, nos curamos juntos de nossas expectativas e decepções. Acima de tudo, me sinto profundamente útil, apoiando pessoas que investiram tudo que tinham no sonho de uma vida melhor aqui.

A ideia de que voluntariado deve ser desinteressado é provavelmente a causa de tantas ONGs encontrarem dificuldades para recrutar e manter voluntários. Onde não há interesse (no sentido mais puro da palavra), não há ação sustentável.

Ao longo dos anos, encontrei voluntários com os mais diversos interesses. De certa forma, isso me ajudou a também quebrar a imagem do “voluntário bom”. Alguns buscavam no voluntariado cariciar seu ego, autopromover-se ou punir-se, consumidos pela culpa de seus privilégios. Outros pareciam sofrer de complexo de heroi, que os impelia a guiar “seres menos esclarecidos” à sua versão do caminho da luz. Outros desejavam saciar sua sede de poder, agindo como tiranos dentro dos conselhos de administração. Em todos estes casos, construíam uma barreira invisível entre eles e os beneficiados de seus serviços e, por isso, não permaneciam por muito tempo.

Voluntariado que é motivado pelo egoísmo ou pelo sacrifício se desvirtua.

A grande maioria dos voluntários que conheci eram pessoas inspiradas, espiritualizadas e genuinamente preocupadas em compreender a realidade de quem atendiam. Eram pessoas interessadas e apaixonadas pela causa que abraçavam, capazes de combinar sua vontade de ajudar com uma atuação que fazia sentido dentro do contexto de suas especialidades profissionais. Eram pessoas conscientes do tempo que poderiam disponibilizar e se comprometiam dentro de suas possibilidades, seja por 2 horas ao mês ou 8 horas por dia.

A escolha de uma iniciativa é feita com o coração. Ela parte de um impulso de alegria, de anseio por um mundo mais justo, de conexão com outras realidades, de compromisso pessoal com uma solução e com a comunidade. E se completa quando encontramos uma equipe de voluntários que nos acolhe de braços abertos e faz com que nos sintamos parte de uma mesma tribo.

Reconhecer que voluntariado não é uma via de mão única, que é um processo que transforma igualmente beneficiados e voluntários, será talvez o primeiro passo na construção de uma nação mais empática.

Acima de tudo, aprendi que ninguém será feliz até todos serem felizes.

eduardo.estellita@hotmail.com

programa de liderança para jovens. Organizador do <a href="http://www.facebook.com/TeDxLouvainLaNeuve">TEDxLouvainLaNeuve</a>."