Antes de começar o texto quero propor um rápido exercício. Pare tudo que você está fazendo e visualize mentalmente um quadrado perfeito, com quatro lados iguais, completamente vermelho e mantenha-o imóvel por, mais ou menos, 30 segundos. Pode começar… eu te espero!

Difícil, não é?

Muitas coisas acabam acontecendo. O quadrado teima em se mover… ou em mudar de cor, ou em adquirir outros formatos. Não é fácil dominá-lo com a sua simples vontade.

Esse breve exercício demonstra uma coisa bem complexa: nossa mente não é completamente controlável. Existe um tanto de autonomia nas coisas que pensamos e ela acaba intervindo nos nossos planos.

O que você chama de Eu é apenas uma parte de tudo que carrega dentro de você. Esse Eu, que na psicologia também chamamos de Ego, é apenas a parte da nossa mente que representa nossa identidade enquanto indivíduo. É onde guardamos as memórias, comportamentos e emoções que utilizamos para explicar quem somos, para descrever nossa personalidade. Somos muito mais que isso.

Além das fronteiras do Eu, dentro da cabeça de cada um, existe um mundo de possibilidades, ideias, emoções e, até mesmo, personalidades diferentes. É aquilo que nós, psicólogos, chamamos de inconsciente. Quando dormimos, por exemplo, vivenciamos os sonhos e temos contato com esse mundo, mas não apenas nesse momento… ao longo dos dias também somos tomados por conjuntos de imagens internas através daquilo que chamamos de imaginação.

Muita gente considera que tudo isso é apenas bobagem ou invenção. É comum, na nossa época, entender a imaginação (e todas as coisas ligadas a ela) como algo que nos afasta da realidade e atrapalha o discernimento. Perceber que não temos total controle sobre o que pensamos é incômodo e, por isso, tentamos afastar essa verdade inconveniente de nossas vidas.

Toda pessoa nasce com grande capacidade de imaginação. A criança vive boa parte do tempo em um mundo que mistura realidade externa e fantasia. Ela inventa brincadeiras e conta histórias fantásticas e, desse jeito, vai desenvolvendo sua personalidade, elaborando as coisas que vive, assimilando o mundo para dentro de si.

Conforme a gente vai crescendo, as estruturas do pensamento racional começam a amadurecer e passamos a separar realidade de fantasia. Passamos a entender que algumas coisas existem no mundo real e que outras só existem dentro das nossas cabeças. Nesse momento, somos incentivados a dar atenção, apenas, ao que existe no mundo externo e tratar nossas imaginações como algo sem importância.

Como você pôde perceber no exercício do início do texto, você pode até não acreditar em sua imaginação, mas uma parte da sua mente permanece independente do seu controle e vontade. São aquelas ideias que teimam em surgir, muitas vezes, em momentos inoportunos e que tiram nosso foco de onde ele deveria estar.

Você está dirigindo o seu carro, escuta uma música na rádio e se imagina como um grande astro da música. Vive as aventuras das turnês e a emoção de estar no palco. Quando volta a si, percebe que não viu o caminho por onde passou e mal se lembra da forma que esteve dirigindo. Acontece, também, quando você deita para dormir e uma enxurrada de ideias não permite que você relaxe e pegue no sono. Negar os conteúdos que existem na sua cabeça não faz com que eles desapareçam. Só diminui o seu conhecimento sobre eles.

Em um estudo que uniu estudos de antropologia e saúde mental, a pesquisadora Tanya Luhrmann, comparou grupos de esquizofrênicos dos Estados Unidos, África e Índia. O estudo focou no conteúdo das vozes que eram ouvidas por cada grupo. Como resultado, a pesquisa encontrou diferenças entre as alucinações provocadas pela cultura em que os sujeitos estavam inseridos.

A maior parte dos membros entrevistados do grupo indiano e africano definiram a relação com as vozes em suas mentes como positivas. Do lado estadunidense, todos os sujeitos relataram experiências em que as vozes eram autoritárias, violentas e crueis.

Luhrmann acredita que esse resultado é influenciado pela forma como as três culturas se organizam e enxergam as relações. A cultura estadunidense, fortemente baseada em ideias de individualidade, autossuficiência e que preza tanto o pensamento lógico-racional em detrimento de formas imaginativas, entenderia essas vozes como uma forma de violação mental.

Para lidar com essas fantasias que nos perseguem e assombram como fantasmas, temos que dar espaço e vez para o exercício da imaginação. Ao contrário do que muitos acreditam (ou imaginam!!), dar campo para a imaginação não aumenta o devaneio. O que ocorre é o estabelecimento de um espaço saudável para que essas ideias sejam trabalhadas e que nosso eu possa ter contato com nossa mente inconsciente.

Nos últimos tempos a psicologia tem percebido a importância de ter a imaginação com aliada na produção de saúde mental. É a partir daí que quero apresentar quatro propostas de como utilizar a imaginação a seu favor.

Aquiete-se e escute

A primeira tarefa para lidar com o inconsciente através da imaginação é abrir as portas da mente e convidar fantasia para entrar. É importante abrir o diálogo, dar espaço para que imagens surjam.

Para isso, começamos desligando o senso crítico em nós mesmos que fica tentando determinar o que é verdadeiro e falso. É importante relaxar, abrir mão da necessidade de controle e julgamento. Escolhemos um lugar silencioso e quieto. Nos sentamos (de preferência, para não cairmos no sono) em um lugar confortável e iniciamos o exercício.

Para muitos, esta primeira etapa é um pouco difícil nas primeiras vezes. Não fomos educados a relaxar e, quando tentamos, ficamos tensos, nos perguntando se estamos conseguindo algum êxito ou não. Para ajudar você pode usar algum tipo de relaxamento guiado no início (é possível encontrar vários na internet). Vá conhecendo os relaxamentos, testando e criando o próprio caminho… descobrindo qual método funciona melhor com você.

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Depois de relaxado, abandone os pensamentos do mundo exterior, as preocupações práticas, mas mantenha uma postura concentrada e de espera. Aguarde as imagens que poderão surgir. Não importa o que seja, tenha uma postura de aceitação. Acompanhe a imaginação e perceba seus elementos, cenário, história ou diálogos. Qualquer coisa é bem vinda. 

Você pode usar um sonho que teve. Pode criar um ambiente para que a história se desenrole, por exemplo, um cenário em que você fica passeando, esperando que algo aconteça. Pessoas que encontram dificuldade em esperar algo surgir de uma mente vazia, utilizam esse truque e ajuda bastante.

Pode ser que você dê sorte e a experiência flua com facilidade logo nas primeiras tentativas, mas pode ser que você precise ter paciência e tenha que manter a espera por um pouco mais de tempo. Algumas vezes, a imagem surge rapidamente e some… Tudo bem, faz parte. Não desanime por isso. O treinamento ajuda bastante.

Interaja com as imagens e seus personagens de forma sincera. Lembre-se que você está em contato com você mesmo, mentir não serve de grande coisa.

Registre o que surgir

A imaginação, assim como o sonho, é constituída de matéria sutil. Se não registrarmos de alguma forma o que aconteceu durante o exercício, podemos esquecer o que foi vivenciado em poucos dias ou mesmo horas.

Cada pessoa encontra um jeito de registrar suas imaginações. Há quem escreva, há quem pinte ou modele em argila. Algumas pessoas preferem fazer o registro durante a imaginação, outras esperam até o fim da fantasia. Fica ao critério de cada um. A imaginação é uma atividade que precisa de liberdade.

Estes registros ajudam a contextualizar as fantasias. Fica mais fácil saber o que imaginamos em uma determinada época ou contexto. O registro mostra como nossas ideias inconscientes foram se desdobrando, para onde caminharam. Além disso, a série de registros, ajuda na próxima etapa, uma vez que temos um volume maior de imaginações para analisar.

Interprete

A proposta de interpretar as imaginações é algo que pode causar alguma confusão. Por isso, preciso começar com um alerta.

É hábito entender a interpretação de alguma coisa como o ato de identificar o sentido oculto por trás objeto interpretado. Temos por base que o objeto, na verdade, representa alguma outra coisa e nossa tarefa é descobrir esse sentido outro… traduzir a imagem para uma linguagem mais prática, racional.

Lembre-se do que eu disse na primeira proposta: é importante abrir mão do julgamento sobre as fantasias. As imagens que surgiram durante o exercício são o que são e não precisam de algum tipo de tradução. Aceite-as como realidade psíquica. Embora elas não existam no mundo exterior, são reais dentro de você.

Interpretar as imagens é muito menos dar sentido a elas e muito mais interagir com seus conteúdos e expressões. Ao invés de perguntar o que elas significam, pergunte o que elas provocam, qual a importância de cada uma, porque elas te acompanham, o que querem de você.

A intenção de todo esse processo é trabalhar o mundo interno com um pouco mais de respeito e não se consegue isso ameaçando dissecá-lo vivo. Traga as imagens para perto de si e medite sobre cada uma delas. Aos poucos, você começa a compreendê-las de uma forma mais vivencial. Talvez não seja possível explicar com palavras, mas existirá um entendimento profundo.

Experiencie

Por último, mas não menos importante, traga o inconsciente para sua vida. Para explicar o que quero dizer com isso, vou contar uma história.

Uma pessoa, muito querida por mim, que não tem crenças religiosas, tem o hábito de fazer uma promessa anual no dia de São José. Todo ano ela faz um pedido ao santo e sorteia uma fruta que não poderá consumir ao longo do mesmo em troca da realização do desejo. Quando perguntada se ela acreditava que São José realmente realizaria seu pedido em troca da penitência, ela disse que não. O santo não realizaria o pedido, mas ela tinha um pequeno ritual constante que a lembrava de seus planos. Era uma forma de se comunicar com o inconsciente, através da imagem cristã.

Quando nos dedicamos ao estudo da mente, fica difícil não perceber como várias fantasias se aproximam de ideias mágicas e míticas. As tradições espirituais nos ensinaram que, para lidar com esse mundo, rituais podem ser de grande valia.

Crie um exercício simbólico para se ligar com seus conteúdos internos. Pense em um pequeno ritual que te ajude a lembrar do que foi aprendido durante seus processos de imaginação. Use sua criatividade e se permita ouvir o que inconsciente indica a você. Uma coisa estimula a outra.

Por fim, acho importante dizer que a imaginação é um mundo e as possibilidades de interação são inumeráveis. Não tenho a menor intenção de esgotar o assunto. Meu interesse é só abrir o caminho e incentivar a curiosidade para que se possa pesquisar, testar e conhecer mais sobre.

Você tem alguma experiência com seu mundo interno? Como você lida com a sua imaginação? Compartilhe com a gente! 

Marcelo Marchiori

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