Há um provérbio interessante sobre percepção que li pela primeira vez na voz do David Foster Wallace, sobre os peixes e a água.
Link Youtube | Tá em inglês mas vale o play. Se não quiser ou não puder assistir, aqui embaixo eu explico
Dois peixes estão nadando juntos e eles encontram um peixe mais velho nadando na direção deles. O peixe mais velho, ao passar, diz “bom dia, garotos, como está a água hoje?”. E os dois peixes nadam por um tempo, e então, eventualmente, um deles olha para o outro e diz: “o que diabos é água?”.
O sucesso é um tipo de água para a sociedade. Ninguém sabe exatamente o que significa, mas continuamos a investir porções cada vez maiores da vida na busca.
Como uma das minhas definições preferidas de estratégia é “fazer as coisas por um motivo”, como estrategistas, não faz sentido buscar sucesso se não pudermos defini-lo.
O sucesso provavelmente não é o que você está pensando
Dependendo de sua resposta, a forma como você se porta diante da vida será diferente.
Afinal de contas, para você, o que é o sucesso?
Permita-me encurtar logo seu caminho e lhe poupar alguns anos de buscas infrutíferas na vida.
Sucesso não é ser rico. Mesmo os milionários da noite para o dia, vencedores de loterias, voltam ao padrão anterior de felicidade depois de alguns meses. Além disso, o corpo de estudos do Dan Kahneman mostra como dinheiro pára de influenciar tanto na felicidade depois que passa de um teto limite, suficiente para suprir suas necessidades razoáveis.
Sucesso não está nos “prazeres” da vida. E, como humanidade, já sabemos disso há muito tempo. O próprio Hedonismo, escola filosófica dedicada à busca pelo prazer, não buscava prazer nessas fontes valorizadas pela sociedade hoje. Epícuro vivia uma vida simples, com alimentação regulada, cercado por amigos em uma casa comunitária, na qual eles discutiam sobre filosofia, plantavam o que precisavam comer e viviam de forma mais ou menos independente.
Sucesso não é viajar pelo mundo. Viajar não vai te fazer feliz por um simples motivo: você estará em sua companhia o tempo inteiro. Não adianta esperar que os problemas vão embora porque você mudou de lugar. “São a razão e a prudência, e não essas praias de onde se vê a imensidão do mar, que dissipam a tristeza.”, disse Horácio.
Sucesso não vem da maximização de um fator, seja ele relacionamentos, dinheiro, viagens, status ou prazeres.
O que constitui o sucesso, então?
Nassim Taleb é uma das mentes mais brilhantes ainda vivas. Autor de vários bestsellers, dentre eles A Lógica do Cisne Negro e Antifrágil, ele ficou rico cedo na vida como trader no mercado de ações, usando seu conhecimento e sua inteligência para ganhar bastante enquanto outros perderam muito na crise de 1987.
Por todas as definições tradicionais de sucesso, ele é bem sucedido. Mas ainda assim, ele começou um discurso recente, na Universidade Americana em Beirute, da seguinte maneira:
“Esse é o primeiro discurso de graduação que eu já fui (não fui para minha própria graduação). Além disso, eu tenho que descobrir como lecionar vocês sobre sucesso quando eu mesmo não me sinto bem sucedido ainda – e isso não é falsa modéstia.”
Isso me colocou seriamente em modo reflexivo. Se nem Taleb se sente bem sucedido, por que eu iria “entrar nesse jogo” de buscar sucesso na vida? Ele então prossegue e sedimenta minha definição pessoal de sucesso em definitivo.
“Por que eu tenho uma única definição de sucesso: você olha no espelho toda noite, e se pergunta se você desaponta seu eu de 18 anos, aquele 'eu' bem antes da idade em que as pessoas começam a ser corrompidas pela vida. Deixe que ele ou ela sejam os únicos juízes; não sua reputação, não sua riqueza, não seu status na comunidade, não as decorações em sua lapela. Se você não se sente envergonhado, você é bem sucedido. Todas as outras definições de sucesso são construções modernas; frágeis construções modernas.”
Como definir o sucesso para você
Uma forma de materializar o pensamento de Taleb em sua realidade é um exercício simples, um dos primeiros questionamentos que faço com clientes de consultorias. Pense na pergunta: “Como você vê sua vida daqui a 25 anos?”
O futuro distante serve como um bom guia daquilo que você valoriza hoje e quer alcançar, assim como o passado pré-18 anos como sugerido por Taleb. Algumas pessoas precisam de perguntas extras para aprofundar o que desejam por responderem de modo muito genérico, como “ser milionário”, ou “viver viajando”, mas é sempre possível chegar à raiz da resposta.
25 anos é longe o suficiente para filtrar todo o barulho gerado pelos acontecimentos diários, removendo você do inferno tático e colocando no paraíso estratégico de sua vida.
Buscando em meu arquivo pessoal, vi que quebrei minhas respostas nas 3 principais áreas da vida. Vou colar minhas respostas aqui para você, mas apenas como exemplo. Para fins de referência, daqui a 25 anos estarei chegando aos 50. E também como exercício em transparência – como diz Taleb, você só pode eticamente vocalizar uma opinião se também tiver “investido pessoalmente naquilo”.
"Saúde – Meu corpo é forte, seco (<13% de gordura corporal) e resistente. Eu sou flexível e tenho músculos ativos: consigo fazer até 10 PULL UPS a qualquer momento e consigo correr 10 km em menos de uma hora. Todos os meus sistema estão de pé e minha alimentação e nível de mobilidade são focados na manutenção de um corpo vibrante.
Carreira/Negócios – Eu tenho suficiente dinheiro para que eu possa usar coragem e sabedoria, não apenas trabalho pesado, para criar riqueza. Eu quero alavancar todos os meus outros ativos (além do tempo) para ajudar outras pessoas a criarem o máximo de impacto com suas vidas.
Relacionamentos – Eu dedico tempo suficiente para cultivar todos os meus relacionamentos próximos. Eu observo meus filhos crescerem, mantenho meu casamento vivo e vibrante e mantenho minha família próxima a mim. Eu tenho várias pessoas olhando para mim em busca de conselhos e eu aconselho jovens para ajudá-los a alcançarem seus potenciais e criar impacto com suas vidas."
Pense com calma e faça o exercício. Você não precisa dividir o futuro em pilares, embora seja útil para objetividade. Escreva sua própria definição de sucesso.
No discurso de Taleb mencionado, ele segue discutindo o que ele faz na própria vida.
- Não leia jornais ou siga as notícias de forma alguma.
- Se algo não faz sentido, você fala e fala em voz alta. Você sofrerá um pouco, mas será antifrágil – no longo prazo as pessoas que precisam confiar em você irão confiar.
- Trate o porteiro com um pouco mais de respeito do que o chefão.
- Se algo é entediante, evite – exceto pelos impostos e pelas visitas a sua sogra. Por que? Porque sua biologia é o melhor detector de bobagem que existe; use ele para navegar sua vida.
Há muitas passagens como essas nos livros de Taleb. Algo que faz a literatura dele ser bastante útil é esse viés prático, heurístico, que tenta encapsular sabedoria no formato útil do dia a dia e simples de ser digerido. Ele termina o discurso com a seguinte máxima, que são coisas para evitar em absoluto:
“Músculos sem força, amizade sem confiança, opinião sem risco, mudança sem estética, idade sem valores, comida sem nutrição, poder sem justiça, fatos sem rigor, diplomas sem erudição, militarismo sem fortitude, progresso sem civilização, complicação sem profundidade, fluência sem conteúdo, e, acima de tudo, religião sem tolerância.”
De agora em diante, sempre que você pensar, discutir ou planejar o sucesso, substitua todas respostas que existem lá fora pela sua. E aja de acordo.
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