david letterman, jon stewart e stephen colbert tinham importantes talk-shows no fim de noite da tevê norte-americana. os dois primeiros se aposentaram e o último assumiu o programa de letterman, passando quase um ano fora do ar entre empregos.
mas os três têm outra coisa em comum: assim que não precisaram mais se manter diariamente impecáveis e bem-escanhoados, a primeira coisa que fizeram foi deixar crescer longas, felpudas, salientes barbas.
essa barba ganhou até um nome: “achievement beard”. (literalmente: “barba da realização”) ou, como prefiro traduzir, “barba do dever cumprido”.
reparem que estamos falando de uma barba bem específica, como detalha esse artigo na new yorker:
se o homem for muito jovem e não tiver tido tempo de ter uma longa e honrosa carreira, não é “barba do dever cumprido”. se tiver saído do ar demitido ou em desgraça, menos ainda.
nos homens maduros que abandonaram as câmeras por vontade própria, em seus próprios termos, o que a “barba do dever cumprido” está comunicando é:
“dei os meus melhores anos escanhoando o rosto todas as noites para divertir vocês. agora, estou livre para deixar meus pelos crescerem em paz.”
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e eu, que há vários anos escrevo sobre os diversos tipos de outrofobia, fico aqui pensando.
ano passado, a também apresentadora de talk show de fim de noite marília gabriela também anunciou sua aposentadoria.
imaginem o que diriam as revistas se ela, de repente, fosse flagrada na fila da padaria com (o horror! o horror!) pelos em seu corpo?
será que chamariam seus pelos do rosto de “buço do dever cumprido” ou será que simplesmente diriam que está desleixada (como katie holmes) ou com a “depilação vencida” (como grazi massafera)?
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como homem, dou testemunho que a obrigação social de fazer a barba todos os dias é sim um sacrifício. deixei de me barbear em 2011 e, todos os dias, minha pele agradece.
então, fico feliz que nós, a sociedade, a imprensa, etc, reconhecemos que os homens que se barbearam todos os dias para nos entreter merecem, agora, na aposentadoria, o direito de também dar um descanso a sua pele.
proponho, humildemente, que estendamos essa generosidade também às mulheres, de todas as cores, idades, tamanhos, profissões, que sofrem muito mais restrições corporais que qualquer homem, mesmo os mais visados e fotografados.
nada contra quem escolhe depilar: meu corpo, minhas regras, seu corpo, suas regras.
mas que tenhamos, todos e todas, também o direito de, se quisermos, não tirar nossos pelos.
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sobre esse e outros temas, confira meu livro outrofobia: textos militantes.
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