Como desconstruir clichês com uma estrutura clichê de contar histórias. Dope é um filme que faz isso com plena noção e talento. 

A história gira em torno de três amigos que amanhecem com uma mochila cheia de drogas e precisam resolver esse problema. Estamos falando de dois adolescentes negros – ele é virgem e ela é lésbica – e um garoto “14% africano” moradores de Inglewood, bairro ao sudoeste da califórnia conhecido por ser uma região perigosa de negros e latinos.

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Mas não se trara de mais uma história de tensão e violência, a busca desenfreada pelo sonho americano. Malcolm, Diggy e Jib são nerds até o osso, um trio de estudiosos e adoradores do rap dos anos 90. Eles usam roupas coloridas, cabelos e tênis vintage, ouvem fitas cassete em seus walkman e não sabem porra nenhuma sobre armas, festas ou drogas. Eles têm uma banda, adoram tocar um punk rock juvenil e modernoso, uma espécie de Scott Pilgrim afro, manjam de bitcoins e morrem de medo de apanhar na escola ou ter que lidar com os grupos barra pesada do bairro.

E o clichê fica na trama bem aos moldes de filmes vespertinos dos anos 90, mas que vai desconstruindo a identidade comum que temos desse tipo de molecada. Depois de uma noite caótica em que Malcolm está perdidamente apaixonado pela namorada do traficas do bairro, eles ficam com a mochila cheia de drogas e as tretas vão se acumulando, daqueles dias em que uma coisa leva à outra que leva à outra, enfiando problemas atrás de problemas que parecem impossíveis de serem resolvidos.

O barato em Dope está em virar do avesso o que temos como padrão de um jeito muito leve. Quem manja do mundo das drogas é o cara branco, o latino metido a malandro vive em uma mansão com piscina e estúdio de gravação. Os negros do “gueto” só estão afim de preencher suas aplicações para as faculdades. O único clichê aqui é: estamos falando de jovens e eles fazem coisas estúpidas.

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E a coisa toda vai sendo costurada nessas nuances entre o riso e a preocupação, entre o óbvio e o insólito, entre o habitual e o novo. Já não é nada fácil der jovem hoje em dia e eles ainda não são considerados bons o bastante para ser elite e não são considerados bons o suficiente para pertencerem ao submundo do crime e o limbo é um lugar onde os clichês não se sustentam e precisamos caminhar com mais atenção por caminhos misteriosos.

Ainda bem. Se não fica chato demais.

Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna <a>Do Amor</a>. Tem dois livros publicados