“Freestyle é tipo oração, só se faz, não pensa” (trecho de “Ainda Ontem”)

O vento do rap nacional anda soprando pro norte e tal direção já se mostra promissora. No princípio a atenção era voltada pra Zona Sul (de onde saíram os “monstros” Thaíde e DJ Hum, Racionais MCs e Sabotage), mas o tempo se encarregou de espalhar os olhares do hip-hop pelos quatro ventos: para a Zona Oeste (com nomes como RZO e SP Funk), para a gigante Zona Leste (de onde despontaram grupos fortes como o Ao Cubo e Trilha Sonora do Gueto, e, hoje, a rima paulistana ganha frescor na Zona Norte.

Pra ilustrar o fato, temos três representantes da Z/N no VMB desse ano (a premiação da MTV rola no dia 1° de outubro) na categoria de rap. Além do RZO e do carioca MV Bill, estão no páreo o rapper Kamau (com seu inspirado Non Ducor, Duco), o grupo da Vila Galvão Relatos da Invasão, e o matador no freestyle, E.M.I.C.I.D.A.

“Triunfo”, clipe que concorre em diversas categorias no VMB

O nome real é Leandro Roque de Oliveira, mas o apelido caiu como uma luva… de boxe. Nas batalhas de freestyle, E.M.I.C.I.D.A é um tirano assassino. Com perspicácia e acidez nas frases, o flow do rapper assusta. Quando começa a desferir suas rimas como um pugilista pode ter certeza que alguém vai cair.

O tal Freestyle seria como o jazz do rap: improvisar letras rimadas e swingadas com a base de momento e sobre tudo o que se está à volta. E E.M.I.C.I.D.A fez disso brincadeira. Da brincadeira, fez coisa séria, rimando em batalhas de MCs e vencendo diversos campeonatos (das batalhas do metrô Santa Cruz e Rinha dos MCs, ambos em Sampa, até a liga dos MCs – São Paulo e nacional).

A coisa séria virou o currículo do garoto magro que começou a ser convidado pra rimar na noite e, daí, começou a apresentar seus sons. O improviso se tornou rotineiro e, até pra gravar seu álbum, E.M.I.C.I.D.A foi improvisando.

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O álbum Pra Quem já Mordeu Cachorro por Comida, Até que Eu Cheguei Longe foi todo feito de forma caseira, com bases desenvolvidas pelo colega e DJ Nyack, e com várias participações de parceiros do rap ou do improviso.

A banda paulista Projeto Nave arranja com propriedade a canção de abertura, “É Necessário Voltar ao Começo” (vídeo abaixo), um desabafo comum a quem vive na megalópole e de quem faz rap. Assim como existe a atitude e postura rock’n roll e a malandragem típica do samba, o rap acaba passando por osmose uma postura de insatisfação que pode, ou não, extrapolar).

O amor, o abandono, a correria, a lealdade, a luta, propósitos que percorrem todas as faixas.

As canções “E.M.I.C.I.D.A.” e “Ainda Ontem” passeiam por batidas poderosas e letras cheias de sagacidade. “Sozin”, “Hey Rap” e “Ooorra” já contam com pancadas sonoras e fúria nas divagações sobre o próprio rap e a vida.

Tem bastante espaço também para confissões de amor e relatos apaixonados, como nas faixas “Vô Busca mina Fulô”, “Ela me Diz e Sei lá”.

“É Necessário Voltar ao Começo”

O rap nacional passa por uma ótima transição e busca diversificar a sonoridade e o discurso, mantendo porém a tradição de contestar. E.M.I.C.I.D.A busca novos caminhos e mantém a fluência e o instinto do improviso, norteando o rap nacional pra níveis ainda melhores.

Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna <a>Do Amor</a>. Tem dois livros publicados