Ecstasy, trauma e psicoterapia: um caminho para a droga na psiquiatria

O MDMA, frequentemente associado ao ecstasy, pode auxiliar no tratamento de Transtorno de Estresse Pós-Traumático e é tema de pesquisa

Milhões já experimentaram. Muitos tomam com certa frequência ou tomaram corriqueiramente por um período de suas vidas. A maioria teve experiências positivamente marcantes – sensações de euforia, alegria e amor com o próximo, mesmo um estranho. Muitos sorrisos, alguns com bruxismo.

Ecstasy é a droga favorita da noitada, desde os anos 80. Danceterias, shows, raves. Um fenômeno cultural que provavelmente eclipsa o LSD dos anos 60.

Só que agora o ecstasy pode se tornar outro fenômeno: uma promissora inovação na psiquiatria. Terapeutas e cientistas estão propondo levar o ecstasy, ou, sendo mais preciso, a substância conhecida como MDMA, pra dentro do consultório. E o propósito é nobre: uma combinação da droga com psicoterapia para curar casos até então considerados intratáveis de Transtorno do Estresse Pós-Traumático.

Isto porque as maiores barreiras para qualquer trabalho de psicoterapia são nossas ansiedade e medos, que fazem com que nossa conversa, mesmo com o terapeuta, não vá direto ao ponto. Ou seja, temos receio de falar exatamente das coisas para as quais estamos lá pra conversar.

Sob efeito de uma substância como essa, teríamos mais coragem e talvez fôssemos mais objetivos sobre o que nos incomoda, desembuchando logo tudo que está entalado na garganta há tanto tempo, mas não sai.

A substância mágica: MDMA

Os efeitos do MDMA foram descobertos no final dos anos 60 pelo químico Alexander Shulgin. Maravilhado com o que percebeu como efeitos de estimular a empatia, ele apresentou a substância para amigos psicoterapeutas. Logo se formou uma comunidade de profissionais clínicos extremamente otimistas com o potencial da nova substância em auxiliar, catalizar, acelerar e facilitar diversos processos terapêuticos em sessões guiadas.

Essa prática durou pouco mais de uma década, e um exemplo bem documentado é o trabalho dos psiquiatras suíços Juraj Styk, Marianne Bloch e Samuel Widmer. Eles fizeram 818 sessões com MDMA em um grupo de 121 pacientes em tratamento de, em média, três anos. A imensa maioria dos pacientes relatou resultados benéficos e não houve qualquer intercorrência grave ou necessidade de hospitalização.

Mas, no final dos anos 70, o MDMA foi ficando famoso para finalidades recreativas e se tornou um fenômeno cultural imenso. A substância começou a ser vendida em bares e casas noturnas e ganhou o nome que o faz famoso até hoje: "ecstasy". A droga recreativa e o MDMA, no entanto, reservam suas diferenças.

O ecstasy se tornou a droga ilícita mais adulterada em toda a história. E o MDMA leva, injustamente, a culpa por efeitos tóxicos vindos de centenas de contaminantes e adulterantes encontrados em comprimidos vendidos com o nome de ecstasy. E o uso pra diversão quase que imediatamente causou reação governamental.

Em 1986, baseado em audiências juidiciais com terapeutas, pacientes e pesquisadores do MDMA, o Juiz Francis Young recomendou que a substância fosse classificada na categoria 3, que não permite uso recreativo, mas autoriza uso médico e pesquisas científicas.

Mas a DEA não seguiu a recomendação de quem estudou o caso e colocou o MDMA permanentemente na categoria 1, que nega qualquer existência de uso terapêutico, dificultando muito a pesquisa científica.

Seguindo a decisão do governo dos EUA, o uso clínico do MDMA foi limado de inúmeros livros de farmacologia e hoje sua história terapêutica é praticamente desconhecida por quase todo profissional na área de psiquiatria. Sobrou apenas o ecstasy, frequentemente citado como droga de abuso, viciante e tóxica, informações muito questionáveis frente a evidência científica disponível sobre o MDMA.

Mas isso está mudando.

MDMA na pesquisa e no consultório

A substância não foi esquecida por todos.

Fundada na época das audiências sobre a classificação do MDMA nos EUA nos anos 80, a Multidisciplinary Association for Psychedelic Studies (MAPS) é uma organização sem fins lucrativos que desde então se dedica à regulamentação do MDMA como medicamento. Em 2011 e 2012 publicaram artigos dos primeiros ensaios clínicos com MDMA controlados com placebo para o tratamento do Transtorno do Estresse Pós-Traumático (TEPT).

O TEPT é um transtorno mental grave e debilitante. Os pacientes sofrem com pesadelos recorrentes, ansiedade generalizada, medo intenso e revivências traumáticas quando expostos a situações que lembrem ou se assemelhem ao evento traumático de alguma maneira. Por exemplo, pacientes vítimas de sequestro relâmpago podem ter reações muito intensas quando algum carro para perto deles, especialmente à noite. Ou vítimas de abuso sexual, que ficam com medo generalizado e mal conseguem caminhar sozinhas na rua, desconfiadas de que todos são agressores em potencial..

O protocolo da MAPS inclui sessões de psicoterapia sem MDMA intercaladas com três sessões com a substância, nas quais os pacientes são acompanhados por dois terapeutas simultaneamente. Um modelo bem diferente do usual. E os resultados surpreenderam o mundo: 83% dos pacientes tratados com psicoterapia com MDMA não preenchiam mais os critérios de TEPT, contra apenas 25% no grupo placebo. E em acompanhamento de longo prazo mostraram que as melhoras persistiram por quatro anos em média. Como eram todos pacientes com TEPT resistente aos demais tratamentos existentes, os resultados foram chamados de "espetaculares" na Nature.

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Ácido, LSD, ayahuasca, ecstasy e cogumelos mágicos são substâncias exóticas que fazem parte do conjunto de drogas proibidas. Mas estas substâncias, conhecidas como psicodélicos, ainda são adoradas em festivais de música, usadas por milhares de jovens e adultos e também por personalidades famosas, que deram aos psicodélicos sua fama mundial como drogas recreativas, cujo uso teve seu ápice no movimento hippie nos EUA na década de 60.

Mas muito antes disso, os psicodélicos eram sensação nos laboratórios médicos e científicos. E é nestes lugares que estão novamente se tornando atração, mesmo com as leis dificultando muito as pesquisas.

A quantidade de publicações científicas com os psicodélicos foi imensa na década de 50, chegando a mais de mil estudos com LSD antes da proibição. E neste começo de século 21, após décadas quase totalmente esquecidos pela comunidade científica, a quantidade de publicações de alto impacto e prestígio sobre os psicodélicos voltou a crescer.

Universidades de ponta como a Johns Hopkins nos EUA e o Imperial College em Londres estão estudando os efeitos dos psicodélicos no cérebro, na mente e no tratamento de diversos transtornos graves e para os quais os tratamentos atuais são muito pouco eficazes. O entusiasmo é enorme, assim como o preconceito, dentro e fora das universidades.

E é por causa deste preconceito e de inúmeros mitos, tabus e desinformação que estou oferecendo um curso online sobre esta área fascinante da ciência.

As aulas começam no dia 30/6 e vão até 8/9

Em onze aulas pela internet, com uma hora cada e mais meia hora para perguntas, vou recontar a história dos psicodélicos dentro da ciência. As principais áreas abordadas incluem psicologia, farmacologia e neurociência. Mas você não precisa ser cientista ou aluno de universidade pra poder acompanhar. Além das aulas, teremos um grupo privado no Facebook para discussão e troca de informações, fazendo deste inverno uma época de profundo aprendizado e descobertas fascinantes. 

Nos últimos cinco anos participei ativamente de algumas destas pesquisas fascinantes e estou iniciando no Brasil a primeira pesquisa clínica com o uso do MDMA. Ela será parcialmente financiada por uma campanha de crowdfunding que fiz ano passado, e pagando o curso você também ajudará na execução desta e mais outras pesquisas com psicodélicos no Brasil. Nesta quinta, às 20h, a primeira aula será de introdução ao curso, e gratuita e aberta a todos os interessados. Inscrições podem ser feitas aqui.


publicado em 08 de Dezembro de 2015, 14:13
Unnamed

Eduardo Schenberg

Eduardo Ekman Schenberg é mestre em psicofarmacologia (UNIFESP) doutor em neurociências (USP) com pós-doutorado no Imperial College London. Estuda e pesquisa substâncias psicodélicas como MDMA, ayahuasca, ibogaína e LSD. É diretor do Instituto Plantando Consciência, uma fundação sem fins lucrativos dedicada a realizar pesquisas científicas com estas substâncias no Brasil.


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