Empresas legais que salvam os nossos cachorros e depois morrem

Participei da maior migração forçada da história. Dois milhões de pessoas tendo que abandonar suas casas ao mesmo tempo, graças à maior tragédia ambiental dos Estados Unidos e uma das maiores do mundo. Durante toda essa provação, com tanta coisa que eu deveria ter na cabeça, só conseguia pensar no meu cachorrinho.

A Continental Airlines voou mais de catorze missões de resgate de animais durante o Katrina. A empresa emprestou os aviões e pagou os custos, os funcionários voluntariaram seu tempo. Catorze aviões lotados de cães e gatos saíram de Nova Orleans — estima-se que o furacão Katrina matou cerca de 600 mil animais de estimação.

Mais tarde, a empresa transportou de graça os animais que tivessem sido separados dos donos. O meu Oliver, resgatado por um fotógrafo sino-americano e levado para Washington, foi enviado gratuitamente para mim em São Francisco, onde fui parar depois de rodar meio país. A Continental praticamente não fez propaganda disso. Eu só ouvi falar porque fui especificamente beneficiado.

Aí está o Oliver, todo feliz de estar sendo resgatado após 9 dias trancado sozinho em casa

Falem com qualquer criador, e a resposta é unânime: a Continental era, longe, a melhor empresa para transportar animais. Viajei com o Oliver duas vezes por ano durante seis anos, e a boa vontade e o cuidado dos funcionários da Continental nunca parou de me impressionar.

Finalmente, na última viagem do Oliver, quando retornei definitivamente para o Brasil, aconteceu um chabu seríssimo que quase inviabilizou toda a minha volta. Vinte minutos no telefone com a representante da Continental "para assuntos caninos" resolveram o irresolvível que nenhuma outra companhia quis resolver. E o Oliver ainda passou um fim de semana no pet-center da Continental em Houston antes de sua vinda definitiva para casa.

Agora, a Continental e a United se fundiram e, apesar da Continental ser consistentemente melhor avaliada que a United em tudo, decidiu-se que seria o nome da Continental a desaparecer. Em breve, provavelmente, a cultura interna da Continental vai se diluir dentro da nova United e restará somente uma megaempresa aérea, sem rosto e sem liquidez, como tantas.

Semana passada, a Continental fez seu último voo e eu fiquei triste, mesmo sabendo que é uma empresa fria, que não é uma pessoa, que ninguém deve carinho a empresas, blá blá blá.

Mas a gente passa a vida inteira lidando com empresas, como funcionário ou fornecedor, cliente ou consultor, e não dá pra negar que elas têm culturas, têm personalidades, têm climas. Existem empresas onde os funcionários claramente se sentem cuidados e felizes de estar lá, e outras onde todos parecem não só sofrer, como dispostos a passar esse sofrimento aos clientes e fornecedores. Em dez anos de consultorias de internet, a melhor empresa para a qual prestei serviços foi a Casa & Vídeo, que também não teve um destino dos melhores, enquanto a pior e mais escrota (que obviamente não vou nomear) só faz crescer. O mundo corporativo não é justo.

Mas, hoje, agora, o Oliver acabou de espreguiçar muito gostoso aqui na minha cama e, sabe?, que se foda, fico triste sim pela Continental.

Vocês podem dizer que ela continua viva dentro da United, assim como podem dizer que eu continuarei vivo dentro dos vermes que roerem minhas frias carnes, mas aquilo que fazia da Continental uma entidade com cultura própria se acabou. Que ela descanse em paz no céu das empresas felizes.

* * *

A história completa do Katrina e do resgate do Oliver está contada no meu livro Liberal Libertário Libertino, à venda aqui pelo PapodeHomem.

Oliver.


publicado em 12 de Março de 2012, 09:00
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Alex Castro

alex castro é. por enquanto. em breve, nem isso. // esse é um texto de ficção. // veja minha vídeo-biografia, me siga no facebook, assine minha newsletter.


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