De repente, minha caneca de tomar café começou a sumir. Fui procurar e descobri que um dos colegas de casa, o Nate, estava usando.
Me irrita bastante não ter acesso a minha caneca. Afinal, não foi pra isso que eu a comprei? Para beber café?
Toda vez que procuro minha caneca e não encontro, fico puto. Fico puto de verdade. Ensaio diálogos mentais de marchar quarto adentro do Nate e dizer coisas como:
Olha só, vamos fazer um trato? Sim, todo mundo pode usar tudo de todo mundo, mas vamos combinar que cada um tenta usar prioritariamente as suas coisas e, se não estiverem disponíveis, as dos outros, ok?
Talvez muitas pessoas concordassem com essa minha irritação.
Pena que ela está errada. É babaca, pequena, mesquinha, egoísta.
O colega de casa não sabe que a caneca é minha, que me irrito que ele a use, que só bebo café nela: ele sabe apenas que não foi ele que comprou mas que ela está no armário junto com outras dez canecas que ele também não comprou. Como ela só some de vez em quando, ele não a usa sempre: deve simplesmente pegar a primeira que aparece e pronto.
Não, não uso nada dele. Teoricamente, os objetos de cozinha são de uso comum (facas, panelas, potes, canecas, etc), mas eu já tenho as minhas próprias coisas, não preciso usar as de ninguém.
O Nate é uma pessoa ótima, linda, aberta, carinhosa, generosa. um cara realmente desapegado. Trabalhava em uma financeira, num emprego pacato e seguro, largou tudo pra fazer escola de culinária, e depois, veio pra Nova Orleans trabalhar no melhor restaurante da cidade, trazendo apenas a bagagem que cabia no seu carro. Ele usa minha caneca porque nem tem a dele.
Imagino que não haveria nenhum problema em falar sobre isso. Tenho certeza absoluta de que ele não teria nenhuma reclamação. Ele é norte-americano, respeita a propriedade privada!
Olha, sabe como é, eu gosto dessa caneca, só tomo café nela, de vez em quando eu procuro e não encontro, você poderia tentar usar as outras antes de usar essa? Na boa?
Mas não vou falar nada. Porque o problema sou eu.
O problema não é o Nate (uma pessoa generosa que outro dia quase deu cinquenta dólares pra uma velha trambiqueira numa cadeira de rodas) abrir o armário e pegar a primeira caneca que vê pela frente. O problema sou eu ter qualquer tipo de apego a um objeto de plástico vagabundo, que custou 6,99 dólares mais impostos, sem qualquer valor intrínseco ou sentimental.
Não quero ser a pessoa que regula uma caneca. Não quero chegar pro meu colega de casa, com a mão das cadeiras e a voz irritada, e pedir pra ele por favor não usar a minha caneca! Eu não quero escrever bilhetinhos “vamos cada um usar nossas próprias canecas?”
Eu não quero ser essa pessoa. Eu não sou essa pessoa. Eu não sou essa pessoa porque eu não quero ser essa pessoa. Eu não sou essa pessoa porque 99,99% de tudo o que acontece no universo (provavelmente mais) está fora do meu controle, mas eu pelo menos ainda tenho controle sobre algumas coisas: eu posso até ser uma pessoa que se incomoda do colega de casa usar sua caneca preferida, mas eu decido não ser a pessoa que reclama com o colega de casa de ele estar usando sua caneca preferida.
Poucos conselhos são mais canalhas do que o clássico “seja você mesmo”. A maioria dos problemas do mundo veio de gente que estava simplesmente sendo si próprio.
Mais importante do que “ser você mesmo” é ser quem você quer ser. Todas as forças do universo nos impelem a nos conformarmos, a aceitarmos as regras do mundo, a cedermos, nos moldarmos. Ser a pessoa que você quer ser é uma das tarefas mais difíceis do mundo. É uma luta diária, surda, interna, contra seus próprios preconceitos, suas mesquinharias, seus egoísmos.
Se quero ser menos invejoso, menos ciumento, menos egoísta, então, basta ser.
Ser quem eu quero ser é o mínimo que devo a mim mesmo. Se não sou nem isso, então não sou nada.
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