Poucas coisas podem ser mais classe-média-sofre do que bradar contra a dublagem.

Quando encontro um militante anti-dublagem, eu explico, pacientemente:

Se a dublagem elimina o som original, as legendas tapam parte da tela. Quem passa o filme lendo não consegue absorver completamente o aspecto visual da obra. Em alguns filmes, pode-se perder muito, ou quase tudo, daquilo que ele tem de melhor.

Além disso, grande parte da população não consegue ler legendas na velocidade que seria necessária para acompanhar o filme. Pior ainda, quanto mais lenta é a leitura da pessoa, menos ela consegue prestar atenção no que acontece no resto da tela. E, naturalmente, quanto mais difícil e cansativo for o processo de ir ao cinema, menos filmes essa pessoa vai querer ver. Pra não falar, claro, nas crianças que estão aprendendo a ler, nos idosos que tem a vista fraca, e nas pessoas de todas as idades com problemas de visão que lhes impede de focar nas letrinhas.

Então, por tudo isso, essa defesa intransigente das legendas e esse ataque feroz à dublagem como se ela fosse o fim do mundo equivalem basicamente a se tomar como o “padrão normativo” e dar um foda-se para todo mundo que não tem a felicidade de ter a sua visão perfeita e sua escolaridade completa.

Ou seja, elitismo em último grau.

Maria Antonieta: "Eles não entendem inglês? Que façam IBEU!"'
Maria Antonieta: “Eles não entendem inglês? Que façam IBEU!”

Mas os anti-dublagem são ferrenhos. Exigem em altos brados seu direito de ouvir a voz do Brad Pitt, mesmo que não entendam nada do que ele está dizendo.

Por debaixo de seu discurso liberal e moderninho, a mensagem subjacente é o bom e velho narcisismo egocêntrico do eu-primeiro:

Que se fodam as pessoas que não tiveram educação o bastante para ler legendas em alta velocidade. Se eu consigo, então todo mundo tinha que conseguir e pronto. Elas que estudem mais!

Eu, então, para explicitar o não-dito, adoto o meu melhor tom de voz altivo e elitista, e respondo:

Leia também  Top 11 filmes de Natal

EU falo inglês fluentemente, já morei nos Estados Unidos, já dei aulas em universidades americanas. Que se fodam as pessoas que não tem educação o bastante para entender esses filmes no original. Afinal, se EU entendo, eles também poderiam entender, não? O que não pode, o que não dá!, é EU, logo EU, ter que aturar umas letrinhas sambando lá embaixo, bloqueando os pés das atrizes que EU mais quero ver e distraindo meus olhos, só porque tem gente ignorante que não é fluente em inglês, né? Tenha santa paciência! Que se matriculem no IBEU!

Nessa hora, o militante anti-dublagem me acusa de elitista, reclama que estou dando carteirada, e se ofende de eu usar meu inglês perfeito para diminuí-lo — comprovando assim, de fato, que a ironia e o sarcasmo estão mortos nessa terra.

Uma das melhores soluções para o elitismo da classe média é aplicar sobre eles toda a força excludente do elitismo da classe rica. No mínimo, é divertido.

Alex Castro

alex castro é. por enquanto. em breve, nem isso. // esse é um texto de ficção. // veja minha <a title=quem sou eu