Não é irônico? Ao mesmo tempo que a esperança parece ser o nosso motor, aquilo que nos impulsiona, ela nos engana, nos decepciona, destrói nossos relacionamentos e nos faz cometer atos que algum tempo depois não nos orgulham muito.

Link YouTube | Esse vídeo é caricato; a minha e a sua relação são beeem diferentes, especiais, imprevisíveis, fala aí

Será que a esperança não é uma grande armadilha?

A única coisa que nos machuca

“A esperança é uma alegria inconstante, nascida da ideia de uma coisa futura ou passada, de cujo desenlace duvidamos em certa medida.
O medo é uma tristeza inconstante, nascida da ideia de uma coisa futura ou passada, de cujo desenlace duvidamos em certa medida.
Segue dessas definições que não há esperança sem medo, nem medo sem esperança. […] Quem está suspenso na esperança e duvida do desenlace teme enquanto espera, e quem está suspenso no medo e duvida do que possa acontecer espera enquanto teme.”
– Espinosa | Ética

Link Vimeo | “Quem está equivocado: aquele que falhou ou aquele que esperava que o outro nunca falhasse?”

A esperança é a nossa própria incapacidade de confiar, de deixar acontecer, de perceber a riqueza do momento – ou de alguém – exatamente como ele é, sem ter a pretensão de melhorá-lo.

Quando sentamos em silêncio, ou deitamos apenas com a intenção de soltar, relaxar, talvez haja um ponto no qual nós ficamos com medo de passar. Confiamos até algum momento, mas quando relaxamos, pode ser que surja um medo de passar dali, de pagar para ver, de deixar acontecer. Então, nos movemos. Não sabemos abandonar o controle. Ao mesmo tempo, se percebemos que um movimento pode não ser suficiente para garantir o que esperamos, tememos.

Por isso, dizer que a esperança traz consigo o medo não é expressar exatamente o que ocorre. Não é como se ela fosse algo distinto do medo, num nível em que, com o esforço e consumo de energia correto você possa extrair apenas o que há de prazeroso ali. Não, o medo e a esperança são inseparáveis. Onde houver um, haverá o outro.

O Reich de Hitler, loucura coletiva e cegueira

“Aquilo parece que tem lógica, parece que funciona, mobiliza coletivamente e parece natural. Parece normal, parece direito, mesmo que a gente tenha perseguições das pessoas num período de guerra, é muito espantoso. O Reich do Hitler era para mil anos. Aquilo não durou dez anos, mas a loucura se estabelece como se fosse absoluta, como se aquilo fosse sólido.
As loucuras coletivas se estabelecem deste modo. Aquele discurso funciona para todos, aí quando termina, aquilo se rompe, dá um estrondo e a pessoa fica sem saber qual o seu referencial. Ela não está mais jogando aquele jogo, mas não sabe que jogo vai jogar.
Nós temos as loucuras individuais e as loucuras coletivas. Elas são baseadas nessa característica: quando a gente vê as pessoas desrespeitando os outros, passando por cima dos outros, isso já é o sinal da loucura. A pessoa se fixa em alguma coisa, ela já não vê o outro, só vê o outro como alguma coisa dentro da sua própria vida. Este é um sintoma.”
–Lama Padma Samten

A esperança pode nos levar a construir contextos onde o outro se torna uma mera ferramenta para os nossos desejos, a acreditar que alguém está fazendo algo contra nós, quando na verdade está apenas usufruindo de sua liberdade natural.

Num primeiro encontro, quando sabemos que pode surgir um relacionamento mais profundo, é ela que nos faz deixar de falar com o coração para passar a interpretar papéis, tentando criar impressões ou evitarmos perder o que queremos.

Se seguirmos o roteiro da esperança, podemos sentir carência, podemos entrar em infernos, nos enfurecermos por não termos o que desejamos ou, talvez, nos tornemos invejosos. Tudo fruto de uma cegueira momentânea. Focamos algo e esquecemos de todo o resto.

Quanto mais esperançosos estivermos, quanto mais expectativas somarmos a qualquer ação, maiores as chances de agirmos negativamente, autocentrados, e simplesmente deixarmos de notar o que está acontecendo ao nosso redor. Isso pode nos levar a criar contextos favoráveis que não passam de alucinações, nos posicionarmos como vítimas, nos culparmos ou, em situações mais extremas, atropelar o outro, sermos agressivos, causarmos danos.

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Sofremos na exata medida em que esperamos que as coisas sejam de um jeito e não de outro.

Somos equilibristas

“Deixar o meu trabalho e começar minha carreira como escritor foi um tremendo risco. Aquilo foi como um salto do precipício, um tiro no escuro.
Mas qualquer coisa que tem valor nas nossas vidas – seja uma carreira, uma obra de arte, uma relação – começará sempre como num salto desses. E para estar capacitado a dá-lo, você tem que deixar de lado o medo de cair e o desejo de obter êxito. Tem que fazer essas coisas completamente puras, sem medo, sem desejo.
Por que as coisas que fazemos sem luxúria ou ambições são as mais puras ações que podemos fazer.”
Alan Moore

Sempre que esperamos algo, começamos a agir com base em um script, um roteiro, que nos aprisiona. Ele começa a ditar o rumo das nossas ações, baseado num parâmetro que, naquele momento, parece ser a coisa mais óbvia a se fazer: eu preciso conseguir o que desejo.

Por causa da esperança de que as coisas sejam de um jeito e não de outro, começamos a sustentar experiências, como garçons apressados no meio de um restaurante lotado.

O fato de tentarmos equilibrar esses pratos limita nossos movimentos. Se alguém nos chamar e nos distrairmos por um segundo, teremos apenas os cacos para varrer. Esquecemos que toda essa tensão pode ser facilmente aliviada se equilibrarmos menos coisas em cima das nossas bandejas. Só assim poderemos ter um pouco mais de liberdade para nos movimentarmos com menos medo de estragar tudo.

Se não há nada a ser sustentado, não há por que termos medo de pisar em falso e deixar tudo simplesmente cair.

Quais identidades estamos sustentando?

“A pergunta para nós mesmos, quando estamos em crise, isso quando no meio de uma crise a gente consegue pensar, seria: ‘Qual o bambu que nós estamos sustentando?’ Nós temos vários bambus. Vocês vão ver que estão as identidades ali. O que nós estamos sustentando?
Se vocês não conseguem pensar o que nós estamos sustentando, pensem: ‘O que seria muito ruim se viesse a acontecer?’ É a queda do bambu. Quando nós estamos na região dos infernos podemos pensar: ‘O medo vem daonde?’ O que produz medo em mim?'”
– Lama Padma Samten

É possível falar de medo citando nossos planos e esperanças, assim como podemos saber o que esperamos apenas listando nossos medos. Da mesma forma, podemos olhar para o presente e pensar o que nos traria sofrimento se acontecesse. Se olharmos dessa forma, vamos perceber que esses são os processos que estamos suando para sustentar.

No meu caso, estes são apenas alguns dos meus muitos medos-esperanças:

  • Eu espero ter filhos um dia, com todo o circo de comercial de margarina. Incluindo no pacote uma esposa, um cachorro e vizinhos que tolerem meus churrascos de domingo.
  • Espero conseguir tocar e viajar com a minha banda por uns dois ou três anos (sim, com esse tempo estipulado e tudo).
  • Espero me formar designer, por puro medo de que dê tudo errado e eu não tenha para onde correr.
  • Cago de medo de ficar cego ou sem habilidades manuais.
  • Tenho muito medo do dia em que a minha mãe e o meu irmão morrerem, a ponto de desejar morrer primeiro.
  • Tenho medo de ficar desempregado, perder tudo, me atolar em dívidas e acabar virando mendigo.

As respostas que surgem dessa pergunta escancaram nossas fragilidades, a causa de toda inquietude, insatisfação, conflito, sofrimento.

Podemos continuar o papo nos comentários. O que você está sustentando? Você têm medo de quê? Onde estão suas esperanças?

Luciano Ribeiro

Cantor, guitarrista, compositor e editor do PapodeHomem nas horas vagas. Você pode assistir no <a>Youtube</a>