Racismo, escola e a Manuela

Há semanas atrás, numa roda de amigos, estávamos falando sobre filhos, sobrinhos e a volta às aulas. E aí, de repente, surge o assunto de racismo. 

Uma amiga comentou que essa época de volta às aulas lhe trazia medo, pois temia pela sobrinha, a Manuela. A menina, de 7 anos, já foi chamada de bruxa, por exemplo, pois seus colegas acham seu ‘cabelo estranho’. Outra coisa bem comum para a Manuela é sentar nos fundos da sala, não porque ela quer, mas porque dizem que o ‘tamanho do cabelo atrapalha dela atrapalha ver a lousa’. 

O projeto Solta esse Black promove autoestima e valorização de cabelos e penteador afro.

A tia conta que a escola dela ignora todas essas atitudes e que a menina nunca teve uma aula sobre a história da África, por exemplo.

Esses episódios me fizeram voltar à infância, na escola também. Lá, diariamente eu era chamado de macaco por alguma parte da turma. Era normal e frequente isso. Até que um dia minha mãe foi falar com a direção. 

“Eu vou pedir pra senhora rezar pela situação, porque, nós aqui, da escola, não podemos fazer nada”.

Essa foi a resposta da coordenadora pedagógica para a minha mãe. No dia seguinte, estava eu lá, sendo xingado novamente.

Hoje, quando penso na minha escola, acho que a gente deveria ter conversado mais. Que meus professores podiam ter explorado essas situações nas aulas: gerar um debate, ouvir todos os lados. No fim, acho que todos concordariam que racismo não é bom, pois isso é uma maneira de parar a reprodução dos estereótipos, sobretudo dentro das salas de aula. 

Segundo números do Censo Escolar de 2015, aplicado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) com 52 mil diretores de escolas, mostraram que em 12 mil delas não existem projetos com a temática do racismo. Em resumo, um dos resultados foi o de que debater o racismo não fazia parte de projetos temáticos em 24% das escolas públicas no país.

No Brasil, existe uma luta histórica do movimento negro em pela Lei 10.639/03, que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas de ensino fundamental e médio brasileiras. Depois de criada e aprovada, os defensores cobram que ela seja implementada no cotidiano das escolas. Eles defendem que o ensino é essencial para a superação da desigualdade racial e do racismo.

Neste sentido, vale destacar algumas iniciativas, além dos projetos conteudistas, como o “Meu cabelo é um ato político”, formado por um grupo de meninas negras da cidade de Maracanaú, no Ceará. Lá, elas criaram um espetáculo de dança, uma exposição fotográfica, escreveram livros com relatos das atividades do grupo, além de rodas de conversa e palestras na escola sobre o tema. 

O Solta Esse Black é outro exemplo de projeto nascido dentro da escola. Algumas alunas do Rio de Janeiro se juntaram para promover oficinas de turbante e de penteado afro para os cabelos crespos. A ideia principal era combater, através destas ações, o machismo e o preconceito racial dentro da escola.

O portal Geledés tem um texto com orientações que podem combater o racismo dentro da escola. Indico a leitura do material a todo mundo, já que o racismo é um problema coletivo. 

É essencial lembrar que o racismo é um problema que deveria envolver toda a sociedade. Por mais mais dedicados com as questões raciais que sejam os negros, os negros é a parte da população prejudicada por um problema criado por pessoas brancas. E são pessoas brancas que há muitos séculos criam e ocupam os cargos mais altos do sistema que oprime mais da metade da população brasileira. Portanto, racismo não é um tema a ser resolvido por ativistas negros. Cabe aos brancos se responsabilizar contra o racismo, ainda mais quando suas ações estão ligadas ao problema. 

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O impacto do racismo na educação

Benilda Brito apresenta como o racismo nas escolas tem efeitos duradouros. fala como os ritos pedagógicos podem fortalecer este racismo. Ela apresenta propostas de como trabalhar com estas questões na escola. Uma delas é conversar com os professores sobre sua própria identidade. 

 

Como levar ações antirracistas para a sala de aula?

Se você é pai ou educador e quer entender como colocar na prática a educação antirracistas, este texto do Centro de Referências em Educação Integral apresenta alguns caminhos. 

Em primeiro lugar a escola precisa ser capaz de olhar para dentro e identificar as expressões da racismo na sua estrutura. Ouvir pais e alunos, estar disposto a auto-crítica e a ouvir a crítica de fora é essencial neste processo.

As ações de valorização da ancestralidade negra, de debate sobre história e descriminação racial precisam ser pensadas como parte do currículo escolar. Afinal, o racismo não é pontual. Ele não acontece só na ofensa, ele forma estruturas e, por isso, a educação antirracista não pode ser pontual – uma aula especial, um dia de conversa – ela tem que repensar essas mesmas estruturas.

Além de ser importante envolver pais, alunos e funcionários nesse processo de transformação, é preciso olhar com atenção para o corpo docente: seja para garantir representatividade ou para trabalhar as questões de identidade que os professores negros carregam.

Para entender mais acesse o texto completo.

As dificuldades de implementar a educação antirracista

A revista nova escola escreveu sobre a importância de promover a luta contra o racismo através do ensino. A matéria trouxe dados do estudo publicado pela UNESCO sobre Práticas pedagógicas de trabalho com relações étnico-raciais na escola em que se aponta as principais dificuldades de implementação da lei 10.639/03.

  1. Desinformação ou desconhecimento da alteração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação e dos documentos que a orientam

 2. A falta de recursos didáticos, de publicações no MEC com propostas pedagógicas e de instrumentos práticos para a aplicação em sala de aula;

3. O ponto de vista da gestão, a falta de recursos financeiros para secretarias  de Educação.

15 inspirações antirracistas

O portal Lutenas reuniu 15 conteúdos que inspiram ações antirracistas, incluindo iniciativas de professores, materiais didáticos, atividades especiais, e outros.

Vale muito a pena se debruçar sobre este material. Clique aqui.

Indicação de Leituras 

A professora Waldete Tristão listou para a revista Nova Escola seis indicações de leituras que podem ajudar pais, educadores e professores a lidar com o racismo em sala de aula e a desenvolver estratégias e estruturas antirracistas.

Confira aqui as indicações de leitura.

Educação religiosa antirracista 

A Família Quilombo, que fala muito sobre criação dos filhos considerando a negritude, fez um vídeo sobre como valorizar a ancestralidade negra independente da sua religião.

De tradição católica, estes pais queriam apresentar também a cultura africana aos filhos e neste vídeo falam sobre como lidaram com isso conciliando estas visões.

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Esse texto eu escrevi sob a inspiração musical de ‘Preto Cismado’, da banda paulistana Aláfia. Destaco os versos  “Não posso acreditar que existe um / Deus que feche com a segregação / Gênero, cor, religião”. 

 

Lucas Veloso

Com formação em Jornalismo, é repórter no portal Alma Preta. Também é co-fundador da Agência Mural, veículo que cobre as periferias da Grande São Paulo.