Entrevista com Flavio Gomes

Continuando a matéria sobre o DKW #96, agora vamos com a entrevista exclsuiva de Flávio Gomes - o piloto da máquina - para o PdH.

Se não leu a primeira parte ainda, faça isso agora, vai precisar.

1 - Flávio, desde quando você é apaixonado pelo mundo dos motores?

Acho que desde sempre. Quando eu tinha quatro, cinco anos, meu pai me levava a Interlagos para ver corridas de DKW, JK, carreteiras... Em 1972, com 8 anos, fui ao primeiro GP de F-1 no Brasil. Sempre gostei de carros, colecionava, desenhava. E sempre gostei de carros antigos.

As corridas sempre foram muito presentes como torcedor, até 84, 85... Ia sempre para o Rio ver a F-1. Adorava, era uma farra e tanto. Em 88 comecei a trabalhar com isso, cobrindo F-1. No fundo, sempre estive ligado a carros e corridas. E com o passar do tempo juntei os dois: trabalhar com corridas e correr.

2 - Quantos carros antigos você possui na garagem? Existe um carinho especial por algum deles?

Mais do que deveria... São 22, fora as motos. Todos eles têm uma historinha, cada um merece o devido carinho. Carros são obras de arte que se movem. Resultado de milhares de horas de trabalho de engenheiros, projetistas, operários. E, em algum momento, eles foram, para uma família, a coisa mais importante do mundo.

O carro zero, que o pai conseguiu comprar com sacrifício e trabalho... E dentro de cada um deles milhares de histórias aconteceram, surgiram paixões, namoros, casamentos... Tenho a impressão que os carros carregam essas histórias dentro deles.

E, respondendo à sua segunda pergunta, meu primeiro DKW é muito especial.

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Sim, o Flávio tem saco roxo. Olhe aí uma das imagens que encontramos no blog dele.

3 - É impressão nossa, ou você jamais trocaria seus antigos por um 0 Km com cheirinho de concessionária? Por quê?

Porque se eu quiser comprar um carro novo, eu não preciso abrir mão de um antigo! Vou lá e compro, dentro de minhas possibilidades.

Agora, se a pergunta é: você venderia um antigo para comprar um zero? A resposta é "não". Não vendo carros. Só compro. Por isso minha mulher quer me matar!

4 - Quando decidiu competir na Super Classic? Você possui um entusiasmo maior com essa categoria ou simplesmente gosta de qualquer competição de automobilismo?

Na prática, eu criei a Superclassic ao promover um desfile de carros antigos de corrida na preliminar do GP do Brasil de 2003. Em 2002, resolvi fazer um DKW de corrida igual aos da equipe oficial da Vemag para ficar na minha coleção.

Não havia corridas de carros antigos no Brasil. Algumas pessoas que participaram se entusiasmaram, nasceu um embrião de campeonato e me enfiei de cabeça nele, fazendo regulamento, chamando gente, divulgando... Gosto da categoria, embora ela tenha se desviado do propósito original porque muita gente está fazendo carros modernos com carcaça de carro antigo.

Mas meu barato é correr de DKW e tentar viver, 40 anos depois, aquilo que os pioneiros do automobilismo brasileiro viveram. E tenho uma total reverência pela marca, os DKWs são muito importantes não só na história das corridas, como da indústria brasileira.

5 - E o DKW #96, quando ele entrou em cena nas pistas?

Ele nasceu como #17, depois usou o número 12, e no começo de 2006 fiz um concurso no meu blog para mudar a pintura do carro. Com uma única condição: ele deveria homenagear Norman Casari, grande piloto de DKW que havia morrido no final de 2005. Decidi que, para homenageá-lo, iria passar a usar o número 96.

Muita gente mandou sugestões e um rapaz chamado Bruno Mantovani fez esse desenho que eu uso até hoje. Ele lembra os carros brancos da Vemag e tem a pintura do Carcará, carro de recorde que o Norman guiou em 1966.

6 - O que faz o DKW #96 ser tão prestigiado nas etapas da Super Classic? É verdade que a torcida organizada é para ele, somente ele, e não para o piloto?

Acho que sim, o carro é bem mais adorado que o piloto! Sei lá. Acho que o fato de ser o único originalzinho, que correr do jeito que corriam esses carros há 40 anos. É um carro simpático, carismático, histórico. E, de certa forma, um símbolo da categoria, porque ela nasceu em torno dele.

Além disso, foi graças a ele que muita gente que se conhecia virtualmente no meu blog passou a frequentar Interlagos, formando uma confraria de amigos que, acredito, atribuem a ele essa amizade...

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Flávio Gomes e o Herbi... quer dizer, o lendário DKW #96

7 – Eu soube que os tempos dele estão baixando cada vez mais. Você tem perspectiva de uma melhora de desempenho para as próximas etapas?

Mais ou menos. Esse carro começou virando em Interlagos na casa de 3min, muito lento. Fomos melhorando, dentro das possibilidades financeiras e técnicas, e hoje ele vira em 2min35s.

Mas não acho que vai melhorar muito, não. Faltam peças, e o investimento seria muito alto. Na verdade, o #96, infelizmente, está perto da aposentadoria. A categoria ficou muito diferente dele.

8 – A divisão de competições da Vemag não existe mais. Às vezes penso se há algum velho preparador de lá remanescente por aí. Foi fácil encontrar um maestro, 40 anos depois, capaz de levar o motor do #96 para as pistas?

Os principais nomes daquela equipe estão vivos: Jorge Lettry, o diretor, e Miguel Crispim, o mecânico-chefe. Crispim tem oficina ao lado da oficina onde fica meu carro.

Ele tem a receita do grande motor, mas não temos mais os meios de reproduzir o que se fazia naquela época, infelizmente. Naqueles tempos, havia uma fábrica por trás da equipe, com fartura de peças e recursos. Hoje a gente faz o motor como dá. E não está dando para fazer muita coisa.

9 – O DKW #96 algum dia irá parar?

Como eu disse, infelizmente vai. Cheguei a oferecer o carro, em forma de doação, para o museu da Audi em Ingolstadt. Estamos conversando. É o último DKW do mundo correndo regularmente, um carro que acabou ganhando uma certa importância.

A verdade é que a gente chegou no limite do carrinho, que tem dado demonstrações de cansaço. É uma pena, mas é uma realidade que mais cedo ou mais tarde eu teria de enfrentar. Mas há uma chance de ele ressuscitar.

Tenho a idéia de criar um site através do qual se possa criar uma comunidade em torno do carro, com possibilidade de patrocínio coletivo. Levantando um bom dinheiro, ele pode voltar à vida. Mas é apenas uma idéia. Não tenho nem quem possa colocá-la em prática, ainda. Quem sabe depois dessa entrevista apareçam candidatos...

10 – O que você diria se meu filho, daqui a 40 anos, lembrar do DKW #96 como eu lembro hoje da Carretera #18 de Cristófaro?

Seria uma honra e uma enorme alegria. Mas não há termos de comparação. A carretera do Camillo fez história de verdade, foi um carro vencedor, importante, ganhou Mil Milhas...

O #96 é apenas um símbolo meio lúdico de um retorno de algumas pessoas a Interlagos e de um mergulho na história do automobilismo brasileiro. Uma espécie de elo entre o presente e o passado. Um sobrevivente teimoso. Mas, esportivamente, ele não tem importância nenhuma.

Sentimentalmente, porém, acho que tem, sim, para algumas pessoas. Para mim, ao menos, é um grande herói.

A PdH agradece a participação dessa figura emblemática de nosso automobilismo e encerramos por aqui, pessoal.

Quer mais? Vai ler o excelente blog do Flávio Gomes!


publicado em 20 de Maio de 2008, 06:00
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Rodrigo Almeida

Engenheiro, apaixonado pela vida e por qualquer coisa com um motor potente, nostálgico entusiasta de muitas daquelas boas coisas que já não mais se fazem como antigamente.


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