Era sexta-feira, maio de 2017, estava sentado na minha cadeira confortável em frente à minha linda mesa de vidro.  A placa na porta da sala dizia: gerente nacional de marca. Eu me orgulhava, todo dia de manhã, quando passava por aquela porta, me sentindo o Will Smith no filme The Pursuit of Happiness.

Estava em um cargo de liderança em uma grande marca do mercado de moda. Como lutei para chegar até ali! Comecei de baixo e com muito trabalho e suor cheguei ao topo. Quantos desafios! Quantas portas batidas na cara enfrentei e venci! O salário era o bom e o status nem preciso dizer: o de um verdadeiro vencedor.

Como ia dizendo, era sexta-feira, 17h30, meu diretor entrou pela porta. Pensei que poderia ser um papo casual, a empresa passava, sim, por suas dificuldades por conseqüência de um mercado retraído nos últimos anos, mas estávamos vendendo bem.

Enfim, o meu diretor entra e me diz:

"não podemos mais manter esta estrutura e isso inclui você."

Fiquei em estado de choque, nem respondi. Ele saiu da sala e fiquei ali, estático uns 15 minutos. Estático.

Voltei do choque, peguei minha mochila e saí pela porta.

Olhares como flechas se direcionavam para mim. Alguns com pena, outros com um leve prazer. Parecia que todos sabiam, menos eu. Fiquei constrangido a ponto de nem perceber que naquele momento eu iniciava uma grande jornada…

A jornada do desemprego

No começo, me tornei soberbo. Talvez tenha sido algum mecanismo de defesa, mas eu dizia a mim mesmo: sou bom, competente, levantei aquela marca, tenho muitos contatos e poderei trabalhar onde quiser.

Passaram-se trinta dias.

Depois dessa fase, começou uma leve preocupação, como uma pequena mosca a rondar meus pensamentos. Entretanto, ainda havia dinheiro na conta e minha companheira estava trabalhando, as crianças ainda em uma boa escola. Estava tudo ok. Era só questão de tempo.

E o tempo passou…

Nos quatro meses seguintes, veio a solidão. Minha mulher, no trabalho. As crianças, na escola; dividia meu tempo entre buscar trabalho online e na rua visitando alguns contatos. Contatos estes que não tinham ajudado muito até então. Nesse período, surgiu o grande questionamento:

Será que sou tão bom assim?

A essa altura do campeonato, a mosca em meus pensamentos estava gigante e me fazia pensar incessantemente o quanto, na verdade, eu tive sorte em ter aquele emprego. Todas as qualidades que eu acreditava ter profissionalmente começaram a ir por água abaixo dentro de mim, e comecei a me sentir incapaz.

Que diabos de homem eu sou?

Oito meses já haviam se passado. Estava fazendo diversos bicos. O que aparecia, fazia, completamente convencido de que era um inútil, sem valor em minha área de atuação. Questionei todo o tempo e recursos investidos na profissão. Crente de que tinham sido em vão e de que precisaria recomeçar em qualquer coisa.

Quando a grana acabou, comecei a me questionar se cumpria meu papel de homem. Por mais que eu estivesse fazendo diversos bicos e minha companheira trabalhasse dobrado, começava a ser algo impossível manter o padrão que lutamos para conquistar. Minha família passou a ajudar e, quanto mais ajuda recebíamos e mais minha companheira se desdobrava, mais incapaz me sentia.

Isso foi muito doloroso para mim, pois deveria ser grato pela ajuda que recebia. Mas, na verdade, sentia que estava terceirizando meu papel de homem de prover minha família. Este período foi particularmente nocivo para mim.

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Já nem procurava mais emprego na minha área de atuação. Na verdade, nem procurava mais de maneira consciente, fazia o que aparecia. Me isolei dos meus amigos, minhas filhas e familiares. Não aguentava compartilhar minha presença inútil com alguém.

A jornada do desemprego começou a prejudicar todas as minhas relações: amizades, família, minha vida sexual. Tudo havia sido destruído. Neste período, pensei que iria explodir.

O processo de autoconhecimento

No fundo do poço, não temos mais amarras sociais, nem orgulho e nem padrões. No fundo do poço, conseguimos juntar nossos pedaços e descobrimos que, na verdade, vivemos nos comparando aos outros. É da nossa natureza fazer isso.

Somos reféns de padrões sociais sobre masculinidade, em que o homem pode cometer milhares de erros, mas não vencer financeiramente é algo imperdoável e isso nos machuca. É algo enraizado em nosso inconsciente. Não é só o julgamento de nossos familiares e amigos (muitas vezes, esse julgamento nem existe), é uma ferida que nos machuca de dentro para fora e só quando comecei a olhar para dentro, comecei a enxergar uma luz.

A diferença entre ser e estar: eu estou fracassando, não sou um fracassado.

Para mim, esta foi a chave para entender que a situação era sim grave, entretanto a maneira como eu lidava com ela só a piorou.

A meditação me salvou!

É, ela me ajudou a entender a real dimensão dos meus sentimentos, a olhar para dentro. Me ensinou que coisas ruins realmente acontecem e que, na maioria das vezes, não temos controle sobre ela. O que temos é controle sobre a forma como elas nos afetam.

As tarefas cotidianas também me salvaram! Entre os bicos que arrumava, sempre me sobrava muito tempo ocioso e passei a empregá-lo com os mais diversos afazeres: limpando a casa, arrumando aquela porta que rangia há um ano, ajudando mais as crianças nos afazeres da escola. Enfim, fazendo tudo o que precisava ser feito em minha casa.

Com o tempo, comecei a sentir o fardo na minha mente diminuir. Os problemas não haviam mudado, mas eu havia. Passei também a me voltar para o meu antigo mercado de atuação, me inteirando, retomando o contato com antigos colegas. Retornei ao prazer daquele meio, o mesmo que eu sentia quando comecei minha carreira. Afinal, eu tinha feito uma escolha.

Me reinventei, percebi meus erros e meus acertos, me renovei, valorizei e voltei a ter brilho nos olhos quando falava de moda, tendências e marcas.

Eis que exatos dez meses depois…

De volta à labuta.

Lembro como se fosse hoje. Recebi uma ligação de um número desconhecido e um convite me fez ir às nuvens. Estava recolocado no MEU mercado, mesmo cargo e salário, não mais o mesmo homem.

A jornada do desemprego foi um dos grandes pilares para a formação do homem que ainda estou desenvolvendo em mim. Neste período, entendi que as fases são importantes e devemos passar por todas com serenidade, independentemente do quão difíceis são. E, principalmente, percebi que não fui menos homem por estar desempregado.

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Para se aprofundar na prática de meditação:

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Para se aprofundar na conversa sobre trabalho:

Rafael Eusebio

Pai, atua no mercado de moda há mais de 10 anos e é estudante de relações públicas por livre e espontânea opção.