"Ela usava os emojis de putaria no celular dela" | Do Amor 90

A gente entende o que quer entender e cria, disso, um universo paralelo

O calor era tanto que parecia até a vinda do capeta na Terra bem naquele dia e bem naquele bairro. Ele esperava ao lado da janela, procurando algum tipo de refresco do vento enquanto ela terminava de colocar a parte dela na mochila da piscina. Apareceu de short e sem nada por cima, só o maiô florido mesmo. Óculos escuros, cabelo preso. Ele repassou a lista mental em voz alta, já sabendo dos jeitos esquecidos dela. "Pegou protetor? Pegou sua garrafa de água? a carteirinha do clube?". Tava tudo na mão. Era só chamr o Uber e partir pra preguiça no sol.

Se aproximando, ela lembrou também de avisar no grupo de amigos que eles já estavam de saída, caso alguém quisesse chegar na mesma hora. Pegou o celular e saiu digitando enquanto desciam as escadas do terceiro andar. Ela avisou que horário chegariam, ele pediu para avisar qual parte da piscina estariam. Lá fora, o quente tava rachando cimento. Dentro dele, mais calor. Ela estava particularmente bonita, um pedaço das costas de fora, aquela arrumação desleixada de quem tá indo se bagunçar na piscina. puxou ela contra seu peito e deu um beijo. Ela retribuiu e sorriu um sorriso agradecido olhando para si de cima para baixo, como se quisesse dizer "que bom que você gostou de mim assim, porque eu tô de qualquer jeito". E pegou o celular para ver as respostas. Leu e respondeu, deu uma risadinha quando o carro chegou. Entraram e ela mostrou para ele uma piada que alguém mandou, um desses prints de Twitter falando algo sobre se derreter, sobre estar virando sorvete pra alguém lamber.

E daí uma coisa. Uma coisinha de nada, daquelas que viram uma "coisona" de tudo. Uma "coisada" bem dada. Um coice. 

Ela foi responder ao divertimento e, depois de um "hahaha" já gravado pelo autocompletar do teclado, foi procurar um emoji que condissesse com a réplica que estava dando. E daí a coisa. O repuxo. Enquanto ela abria a aba das figuras, ainda rindo e tentando falar algo, puxou a atenção dos olhos dele que deu de cara bem na hora em que aparecem os amojis mais usados pela pessoa, sabe? Algo bobo, mas de uma intimidade profunda, porque mostra, em partes, ou melhor, figurativamente, quem a pessoa é. Quais sinais ela gosta de distribuir por aí. E ele reparou que, dos desenhos mais usados, estavam aqueles dos macaquinhos tapando os olhos, como se não quiessem ver o que estavam recebendo, em textos ou em fotos, tapando a boca, como se não quisessem falar o que queriam falar depois de ver esses textos, essas fotos. Tinha também aquele rosto redondo e amarelo com a boca escancaradas, cheia de dentes, como se tivessem falado algo que escapou e, agora, estava parcialmente arrependido.

Eu disse "parcialmente".

Pra fechar, lá no topo, junto com essas estampas de interpretação dúbia, estava aquela clássica, com a carrinha olhando meio de lado, com sorriso meio de lado também, como se quisesse dizer "hmmmmmmmm" pra o que tinha recebido. Em textos. Em fotos.

O choque que percorreu seu corpo o levou para o mundo das memórias, de um tempo não muito longínquo em que uma garota do trabalho estava de paquera com ele. Nada perigoso, eles não queriam de fato se pegar, mas gostavam de se sentir desejados no ambiente de trabalho. Ajudava a passar o tempo. E, pelo computador, ela mandava esses exatos emojis quando tava querendo falar algo, mas sem dizer. naquelas horas em que ela só jogava. Só brincava.

"Será que ela tá brincando por aí?", ele pensou, sentindo as mãos geladas uma em cima da outra. "Porra", ele seguiu consigo mesmo, "se justo esses rostinhos estão em destaque, as conversas devem ser constantes". E passou a pensar se seria uma só conversa, mas intensa. Se seriam várias conversinhas, só que fiadas. Se era uma coisa inocente, "vai que ela não tem a absoluta certeza das segundas interpretações?". Mas nada o acalmou. 

"A minha menina usa esses emojis", pensou já reticente, já meio cansado. Chegou no clube exausto. 

Dormiu debaixo do guarda sol quase a manhã toda.

Não aproveitou nada do dia.

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publicado em 14 de Setembro de 2018, 00:00
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Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna Do Amor. Tem dois livros publicados, o livro Do Amor e o Ela Prefere as Uvas Verdes, além de escrever histórias de verdade no Cartas de Amor, em que ele escreve um conto exclusivo pra você.


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