Então quer dizer que você gosta de zumbis?

Ah, você gosta de zumbis?

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Por mais populares que esses personagens sejam hoje, as produções relacionadas a eles ainda não alcançaram o status que vampiros, lobisomens ou assassinos seriais ocupam no panteão do cinema/literatura de terror. Inúmeros filmes e séries já destacaram zumbis em suas histórias, mas, ainda assim, eles são meros plebeus quando comparados a outros monstros.

Apesar disso, os mortos-vivos têm aparecido com relativa frequência em filmes de terror muito aclamados pela crítica e pelo público desde 1930. Só para citar alguns dos clássicos desse gênero, destacamos: White Zombie (1932), Invasion of the Body Snatchers (1956), A noite dos mortos-vivos (1968), Extermínio (2002), REC (2007) e The Walking Dead (2010).

Com uma quantidade de produções suficientemente grande para deixar qualquer fã abastecido por milhares de horas na frente da televisão, é estranho afirmar que os zumbis ocupam um espaço marginal na história do cinema ou da televisão.

E por que isso acontece?

Alguns teóricos -- sim, a cultura zumbílica tem seus próprios pensadores -- afirmam que os mortos-vivos nunca foram levados a sério por conta da falta de referências literárias no passado, ao contrário dos vampiros e lobisomens, que possuem uma bagagem vastíssima, que vai de Drácula de Bram Stoker até o folclore europeu e antigas lendas.

Para que se tenha uma noção da pouca idade das publicações sobre zumbis, o primeiro registro no cenário anglo-saxônico deles é de 1929. O livro se chama A Ilha da Magia (The Magic Island), foi escrito por William Seabrook e tem como pano de fundo o cenário haitiano.

Por não terem tanta relevância comercial quanto os belos vampiros, os zumbis conquistaram um prêmio muito importante: o de pior histórico cinematográfico quando o quesito é qualidade. É impressionante a quantidade de filmes pobres, com pouca grana e feito às pressas que usaram os zumbis como personagens.

A primeira aparição dos zumbis

Ilustração feita por Alexander King para o livro "A Ilha da Magia"
Ilustração feita por Alexander King para o livro "A Ilha da Magia"

Os norte-americanos adoram um terrorzinho, né? Para eles, quanto mais sangue e morte tiver, melhor fica a história. Sendo assim, nada mais justo que tivessem sido eles os responsáveis pela introdução dos zumbis nas terras ocidentais.

Apesar do termo “zumbi” ter sido registrado pela primeira vez no Oxford English Dictionary em 1819 e fosse tema de inúmeros relatos entre os escravos do sul dos Estados Unidos, a primeira referência aos mortos-vivos é de 1889, em um artigo do jornalista e antropólogo Lafcadio Hearn publicado na Harper’s Magazine,  sob o título “The country of the comers-back” (“A terra dos que voltam”).

A fim de estudar a cultura e o folclore caribenhos, o jornalista foi para a Martinica em 1887. Lá, ele escutou diversas histórias, mas uma que lhe chamou mais atenção foi a dos corps cadavres (“mortos que caminham”) e foi ela a eleita para ser o eixo principal de sua matéria para a revista.

Porém, ele conseguiu recolher pouca informação, uma vez que os habitantes da ilha não pareciam muito dispostos a lhe revelar algo sobre aqueles monstros misteriosos que andam à noite. De qualquer maneira, ele voltou para os Estados Unidos e escreveu sobre o assunto.

Embora o texto de Hearn tenha despertado o interesse para o folclore caribenho, quem realmente popularizou a ideia dos mortos-vivos foi o aventureiro norte-americano William Seabrook, amigo do famoso ocultista Aleister Crowley. Ele chegou ao Haiti, considerada a “capital do vodu” em 1928. Suas pesquisas foram infinitamente mais aprofundadas que as de seu compatriota e formaram vários livros, incluindo o já citado A ilha da magia.

No livro, ele afirma ter sido apresentado a zumbis de verdade por um fazendeiro haitiano chamado Polynice. Além disso, ele descobriu que os zumbis eram entidades da crença voudoun caribenha que simbolizavam o medo, a desgraça e a perdição. Suas origens seguiam desde a ida dos escravos da África às Índias Ocidentais e acompanham a mistura entre o animismo africano e o catolicismo romano, semeado em terra estrangeira e, primitivamente, indígena.

A base central do vodu é a possessão dos corpos por deuses. E em seus rituais, a música e a dança levam os praticantes a estados similares ao transe, abrindo as portas para que os deuses possam dominá-los. Quando isso ocorre, a alma essencial da pessoa é retirada do corpo e a possessão se completa.

O problema acontece quando, durante o ritual vodu, um feiticeiro de má índole coordena os trabalhos e leva suas vítimas à “morte” da alma por meio de magia e poções. Contam as histórias caribenhas que o procedimento adoecia as pessoas e as levava, aparentemente, à morte.

Após isso, o feiticeiro capturava a alma essencial e, logo após o enterro, trazia o corpo de volta à vida, transformando-o num zumbi.

O zumbi haitiano
O zumbi haitiano

Com essa crença disseminada no senso comum haitiano, as famílias dos recém-falecidos tomavam os maiores cuidados na hora de enterrar seus parentes, desde enterrá-los em tumbas profundas até deixar pessoas de guarda para impedir as investidas dos maléficos feiticeiros.

Dessa forma, o maior medo dos haitianos não era ser atacado por zumbis, mas ser transformado em um.

A origem da palavra “zumbi”

Segundo a linguística, a raiz etimológica da palavra pode ter diversas origens. Entre elas, destacam-se o francês ombres (sombras), o caribenho jumbie (fantasma), o bonda africano zumbi e do kongo nzambi (espírito morto).

Os zumbis vão pro cinema

Após a luta pela libertação haitiana da metrópole francesa, o país passou por maus bocados. Uma série de revoltas sangrentas tornou o Haiti a segunda nação negra do hemisfério ocidental a conquistar sua independência.

Mas isso não passaria batido pela então potência emergente que era o Estados Unidos.  Os norte-americanos não demoraram muito tempo para ocupar geográfica e culturalmente o país, e acalmaram muito bem os ânimos por lá, apesar das crises de violência e banditismo ficarem cada vez mais frequentes.

Nessa mesma época, os filmes e as peças de terror começaram a se popularizar, destacando-se as produções expressionistas da Alemanha do período entre-guerras, tais como O Gabinete do Dr. Caligari (1919) e Nosferatu (1922), e a peça de teatro de Horace Liveright, Drácula (1927).

Nessa apoteose, uma nova geração de produtores de cinema foram incentivados a se arriscar no gênero de horror. Foi então que O Fantasma da Ópera (1925) e Frankenstein (1931) foram preparando terreno para o primeiro clássico do cinema zumbílico: White Zombie, de Victor e Edward Halperin.

Embora a temática estivesse se popularizando, a produção do filme era bastante arriscada, pois os custos eram altos e o retorno, incerto. Foi então que os Halperin tiveram a excelente ideia de chamar uma estrela do cinema naquela época.

Pôster do filme "White Zombie"
Pôster do filme "White Zombie"

E tiveram sorte, pois Bela Lugosi não apenas estava interessado no papel, mas desesperado, pois sua situação financeira era precária. Infelizmente, na pressa, o ator hungáro não negociou um acordo mais rentável e fechou o contrato de 800 dólares por semana, por apenas 11 dias de trabalho, ficando de fora de uma fatia dos inesperados 8 milhões de dólares arrecadados de bilheteria pela White Zombie.

No filme, é possível ver claramente a influência da mitologia do vodu haitiano -- com cadáveres horripilantes reanimados -- misturada a um cenário problemático dos Estados Unidos: a crise econômica de 29 de outubro de 1929.

Nessa época, as pessoas no país estavam sem emprego e sem dinheiro, e a criminalidade aterrorizava todo mundo. Assim como o cinema expressionista alemão retratava um mundo destruído pela guerra, o cinema de terror norte-americano mostrava o terror constante.

Depois de White Zombie, inúmeros filmes de mortos-vivos surgiram. Porém, poucos conseguiram o sucesso de seu predecessor e o estilo foi perdendo forças, até voltar para as classes mais baixas da cinematografia.

Porém, tudo muda quando...

O terror e a ficção científica se misturam

Com a Guerra Fria, o mundo se separa em dois grandes blocos. De um lado havia os Estados Unidos, legítimo representante do capitalismo. Do outro, a União Soviética levantando a bandeira do socialismo.

Como já é  de conhecimento de grande parte dos cinéfilos por aí, a cultura expansionista norte-americana utiliza todas as suas ferramentas, incluindo o cinema. Sendo assim, a combinação originada durante a Guerra Fria de perigo nuclear, anticomunismo e invasão extraterrestre fez com que o terror e a ficção científica se misturassem, gerando uma nova lista de monstros atômicos.

Segundo o teórico cultural Mark Jancovich, em seu livro Rational Fears: American horror in the 1950s, o que houve nessa época foi uma mudança de ênfase, “distanciando-se do terror gótico e encaminhando-se para uma preocupação com o mundo moderno”.

Um dos pontos interessantes para entender essa mistura zumbílica é o pulo da origem haitiana para a invasão extraterrestre.

Pôster de um filme alemão de 2012, que bebe da fonte dessa onda de zumbis e ficção cisntífica
Pôster de um filme alemão de 2012, que bebe da fonte dessa onda de zumbis e ficção cisntífica

A maioria dos filmes que abordam essa temática mostram marcianos tentando dominar a terra. A pergunta é: que apelido normalmente Marte recebe? O Planeta Vermelho. E qual era a cor da bandeira da União Soviética? Vemelha.

Não precisa mais explicar, né?

Esse foi um período de transição na história do cinema zumbi, no qual apenas poucos filmes -- não muito memoráveis -- tenham sido produzidos. Dentre eles, podemos citar Plano 9 do Espaço Sideral (1959) e Invasores invisíveis (1959). Mas, assim como alguns filmes foram abrindo caminho para White Zombie no passado, eles iniciaram o despertar dos mortos para o marco absoluto do gênero: A noite dos mortos-vivos (1968) de George A. Romero.

Agora a história engrena

Depois de uma série de filmes ruins, o gênero de terror se encontrava em crise e já não havia mais monstros que assustassem as plateias. E é, normalmente, quando isso acontece que um gênio aparece o coloca tudo de pernas pro ar. Não, ainda não estou falando de George Romero. O gênio em questão era Alfred Hitchcock.

Com seu Psicose (1950), mais uma vez o cenário muda. Saem os monstros bizarros, tão frequentes nas telas durante a década de 1950, e entra o terror no seio de uma família norte-americana que poderia muito bem ser vizinho de qualquer um.

E é nessa pegada que George Romero entra e causa outra reviravolta.

De baixo orçamento -- cerca de 114 mil dólares -- e financiado com dinheiro do próprio bolso dos produtores, o filme A noite dos mortos-vivos foi lançado em 2 de outubro de 1968, e a reação do público e da crítica foi imediata. Para muitos, as cenas são de sadismo explícito, com cabeças de zumbis sendo esmagadas e sangue correndo para todo lado. Para muitos, esse foi o filme que fez inaugurou a era moderna do terror norte-americano.

A principal importância do filme para o gênero está numa dimensão até então inédita ao mito: o canibalismo. Houve a transição de zumbis que apenas assustam e estrangulam suas vítimas para seres que gostam de comer carne humana. A partir daí, e até hoje, quase sempre os zumbis são carnívoros.

Romero e seus zumbis
Romero e seus zumbis

Outro ponto interessante é a particularidade herdada de Hitchcock. Com ele, o assassino pode morar ao lado, mas com Romero, os monstros são parentes, amigos, vizinhos etc.

Por opção, Romero afasta de vez as conotações vodus dos zumbis. Ele prefere ambientar seu cenário no mundo real, transformando o seguro em assustador, devido a uma mudança inexplicável na ordem natural das coisas. O que antes era tranquilo e sereno, transforma-se em um pandemônio zumbílico.

A visão apocalíptica traz também um niilismo nunca antes abordado.

Os sobreviventes não tem nenhuma base para se segurar, pois nunca passaram por essa situação antes.  Dessa forma, toda a moral, os valores e a verdade são extirpados e varridos pelos mortos-vivos enquanto tentam saciar sua fome de carne humana.

Contudo, o eixo principal do caos reside no fracasso dos vivos em cooperar e viver coletivamente, mesmo quando nada mais faz sentido. O problema dos mortos-vivos até poderia ser resolvido, mas diferenças mesquinhas fazem com que tudo se agrave.

A partir daí, os filmes de zumbi se popularizam de verdade e conquistam fãs incondicionais em todos os lugares e de todas as idades. O filme de Romero não apenas ganha diversas sequências, como vê o seu modelo de zumbi ser repetido em quase todas as produções posteriores, incluindo a tão afamada série de TV, The Walking Dead.

Os zumbis finalmente alcançam o lugar que merecem

Quem diria?

Os zumbis conseguiram estrelar a série de terror de maior sucesso no mundo. Transmitida pelo canal Fox, ela já alcançou sua quarta temporada e os fãs seguem com o mesmo gás de quando começaram a assistir. Mas, quem é antenado sabe que essa história não começou na tela, mas sim nas páginas de histórias em quadrinhos criadas por Robert Kirkman.

Publicada pela Image Comics desde 2003, a série recebeu o Eisner Award de Melhor Série Contínua na San Diego Comic-con, a maior feira de quadrinhos do mundo. A história tem como plot principal a luta de um grupo de pessoas pela sobrevivência num apocalipse zumbi, encabeçadas por um policial que tenta manter a ordem, mesmo que tudo, até mesmo sua família, estejam se despedaçando.

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O cenário apocalíptico pode até ser o mesmo inaugurado por Romero em 1968, mas a complexidade dramática dos personagens e a profundidade das justificativas políticas não deixa nada a desejar.

Apesar do sucesso da série de TV, muitas outras produções cinematográficas foram lançadas e fizeram sucesso nos 45 anos que nos separam da obra magna da cinematografia zumbílica. Dentre eles, podemos citar A volta dos mortos-vivos (1985), Resident Evil (o jogo é de 1996 e o filme, de 2002) e Zumbilândia (2009).

No Brasil, se destaca a produção de baixo custo Mangue Negro (2008), muito bem avaliada por quem já assistiu.

E você?  Consegue dizer qual o seu filme de zumbi preferido? Fique atento, porque opções não faltam nesse vastíssimo panteão.

Curiosidades

1. Você acredita que um apocalipse zumbi pode acontecer de verdade? A agência do governo norte-americano de controle e prevenção a doenças, CDC (Centers of Disease Control and Prevention), também acredita, e preparou um material interessante para auxiliar as pessoas no caso de esse evento ocorrer.

2. Zumbis existem, sim, e eles andam nas ruas. Tudo começou em 2001, na cidade de Sacramento, Califórnia, quando um grupo de pessoas que queria promover um festival de filmes trash decidiu sair nas ruas fantasiado de zumbi. Surgia então o Zombie Walk, que foi conquistando o mundo e já registrou 4200 participantes na edição de Seattle em 2010.

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Nota do editor: outra fonte interessante de entretenimento é o livro O Guia de Sobrevivência aos Zumbis, do autor Max Brooks. O que era para ser um livreto ara nerds é, na verdade, uma bela leitura sobre sobrevivência, mesmo que não tivesse nada a ver com zumbis. Muitos conhecimentos adquiridos e, de quebra, tem zumbis para todos os lados.


publicado em 18 de Outubro de 2013, 21:00
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Filipe Larêdo

Filipe Larêdo é um amante dos livros e aprendeu a editá-los. Atualmente trabalha na Editora Empíreo, um caminho que decidiu seguir na busca de publicar livros apaixonantes. É formado em Direito e em Produção Editorial.


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